Foi tempo de menos para apaziguar os corações. É com raiva, medo e ressentimento que os franceses votam hoje no primeiro turno das eleições regionais, dezessete dias depois dos brutais atentados terroristas em Paris que deixaram 130 mortos e centenas de feridos ainda nos hospitais. A intensidade das emoções, constatada numa pesquisa de opinião, favorece a radicalização e parece indicar que o Front Nacional, partido de extrema direita, terá um desempenho histórico, com chances de borrar a paisagem política francesa e influenciar os caminhos da Europa.
Atualização: Na noite de domingo, após a maior parte dos votos apurados, a Frente Nacional obteve a maior vitória de sua história, com 29,1% dos votos, contra 26,73% do Republicanos e 23,21% dos Socialistas. A FN venceu ainda em 6 das 13 regiões neste primeiro turno.
“Se não ganharmos, a charia ( lei islâmica) substituirá a nossa Constituição”, ameaça a presidente do Front Nacional, Marine Le Pen. “O Front Nacional é a volta de Vichy”, rebate o primeiro-secretário do Partido Socialista, Jean Christophe Cambadélis. referindo-se à sede do governo nazista na França ocupada.
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Veja o que já enviamosLá como em Brasília, a realidade parece ficção. O enredo criado por Marine sobre o futuro da França é semelhante ao do livro de Michel Houllebcq “Submissão”, lançado no mesmo dia do massacre na redação do “Charlie Hebdo” em janeiro deste ano. Nele, o escritor imaginava a vitória de um muçulmano nas eleições presidenciais de 2022. Num comício semana passada, a líder do maior partido de extrema-direita europeu previu a proibição da música e a destruição dos edifícios históricos na França se a guerra contra o islamismo radical não for vencida agora.
A ameaça de aliados de Marine Le Pen vencerem em quatro das sete regiões da França disparou um alerta nacional e deixou na sombra a Conferência do Clima em Paris, onde o futuro do planeta está sendo negociado no velho pavilhão de Le Bourget. Neste mesmo lugar onde a indústria de armamento mundial expõe anualmente os mais sofisticados e mirabolantes artefatos de guerra, a elite política internacional ainda tem chance de mostrar grandeza e tentar minorar a catástrofe que trará os mais graves riscos ao mundo muito depois de os atuais presidentes e chefes de estado terem deixado o poder.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”center” size=”s” style=”solid” template=”01″]Ousar é preciso, mas as almas andam pequenas. Este ano será o mais quente desde 1880, recorde batido anualmente na última década. A culpa é de nós todos, seres humanos, mas a maioria dos cidadãos dos países ricos não quer mudar o estilo de vida, e os emergentes e pobres ambicionam ser como eles
[/g1_quote]Ousar é preciso, mas as almas andam pequenas. Este ano será o mais quente desde 1880, recorde batido anualmente na última década. A culpa é de nós todos, seres humanos, mas a maioria dos cidadãos dos países ricos não quer mudar o estilo de vida, e os emergentes e pobres ambicionam ser como eles, ou seja consumir e usufruir dos confortos conquistados com o uso intensivo de petróleo – em todo o mundo, 25% das pessoas não têm acesso a energia elétrica e é justíssimo o direito a não viver nas trevas mas isso significa mais emissões de carbono.
A turma do crachá rosa, representante dos 195 países presentes à conferência da ONU e com acesso às salas oficiais, de novo passou noites sem dormir para entregar neste sábado um rascunho do acordo ao ministro francês Laurent Fabius, o presidente da conferência. É uma espécie de texto guia das discussões com os chanceleres, que nos próximos três dias resultará no acordo a ser assinado sábado, último dia da conferência.
São muitos os pontos de discórdia. O acordo será transformado em lei, tornando obrigatório o cumprimento das metas? Como sempre, a voz mais forte é dos Estados Unidos, e os americanos tendem a assumir o compromisso de se engajar só com parte das regras – Obama, claro, depende do sinal verde do Congresso de maioria republicano, ainda não convencido nem de que o clima está mudando.
A outra questão é: quem vai pagar a conta para os países pobres fazerem a transição em direção à energia limpa? A Índia, o terceiro maior emissor de gás carbono, personifica a tensão entre os ricos e emergentes/pobres. Muito respeitado entre seus pares, o primeiro-ministro Modi avisou que não assumirá a culpa pelo estragos no planeta e criticou os ricos cuja “ prosperidade e progresso da era industrial foram baseados nos combustíveis fósseis”. Ou seja, vai continuar a usar petróleo para fazer a sua economia crescer se não receber bilhões de dólares para se adaptar às novas exigências climáticas. A voz do Brasil, parceiro respeitado em questões ambientais, desta vez foi abafada pela ameaça de impeachment da presidente.
Os especialistas têm ainda novas más notícias. O corte nas emissões de gás carbono teriam de ser muito mais radicais do que se tenta acordar em Paris e, pior, mesmo se todos os países cumprirem as promessas, os riscos de uma catastrófica mudança climática não estão afastados. Até agora as discussões para a descarbonização radical eram só teóricas. O professor Jeffrey Sachs, da Columbia University, foi o primeiro a reunir uma equipe de 16 países e projetar como seria esse processo para botar em prática o acordo em discussão na conferência da ONU.“’É brutal a estatística”, disse ao “The New York Times”.
A descoberta mais crucial do projeto – explica- é de que as tecnologias disponíveis hoje dão conta de iniciar o processo de transição para uma energia limpa mas não são boas o suficiente para o aquecimento global não ultrapassar 2ºC graus, meta a ser fechada no acordo de Paris – alguns defendem 1,5 C°. Os carros elétricos, a tecnologia para a energia solar e eólica teriam de ser muito mais eficientes e baratos para chegar a este resultado, constatou este grupo de trabalho.
Outros ambientalistas discordam. E dão dois exemplos: o preço da energia solar caiu 80% na última década e pode diminuir mais se o mercado crescer. As turbinas movidas a energia eólica já abastecem 5% da energia elétrica nos Estados Unidos. No Haiti, onde 75% das pessoas não tinham acesso à eletricidade depois do terremoto, os painéis solares vêm sendo usados com sucesso.
Inovação é a única chance para ganhar esse jogo. Bill Gates, o fundador da Microsoft, anunciou que um grupo de bilionários vai investir muitos bilhões de dólares para desenvolver novas tecnologias de energia limpa. Ele e todos nós sabemos que a falta de dinheiro pode levar a conferência de Paris a se dissolver no rancor entre ricos, emergentes e pobres.
Mais intolerância é tudo o que não precisamos para enfrentar a emergência climática que, em Paris, mistura-se com as estado de emergência em vigor desde o último ataque terrorista. Meio anestesiados após os atentados, o editorial de um jornal “A Voz do Norte”, despertou intelectuais, artistas , sindicatos e empresários para a catástrofe anunciada com regiões francesas dominadas, pela primeira vez, pelo Front Nacional. Uma delas – Nord – Pas de Calais – onde a própria Marine Le Pen deve ser eleita tem o tamanho da Bélgica e a população da Dinamarca. No Sul, na região que junta Provence, Alpes e Côte d’Azur, Marion Le Pen tem 40% das intenções de voto. “Temos de botar o Islã de joelhos”, repete a neta do fundador do partido de extrema-direita.
“A crise da imigração e a discussão sobre a identidade francesa já fortaleciam a extrema-direita. Depois dos atentados eles cresceram dois a três pontos e estão com 30% das intenções de votos”, diz Bruno Cautrés, professor de Sciences Po e diretor do instituto de pesquisa Cevipof que mapeou as emoções dos eleitores e como isso pode se refletir na eleição.
Todos contra o Front Nacional é o mantra repetido nos últimos dias. Espera-se que desperte a França, país onde tenta-se evitar a catástrofe política e climática esta semana.