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Veja o que já enviamosA Rua da Carioca, a cerveja e a reeleição do prefeito Paes
Inauguração da Vírus Bier, primeira cervejaria artesanal na histórica via da cidade, traz esperança no sucesso de projeto criado pela prefeitura para a recuperação dessa área do Centro do Rio
Na primeira vez que votei em Eduardo Paes para prefeito, em 2020 (estava em Salvador em 2008 e 2012 e não fui às urnas), o mais importante na escolha era derrotar o bispo pentecostal, inimigo da rua, do samba, do meio ambiente – e parceiro do bolsonaro e, portanto, cúmplice do vírus. Mas fazia questão, ao defender a volta de Paes, de destacar sua grande obra: a derrubada da Perimetral. Tudo que veio depois na recuperação da Zona Portuária do Rio – o Museu de Arte do Rio, o VLT, o Museu do Amanhã, os agitos do Largo de São Francisco da Prainha, o AquaRio, o Armazém da Utopia, os novos e eventos e blocos – brotou após a demolição daquele monstrengo de concreto, uma ode aos carros particulares e aos combustíveis fósseis, que privava cariocas e visitantes da vista da Baía de Guanabara.
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Quando decidi agora, em 2024, votar na reeleição do prefeito (apesar da admiração e simpatia pelo professor Tarcísio Motta) também a razão principal foi fechar a porta da direita e do bolsonarismo, não com cuidado mas com o máximo de veemência e retumbância. Como a vantagem era confortável e evidente a derrota acachapante dos mequetrefes da extrema-direita (não apenas o delegado envolvido no golpe mas também o deputado condenado por crime de ódio), cheguei a vacilar. Decidiu definitivamente meu voto, um pequeno acontecimento, 10 dias antes do primeiro turno, que deve ter passado despercebido pela maioria dos eleitores do Rio – a inauguração, na Rua da Carioca, da cervejaria Vírus Bier, a primeira (gosto de ser otimista) do projeto de tornar a histórica via do Centro Histórico da cidade em Rua da Cerveja.
A tentativa de recuperação da Carioca é uma iniciativa do terceiro mandato do prefeito Paes – e, também, uma obsessão deste #RioéRua, por sua trajetória, ao longo dos quase cinco séculos de história do Rio de Janeiro. Em outubro passado, este cronista pegou carona no livro de Alberto Mussa – a Biblioteca Elementar, ambientado naqueles sobrados – para flanar um pouco pelo passado da Rua da Carioca, chamada no século 18 (época do romance), de Rua do Egito, depois de Rua do Piolho e até chegar, depois de idas e vindas, ao nome que prevaleceu. Carioca, nome dado aos nascidos nesta cidade de São Sebastião, batizava uma das principais aldeias tupinambás antes da chegada dos colonizadores portugueses: a Karioka, às margens da Baía de Guanabara.
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Veja o que já enviamosAté a parte final do século 20, a Rua da Carioca foi uma importante artéria comercial do centro do Rio, ligando a tradicional Praça Tiradentes, ponto boêmio da cidade com teatro e bares, ao Largo da Carioca, que concentrava linhas de bonde (depois ônibus) para partes mais residenciais da cidade. Lojas de instrumentos musicais, sapatos, roupas masculinas e femininas, malas e outros variadíssimos artigos conviviam com o famoso Bar Luiz, referência em chope e boa comida alemã, o Cine Iris, cinema e depois teatro de revista, tudo ainda na primeira meta de século passado. A decadência do centro do Rio, a partir dos anos 1980, foi acelerada na Rua da Carioca, já neste século 21, pela compra por um banco de investimentos de boa parte do casario do lado impar, que pertencia à Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência. As queixas dos antigos proprietários do baixo valor do aluguéis foram substituídas pelas queixas dos velhos inquilinos dos novos aluguéis cobrados pelo banco.
Os estabelecimentos foram fechando: a Guitarra de Prata, o Vesúvio e Bar Flora já haviam fechado as portas quando fiz um detalhado passeio pelas lojas em 2018. Ainda sobreviviam a Mariu’s Sport, o Rei das Facas, o Ponto Masculino, – e o Bar Luiz e o Cine Íris, ambos já cercado pelo boatos. Além de reclamar, entretanto, os comerciantes pouco fizeram para sair do buraco, onde já estavam quando veio a pandemia e fez o poço ficar ainda mais fundo. Os citados acima – exceto pelo Íris – fecharam também; os sobreviventes temiam por sorte semelhante.
Mas nada como eleição atrás da outra e, em outubro de 2023, quando a Biblioteca Elementar do Mussa guiava meus passos através da Rua da Carioca do século 18, o prefeito Eduardo Paes anunciava a intenção de criar ali uma Rua da Cerveja, com incentivo municipal para a instalação de cervejarias artesanais nos sobrados seculares. Tive esperança de dias melhores, mas o projeto foi recebido com doses generosas de ceticismo, de quem passou anos em constantes engarrafamentos de ideias que não saíam do lugar.
Desta vez, entretanto, começaram a aparecer sinais de que o negócio ia andar: em abril, teve festa para assinatura de sete contratos para abertura de cervejarias e bares especializados na Rua da Carioca. Saíram notícias aqui e ali de que obras haviam começado, mas, nos meses seguintes, olhando da calçada, o cenário parecia o mesmo. Em setembro, veio a notícia da abertura da Vírus Bier – abriu na quinta (26/09), fui lá conferir na sexta (27/09). Ainda estava em ritmo de abertura, com chope ainda em copo de plástico e fornecedores entregando material. Mas o mais importante estava lá: a cerveja muito boa e muito gelada. Bebi Pilsen, Red Ale e IPA – dispenso cerveja de trigo. A ideia é fabricar cerveja ali mesmo na Carioca 55 – eles já produzem artesanalmente na Praça da Bandeira, inclusive de outros tipos. E abrir até para almoço – por enquanto, só há petiscos no ainda modesto cardápio.
Saí de lá em direção ao metrô com a alma já encharcada de esperança – contam na Rua da Carioca que mais dois estabelecimentos estão engatilhados para abrir até o fim do ano. Perto da Praça Tiradentes (nos números 74 e 76), as marcas Piedade e Martelo Pagão pretendem inaugurar, em parceria, a nova cervejaria da Rua da Carioca ainda em outubro ou no começo de novembro. Nas imediações do Largo da Carioca (números 15 e 17), também estão adiantadas as obras do Cotovelo, bar que vai servir a produção das cervejas das marcas Búzios e Tio Ruy numa parceria com Raphael Vidal, fundador dos principais botecos do Largo da Prainha. São notícias alvissareiras, como se dizia no século passado – e, no projeto da Rua da Cerveja, ainda está prevista aumentar as calçadas e tirar um pista dos veículos sobre rodas, fundamental para devolver à rua aos cariocas. Por hora, voltarei lá mesmo na Vírus Bier para celebrar a reeleição do prefeito Paes e a derrota dos inomináveis.
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