ODS 1
Ação no STF pede suspensão de leis que implodem o licenciamento ambiental


Povos indígenas se unem a partido político para denunciar ao Supremo violações à Constituição das duas novas leis que passaram a determinar as regras das licenças ambientais no Brasil


O PSOL e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entraram hoje (29/12) no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação demandando a suspensão imediata dos efeitos das leis 15.190 e 15.300, que atualmente regulam o licenciamento ambiental no Brasil. A petição aponta violações à Constituição nos dois textos, que, na prática, implodem o licenciamento e a avaliação de impactos ambientais.
A Lei 15.190/2025, batizada Lei Geral do Licenciamento Ambiental, foi sancionada com vetos em agosto pelo presidente Lula, mas os vetos foram derrubados pelo Congresso em novembro. A Lei 15.300/2025 foi sancionada no último dia 22 e complementa a Lei Geral, estabelecendo regras para a LAE (Licença Ambiental Especial), um licenciamento “expresso” para obras de interesse político.
Leia mais: Congresso aprova MP da Devastação e cria licença “expressa” para grandes obras
“A nova Lei Geral, a bem dizer, não cumpre a função de modernização, unificação e efetivação das melhores práticas para o licenciamento ambiental brasileiro, e, na sua grande parte, aprofunda as deficiências existentes e, mais do que isso, põe por terra o sistema de gestão ambiental de atividades e empreendimentos que podem ocasionar poluição ou outras formas de degradação ambiental”, aponta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada ao Supremo.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosA redação foi articulada pelo Observatório do Clima (OC) junto ao PSOL e à Apib. O OC também assina a petição inicial com mais 11 organizações da sociedade civil: Greenpeace Brasil, ISA, WWF-Brasil, Alternativa Terrazul, Arayara, Alana, Conectas, IDC, Conaq, SOS Mata Atlântica e Avaaz. Todos acompanharam ativamente no Congresso a tramitação das duas leis e pedem inclusão no processo como amigos da Corte.
“A bancada do PSOL atuou decididamente contra as mudanças aprovadas pelo Congresso e vetadas pelo presidente Lula. Ao insistir em mudanças claramente inconstitucionais, não nos resta alternativa senão recorrer ao STF. Espero que o Judiciário reverta esse ataque às políticas ambientais e não permita mais retrocessos. O Brasil pode liderar a luta contra as mudanças climáticas, mas para isso precisamos de mais proteção ambiental, não menos”, diz Juliano Medeiros, ex-presidente do PSOL, que representou o partido na elaboração da ADI.
O que diz a ação?
A petição inicial tem mais de 200 páginas, onde estão listadas dezenas de transgressões à Constituição Federal e aos princípios que fundamentam o Direito Ambiental brasileiro, jurisprudências contra vários dispositivos anti-ambientais já combatidos pela Suprema Corte e incongruências legislativas. Ao final, são apresentados três tipos de pedidos:
1. Medida cautelar para suspensão dos efeitos de todos os dispositivos questionados enquanto a ação é julgada pelo Supremo. Isso é necessário tanto pelos riscos da aplicação da Lei Geral quanto pelas regras da Lei da LAE, uma licença por pressão política voltada a empreendimentos com grande impacto, e que já está em vigor desde a edição da Medida Provisória (MP) 1.308/2025, em agosto. O restante da Lei Geral, com seu pacote completo de retrocessos e inconstitucionalidades, entrará em vigor em 4 de fevereiro de 2026.
2. Declaração de inconstitucionalidade de 29 artigos da Lei Geral, em parte ou na íntegra, e de 6 artigos da Lei da LAE, que dizem respeito ao descontrole da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) – na prática, um autolicenciamento –, a simplificação por decisão política da LAE, o enfraquecimento da Lei da Mata Atlântica, a delegação excessiva de poderes a estados e municípios (esvaziando o poder da União de estabelecer normas gerais), a facilitação da regularização de empreendimentos instalados irregularmente, a indevida redução da responsabilidade socioambiental das instituições financeiras, entre outros problemas.
3. Interpretação conforme a Constituição de 8 artigos da Lei Geral, ou seja, para seguir princípios constitucionais e jurisprudência em situações como as de manejo de resíduos perigosos, oitiva das autoridades envolvidas em todas as terras indígenas e territórios quilombolas afetadas direta ou indiretamente e inclusão de variáveis das mudanças climáticas, sequer mencionadas na Nova Lei Geral do Licenciamento.
“A nova legislação não representa apenas o maior retrocesso ambiental nos últimos 40 anos, mas também um dos maiores ataques aos povos indígenas desde a redemocratização. O enfraquecimento da Funai nos procedimentos de licenciamento, a desconsideração das terras indígenas ainda não homologadas e o enfraquecimento do direito de consulta livre, prévia e informada põem em risco as comunidades indígenas do Brasil, bem como os biomas protegidos por elas”, afirma Ricardo Terena, coordenador jurídico da Apib.
Décadas tramitando
As duas leis questionadas derivaram do Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, o PL da Devastação, que recebeu essa alcunha por driblar o rito do licenciamento de atividades econômicas potencialmente causadoras de poluição ou de outras formas de degradação ambiental – desde a instalação de postos de gasolina à construção e pavimentação de estradas, passando por vários tipos de projetos industriais, de geração de energia, de exploração de petróleo, de mineração e também parte dos empreendimentos agropecuários.
O primeiro texto que buscava criar uma lei geral de licenciamento ambiental foi apresentado na Câmara dos Deputados em 1988 por Fabio Feldmann e, mesmo com pareceres favoráveis, acabou arquivado.
Em 2004, teve início o processo da Nova Lei Geral (PL 3.729), apoiado na época por ambientalistas. Ao longo dos anos, a Câmara consolidou o texto irresponsável do PL da Devastação, aprovado em 2021.
É uma legislação eivada de inconstitucionalidades: privilegia isenções, autolicenciamento e flexibilizações, além de ferir direitos dos indígenas, quilombolas e comunidades locais em geral
Em julho deste ano, sob forte pressão do lobby da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ele passou pelo Senado, onde ganhou mais uma aberração, a LAE, incluída pelo presidente daquela Casa, David Alcolumbre, para facilitar a aprovação de forma célere de projetos com forte apelo político e, em regra, com significativo impacto ambiental.
No mês seguinte, o presidente Lula sancionou a lei 15.190/2025 e editou a MP 1.308/2025, relativa à LAE, totalizando 63 dispositivos vetados, depois de uma campanha que mobilizou milhares de brasileiros dentro e fora das redes sociais. Na ocasião, o Executivo também apresentou o PL 3.834/2025, que procurava suprir lacunas deixadas pelos vetos. Esse PL continua tramitando.
Em 27 de novembro, na semana seguinte à COP30, o Congresso Nacional derrubou 56 vetos de Lula. Cinco dias depois, o texto da MP passou a toque de caixa pela comissão mista do Congresso. Em poucas horas, também estava aprovado pelo plenário da Câmara. No dia seguinte, foi a vez de o Senado ratificá-lo em apenas 90 segundos de sessão. Em 22 de dezembro, às vésperas do Natal, a MP foi convertida na Lei 15.300, a Lei da LAE, sem qualquer veto do Presidente da República.
A ADI enfatiza o estrago dessa legislação: “a Lei nº 15.300/2025 permite que empreendimentos relevantes para o governo sejam definidos politicamente como “estratégicos”, sem critérios técnicos, e sejam licenciados em até 12 (doze) meses, prazo drasticamente inferior ao necessário para avaliar impactos complexos”.
“Para obras de rodovias consideradas estratégicas, o prazo é reduzido para 90 (noventa) dias, o que torna inviável qualquer exame minimamente responsável, tornando a ameaça socioambiental ainda mais grave. Isso significa que atividades historicamente sujeitas a inúmeros estudos, múltiplas licenças e processo analítico prolongado, como a UHE Belo Monte e a mineração S11D em Carajás/PA, que levaram mais de 6 (seis) anos entre a entrega do EIA/Rima [o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental] e a emissão da LO [Licença de Operação], serão autorizadas em tempo insuficiente para identificar riscos, propor medidas de mitigação e avaliar a viabilidade ambiental”.
“Considerada em seu conjunto, a Lei Geral do Licenciamento Ambiental é uma tragédia histórica para nossa política ambiental”, afirma Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do OC. “Isso ficou ainda pior com a LAE, modalidade de licenciamento acelerado por pressão política, direcionado a empreendimentos de grande impacto, infelizmente apoiado pelo Poder Executivo”.
Suely destaca a necessidade de o STF corrigir erros que trarão insegurança jurídica e conflitos sociais. “É uma legislação eivada de inconstitucionalidades: privilegia isenções, autolicenciamento e flexibilizações, além de ferir direitos dos indígenas, quilombolas e comunidades locais em geral. Retrocede em relação à proteção da Mata Atlântica e aos deveres das instituições financeiras. A lista de problemas é grande. Os brasileiros precisam de uma resposta rápida para esses descalabros que destroem o licenciamento ambiental, para não ficarem à mercê de interesses mesquinhos e eleitoreiros e do completo descontrole ambiental”.
Últimas do #Colabora
Relacionadas
Observatório do Clima
O Observatório do Clima é uma rede que reúne entidades da sociedade civil para discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro.







































