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“Fuera Porta”: ativistas argentinas denunciam empresa de biocombustíveis por danos à saúde


Poluição provocada por vapores da destilação provoca graves problemas em moradores de Córdoba; na COP30, lideres de movimento debateram financiamento climático feminista


(De Belém, Pará) – “Acreditamos que o espaço da COP não pertence àqueles que nos matam todos os dias”. A cobrança é de Silvia Cruz e está ligada aos impactos socioambientais da produção de biocombustíveis no bairro San Antonio, localizado na cidade de Córdoba, Argentina. Ao lado de Maria Rosa Vignolo e Natalia Tello, Silvia veio para Belém (PA) pelo movimento “Fuera Porta” e para defender o bem-viver no seu território.
Os vapores de destilação começaram a provocar abortos espontâneos, nascimento de crianças com malformações, câncer, leucemias, problemas de saúde em uma vasta área, não apenas no bairro de San Antonio, mas também em em outros bairros vizinhos
A iniciativa foi criada em 2012, após a instalação de uma fábrica da empresa Porta Hermanos em San Antonio, associada à multinacional sueca Alfa Laval. Desde então, os moradores começaram a sentir os efeitos sujos do “desenvolvimento sustentável” e das soluções de engenharia industrial que a empresa afirma adotar para produzir bioetanol e álcool e outros “produtos verdes”.
Na COP30 (30° Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima), as ativistas argentinas do “Fuera Porta” participaram do painel “Financiamento Climático Feminista para transições justas e territórios vivos”, realizado nesta terça-feira (13/11), no espaço do Círculo dos Povos.
“Os vapores de destilação começaram a provocar abortos espontâneos, nascimento de crianças com malformações, câncer, leucemias, problemas de saúde em uma vasta área, não apenas no bairro de San Antonio, mas também em em outros bairros vizinhos”, relata Silvia Cruz. A comunidade também não foi consultada previamente sobre o empreendimento, como prevê o Acordo de Escazú.
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Veja o que já enviamosAlém da contaminação, a fábrica ameaça o abastecimento de água e gás dos moradores de San Antonio. “Funciona 24 horas por dia, sem interrupção, 365 dias por ano, produzindo muito ruído, muitos vapores, muitas vibrações, ou seja, é prejudicial em todos os sentidos”, acrescenta Maria Rosa.
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Córdoba é a segunda maior cidade da Argentina, com cerca de 1,5 milhão de habitantes e, no bairro de San Antonio, vivem cerca de 4 mil pessoas. Na COP30, as ativistas argentinas querem mostrar o que acontece com suas famílias há 13 anos. “O espaço da COP deve estar aberto para encontrar soluções justas e reais, e não soluções enganosas e que sacrificam os territórios”, pontua Silvia.


Zona de sacrifício
“Eu moro a 600 metros da fábrica e não tenho acesso à rede de gás porque não há mais gás para mim, mas a fábrica tem. Quando se trata do esgoto, eles têm tanques de tratamento de efluentes líquidos que são muito pequenos para a produção que têm, então, temos certeza de que eles têm conexões clandestinas à rede de esgoto, por isso, ela explode e entra em colapso por todos os lados”, descreve Natalia Tello.
Junto com a luta ambiental, o “Fuera Porta” também se caracteriza como um movimento de gênero, uma vez que, nasceu a partir do diálogo entre mulheres de como enfrentar a devastação do seu bairro. “Nossos companheiros de vida nos apoiam, estão presentes e tudo mais, mas somos sempre nós, mulheres, que nos colocamos à disposição, e isso não é por acaso”, enfatiza Natalia.
Os biocombustíveis não são uma solução para as mudanças climáticas. E nós temos provas disso. A produção de biocombustíveis e a fermentação alcoólica para o álcool, para o agroetanol, são totalmente cancerígenas, poluentes e vão saquear até a água que precisamos todos os dias
O caso de San Antonio não é exclusivo e expõe a situação das chamadas zonas de sacrifício. Esse conceito faz referências às áreas próximas a grandes empreendimentos e que trazem impactos socioambientais e à saúde das comunidades, geralmente, compostas por pessoas pobres, negras, indígenas ou quilombolas.
Para tentar retomar o direito ao bem-viver no seu território, as ativistas argentinas iniciaram uma batalha judicial nos tribunais argentinos e, recentemente, também levaram o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Todas as resoluções judiciais que temos dizem que a fábrica é ilegal, não cumpre a normativa, há indícios de poluição, mas dão tempo para que ela apresente recursos e documentação”, lamenta Natalia.


Estudos comprovam contaminação
Ao longo dos anos, o “Fuera Porta” realizou diversos estudos independentes para comprovar os impactos socioambientais da empresa na vida das pessoas do bairro San Antonio. As pesquisas reforçam a reivindicação das ativistas argentinas e revelam uma outra dimensão das falsas soluções verdes: os danos genéticos pela exposição à agentes tóxicos.
O primeiro estudo foi realizado em 2019 e teve como foco 20 crianças. A análise de urina de todas elas apontou a presença de substâncias tóxicas, como acetona, formaldeído, xileno e tolueno. Já a análise de mucosa indicou que 63% das crianças tinham alterações genéticas acima do limite considerado legal.
A segunda pesquisa foi realizada em 2021 com 40 adultos que viviam em um raio de 600 metros da fábrica da Porta Hermanos. O tolueno foi encontrado em 73% das amostras de urina e 65% das amostras de mucosa apontaram dano genético. O mesmo levantamento revelou que 2 em cada 3 habitantes sofriam de alguma das seguintes patologias: conjuntivite, cefaleias, dermatite, dispepsia e distúrbios respiratórios.
Para as ativistas argentinas, os estudos apenas repetem aquilo que sentem no cotidiano. “Os biocombustíveis não são uma solução para as mudanças climáticas. E nós temos provas disso. A produção de biocombustíveis e a fermentação alcoólica para o álcool, para o agroetanol, são totalmente cancerígenas, poluentes e vão saquear até a água que precisamos todos os dias”, destaca Silvia Cruz.
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Micael Olegário
Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.











































