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Veja o que já enviamosSeca e fome na África Oriental: Somalilândia busca formas de superação e adaptação
Em região autodeclarada independente da Somália, comunidades desenvolvem alternativas para ter acesso à água e cultivar alimentos
(Razmi Farook*) – A África Oriental enfrenta a pior seca em décadas e ainda há pouca ou nenhuma atenção à gravidade dessa situação. Com o número de emergências crescendo rapidamente diante das mudanças climáticas, aumentar a conscientização e o investimento necessários para responder à crise continua sendo um desafio enorme. Na Somalilândia, região autodeclarada independente da Somália desde 1991 – mas ainda sem o reconhecimento da comunidade internacional -, as famílias estão enfrentando escassez crônica de alimentos e água e, embora as últimas chuvas no final de 2022 tenham melhorado um pouco a situação e amenizado a fome, a situação ainda é crítica.
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Os padrões de mudança do clima, incluindo a seca, estão tendo um impacto extensivo na população. O meio ambiente, os recursos hídricos e a agricultura são seriamente afetados. Esforços contínuos são necessários para ajudar a atender às necessidades imediatas das famílias, que sofreram com cinco estações chuvosas fracassadas, e para trabalhar na construção da resiliência de suas comunidades em relação à ameaça persistente de secas e outros choques climáticos. A próxima estação chuvosa, que acontece até junho, deverá ser a sexta estação chuvosa fracassada ou abaixo da média consecutiva, fornecendo poucos meios às famílias para restaurar sua subsistência.
Além da seca grave e contínua em todo o país, o conflito sobre a cidade disputada de Laas Canood, no leste da Somalilândia, causou deslocamento em massa. Milhares de pessoas foram deslocadas da cidade, viajando tanto através da fronteira para Puntland, na Somália, quanto para comunidades próximas a Laas Canood. Acredita-se que 89% da população deslocada sejam mulheres e crianças que deixaram suas casas com condições muito limitadas para comprar alimentos, água e outras necessidades básicas.
O deslocamento também está aumentando a pressão sobre os serviços de água, alimentos, saúde e educação nas comunidades hospedeiras, onde as famílias já estão lutando contra os impactos da seca crônica, com mais da metade da população enfrentando grave insegurança alimentar. Tendo me juntado à ActionAid no final de 2022, como Diretora Programática da Ásia e de Ações Humanitárias, eu quis ver de perto o importante trabalho que a ActionAid está fazendo para responder a essa crise em grande parte invisível, e entender como nós, enquanto organização humanitária, podemos continuar a conscientizar as necessidades e melhor apoiar as comunidades com as quais trabalhamos.
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Veja o que já enviamosAo viajar pelo país, ficou claro ver o impacto devastador que a seca estava tendo e a terra que muitas vezes estava estéril com rios completamente secos. Durante meu período na Somalilândia, visitei duas comunidades em contextos muito diferentes em que a ActionAid trabalha: Salahley e Gabily.
A cidade de Salahley abriga um dos maiores campos para deslocados internamente na Somalilândia, onde atualmente vivem 1.200 pessoas. Essas famílias estão entre um grande número de pessoas se mudando para áreas urbanas devido ao impacto da seca em suas vidas e meios de subsistência. Por enquanto, tais comunidades não devem retornar às suas antigas formas de vida e têm oportunidades precárias e limitadas nos lugares onde estão abrigadas.
A área é severamente afetada pela seca, com algumas famílias enfrentando os níveis mais altos de insegurança alimentar do país. Os serviços em Salahley são extremamente limitados, com pouco acesso a instalações de saúde e escolas. Também há pouco acesso a fontes de água sustentáveis, o que significa que a água muitas vezes é transportada para a área ou as pessoas são obrigadas a usar água de qualidade ruim e imprópria para consumo, o que leva a doenças e enfermidades.
A ActionAid vem trabalhando em Salahley desde 2016, em parceria com grupos locais de mulheres para estabelecer espaços seguros, fornecer treinamento e atividades de conscientização sobre violência baseada em gênero. No ano passado, trabalhamos com o comitê de gerenciamento do campo em Salahley para fornecer subsídios em dinheiro para ajudar 400 famílias a atender suas necessidades básicas.
O comitê falou conosco sobre a necessidade de melhor acesso à água, abrigo e treinamento com base em habilidades para geração de renda. A área está próxima à fronteira com a Etiópia, onde muitos pastores passam em busca de água. Há um ponto de água em Salahley, mas é salgado e, apesar disso, as pessoas ainda vêm em busca da água, pois não têm outra opção. Espera-se que as chuvas sejam fracas novamente na próxima estação chuvosa e outra seca é provável, o que significa que mais pessoas deslocadas internamente são esperadas para chegar em Salahley, colocando mais pressão nos serviços locais e na comunidade anfitriã.
Enquanto eu estava em Salahley, uma mulher nos convidou para sua loja que ela havia montado, com a segunda das duas parcelas do recurso que a ActionAid havia fornecido às famílias que viviam no acampamento. Suleekha, de 31 anos, é a única provedora de sua jovem família de oito pessoas, desde que seu marido sofreu um acidente que o impede de trabalhar. Antes da seca, eles possuíam mais de 200 animais, mas devido às condições adversas, todos morreram. Quando Suleekha foi selecionada para receber o apoio, ela usou o primeiro pagamento para comprar comida, itens que seus filhos precisavam para a escola e para pagar suas dívidas. Com o segundo pagamento, ela queria fazer um investimento sustentável, então montou uma pequena loja, onde vende legumes para a comunidade. Com mais apoio, a comunidade quer fornecer treinamento com base em habilidades para ajudar outras famílias a garantir meios de subsistência sustentáveis.
Em Gabiley, onde a ActionAid vem trabalhando desde 2006, fiquei impressionada com o trabalho que a comunidade havia feito para gerenciar as fontes de água e cultivar a terra. A terra estava verde e as colheitas estavam crescendo bem, como um oásis exuberante neste cenário árido. O agricultor me ofereceu uma laranja cultivada em seu pequeno pomar e o sabor fresco da fruta não era comparável com nada que eu já havia provado antes. Para mim, a visão de cultivo diversificado, colheita e bombeamento de água, conservação do solo e da água para se adaptar à seca, era como um raio de esperança em termos de sucesso das comunidades em se adaptar à seca e garantir sua resiliência e sobrevivência em meio a essas condições adversas.
Quando chegamos, fomos recebidos no espaço seguro das mulheres, onde as 30 que compõem a coalizão trabalham juntas para apoiar toda a comunidade. O grupo aprendeu habilidades de alfabetização e cálculo como base para expandir seus negócios e nos contaram que, desde que receberam o treinamento, agora conseguem apoiar seus filhos em sua educação, o que é uma prioridade para a aldeia. Elas foram apoiadas a desenvolver suas habilidades de liderança e comunicação e expandir seus negócios. Através dos treinamentos, aprenderam como as mulheres podem se tornar membros ativos da comunidade e como poderiam se conectar aos serviços necessários na cidade principal, Gaibley. O grupo gerencia iniciativas como um grupo de ajuda mútua, um fundo rotativo e coalizões de mulheres. .
A ActionAid tem trabalhado junto às comunidades para adaptar as habilidades agrícolas das pessoas, de forma que se tornem mais resistentes às mudanças climáticas e construam meios sustentáveis para coletar e armazenar água para consumo humano e irrigação, e treinado comitês de gestão de água para ajudar a gerenciar e manter as fontes. Os poços rasos geralmente são conectados a uma bomba e requerem que homens da comunidade entrem no poço para ligá-lo. As mulheres nos contaram que agora sua prioridade é instalar painéis solares, o que significa que os poços rasos não precisam de combustível caro para as bombas ou serem ligados manualmente. Isso é uma prioridade importante, pois não só permitiria uma boa irrigação, ajudando a dobrar suas colheitas, mas também permitiria que as mulheres trabalhassem de forma independente para coletar água sem depender dos homens.
Quando a seca chegou, muitas fazendas secaram e animais morreram e seus negócios foram severamente afetados. Devido à inflação, os preços dobraram para combustível e produtos agrícolas. As mulheres não conseguiam vender seus produtos a uma taxa em linha com a inflação devido a problemas de qualidade e quantidade e com o acesso correto aos mercados. Nos últimos três anos, não foi apenas a seca que a comunidade enfrentou, mas também a Covid e a febre da dengue – e apesar do forte senso de resiliência comunitária, tem sido realmente desafiador para eles e para as 40 aldeias circundantes.
A seca teve um impacto severo no meio ambiente e no bem-estar socioeconômico das populações na África Oriental. As mudanças climáticas, mudanças no uso da terra e transições sociopolíticas e institucionais na região causaram secas recorrentes. Uma melhor compreensão das causas e impactos das secas, gestão participativa e ações ao nível comunitário são essenciais para construir resiliência a tal cenário. Bem como forte cooperação entre cidadãos-governo-partes interessadas também é valiosa no monitoramento e gestão de secas.
Nos próximos meses, a ActionAid Somalilândia vai também expandir a sua presença em toda a Somália, procurando trabalhar com grupos locais de mulheres para prevenir a violência baseada em gênero, construir resiliência através de um acesso melhorado à água e adaptar práticas agrícolas face às mudanças climáticas. Há uma necessidade urgente de mais financiamento para esta resposta e com apoio de todos que contribuem com nosso trabalho, seremos capazes de trabalhar em programas mais a longo prazo e sustentáveis.
*Razmi Farook Razmi Farook atua no setor humanitário e de desenvolvimento há 20 anos. Atualmente, é Diretora Regional para a Ásia e Ações Humanitárias na ActionAid
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