ODS 1
O profundo e rápido decrescimento populacional da China no século XXI

Entre 1979 e 2015, país adotou a política neomalthusiana mais draconiana da história. Agora promove iniciativas pronatalistas para incentivar o aumento da fecundidade

A história da China Antiga se estende por mais de 4.000 anos, com as primeiras dinastias surgindo por volta de 2100 a.C. A civilização chinesa se desenvolveu ao longo do Rio Amarelo (Huang He) e foi responsável por quatro grandes invenções: o papel, a impressão, a pólvora e a bússola.
A Grande Muralha – que começou a ser construída cerca de 7 séculos antes de Cristo, se estende por mais de 20 mil quilômetros, sendo um Patrimônio Mundial da UNESCO e reconhecida por sua importância histórica e cultural.
Segundo o economista e pesquisador Angus Maddison, a população da China era de 60 milhões de habitantes (cerca de 26% da população mundial) no ano 1 da Era Cristã, chegou a 412 milhões em 1850 e caiu para 380 milhões em 1890. A crise demográfica foi resultado do aumento da mortalidade durante o chamado “Século da Humilhação”, um período crítico na história chinesa que começou com a Primeira Guerra do Ópio (1839) e prosseguiu com o colapso da ordem imperial chinesa e a subjugação de uma das civilizações mais antigas do mundo aos ditames das potências ocidentais e ao Japão.
Mas a roda da história girou e a Revolução Comunista Chinesa viabilizou a criação da República Popular da China, em 1º de outubro de 1949, colocando fim ao “Século da Humilhação” e aos anos de guerra civil. Segundo a Divisão de População da ONU, a China tinha 544 milhões de habitantes em 1950 e deu um salto para 823 milhões em 1970.
Na época do 1º censo, em 1953, o número de nascimentos na China estava em torno de 20 milhões de bebês ao ano. No entanto, com o projeto maoista “Grande Salto para Frente” (1958 e 1961) houve uma grande crise de mortalidade (cerca de 30 milhões de óbitos) e uma redução momentânea no número de nascimentos.
Porém, logo em seguida houve uma queda nas taxas de mortalidade e um aumento da natalidade, com o número de nascimentos chegando a 31 milhões em 1970. Durante a Revolução Cultural, Mao Tsé-Tung dizia que uma grande população era mais impactante do que uma bomba atômica, argumentando: “quanto mais chineses, mais fortes seremos”.
Contudo, com a população chinesa se aproximando da marca de 1 bilhão de habitantes, o próprio presidente Mao se convenceu que algo deveria ser feito para evitar a continuidade de um crescimento demográfico exponencial. Desta forma, em 1971, foi lançada a política “Mais Tarde, Mais Tempo e em Menor Número” (em chinês: “Wan, Xi, Shao” e em inglês: “later, longer, fewer”) que incentivava casamentos mais tardios, intervalos mais longos entre os nascimentos e menos filhos por família.
A política “Wan, Xi, Shao” não tinha qualquer caráter autoritário e visava incentivar a regulação voluntária da fecundidade. Foi um sucesso e, em pouco tempo, o número anual de nascimentos se reduziu e os casais conseguiram atingir um número menor de filhos, conforme o novo ideal de tamanho de família. Entre 1970 e 1980, o número de nascimentos caiu de 31 milhões para 22 milhões e a taxa de fecundidade total (TFT) caiu de 6,1 filhos por mulher para 2,8 filhos por mulher.
Porém, no bojo das reformas implementadas por Deng Xiaoping em dezembro de 1978, foi instituída a “Política de filho único”, a iniciativa controlista mais draconiana da história da humanidade. Houve muito sofrimento e abusos na aplicação da política de filho único. Aumentou o desequilíbrio na razão de sexo da população chinesa, com dezenas de milhões de homens a mais do que mulheres em idade de casar.
O argumento do governo chinês era de que a diminuição do ritmo de crescimento populacional seria fundamental para o objetivo de erradicar a pobreza e promover o crescimento da renda per capita. Como resultado das medidas autoritárias, a TFT caiu para um nível abaixo da taxa de reposição (2,1 filhos por mulher) em 1991 e chegou a 1,67 filho por mulher em 2015. O número de nascimentos ficou em 17,5 milhões de bebês em 2015.
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Veja o que já enviamosPassado mais de 35 anos e com a eliminação do efeito da inércia demográfica, o governo chinês, finalmente, pôs fim à política de filho único em 2015. Inicialmente, foi permitido a todos os casais terem o segundo filho e, em 2018, foram eliminadas as restrições ao controle dos nascimentos.
Mas para a surpresa das autoridades chinesas, o fim da política de filho único, em 2015, não fez a TFT aumentar. Ao contrário, as taxas de fecundidade continuaram caindo e atingiram 1,03 filho por mulher em 2022, uma das taxas mais baixas do mundo na atualidade.
Como resultado de todas estas mudanças, a população chinesa atingiu o pico populacional em 2021, com 1,426 bilhão da habitantes, começou a decrescer em 2022 e perdeu o posto de nação mais populosa do mundo, pois foi ultrapassada pela Índia em 2023.
A China era um país pobre com uma renda per capita muito baixa durante toda a segunda metade do século XX. Entre 1950 e 2021, a população chinesa teve um acréscimo de 882 milhões de pessoas e se tornou uma nação de renda média. O gigante asiático conseguiu conter a “explosão” populacional e soube capitalizar os benefícios do 1º bônus demográfico.
Projeções sobre o decrescimento populacional
Mas os desafios do século XXI serão bem diferentes dos enfrentados anteriormente. Entre 2021 e 2100, a China deve se tornar um país de renda alta e deve perder 793 milhões de habitantes, chegando em 2100 com 633 milhões de habitantes, segundo a Divisão de População da ONU.
O gráfico abaixo mostra que, na atual década (2021-30), a China deve perder 28 milhões de habitantes, equivalente à população da Austrália. Entre 2031-40 a China a perda pode ficar em 55 milhões de habitantes, equivalente à população da Argentina. Entre 2041-50 a China deve perder 83 milhões de habitantes, equivalente à população da Alemanha. Entre 2051-60 a perda deve ser de 125 milhões de habitantes, equivalente à população do Japão.
Na década de 2061-70 a China deve perder 136 milhões de habitantes, equivalente à população da Rússia. Entre 2071-80 a China de ter uma redução de 128 milhões de habitantes, equivalente à população do México. De 2081-90 a perda deve ficar em 125 milhões de habitantes, equivalente à população da Etiópia. Na última década do século (2091-00) a China deve perder 112 milhões de habitantes, equivalente à população do Vietnã.
Ou seja, em 80 anos a China deve perder um número de habitantes equivalente à soma das populações atuais da Austrália, Argentina, Alemanha, Japão, Rússia, México, Etiópia e Vietnã. A perda será maior do que a soma de toda a população atual da América Latina e Caribe.

Enquanto grande parte da mídia tradicional propaga um cenário de crise demográfica sem precedentes, a China continua avançando com a renda per capita, mesmo após o decrescimento da força de trabalho e da população total, além de apresentar melhores indicadores ambientais.
O gráfico abaixo mostra que a percentagem da população em idade ativa (PIA) de 15-59 anos na China era de 65,3% no ano 2000, atingiu o pico de 69,2% em 2007 e deve ficar em 61,5% em 2030. Em termos absolutos a PIA (15-59 anos) era de 829 milhões de pessoas, chegou ao pico de 930 milhões de pessoas em 2011 e deve cair para 859 milhões de pessoas em 2030.
Portanto, a população chinesa já está diminuindo em termos relativo e absoluto, porém a renda per capita continua crescendo. Os dados do FMI mostram que a renda per capita chinesa, em preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp) era de US$ 4 mil em 2000, passou para US$ 11,4 mil em 2011, para US$ 23,8 mil em 2024 e deve alcançar US$ 30,4 mil em 2030. Portanto, o decrescimento populacional não gerou uma crise econômica e nem interrompeu o processo de avanço do bem-estar social na China.

De fato, a diminuição absoluta da população em idade ativa marca o fim do 1º bônus demográfico. Mas a China conta com o 2º bônus demográfico – bônus da produtividade – e o 3º bônus demográfico – bônus da longevidade e da geração prateada. Uma população menor produzindo mais com menos pessoas pode ser a base do progresso humano e da restauração ecológica.
Como a taxa de fecundidade está muito baixa atualmente, o governo chinês tem tomado várias medidas para que os casais tenham mais filhos. As políticas públicas conseguiram diminuir o número médio de filhos, mas estão encontrando dificuldades para alcançar os objetivos reversos.
Não se trata de voltar às taxas de fecundidade do passado e nem se trata de alcançar a taxa de reposição (que é de 2,1 filhos por mulher). As atuais políticas populacionais visam elevar a TFT de 1,03 filhos para algo como 1,5 filhos por mulher. Neste cenário, a população chinesa continuaria diminuindo e o envelhecimento populacional continuaria aumentando, mas em ritmo mais lento.
O demógrafo Wolfgang Lutz destaca o decrescimento populacional moderado pode ser uma oportunidade demográfica para promover o avanço social e ambiental. Em sua análise, ele traça um futuro otimista para os países que priorizarem a educação universal — especialmente a educação feminina:
“Mais investimentos em educação compensa em termos de maior bem-estar, e ainda mais quando combinado com níveis de fecundidade que levam ao declínio populacional a longo prazo em países individuais e, em última análise, em todo o mundo. Portanto, esta conclusão apoia o título do artigo, que afirma que o declínio da população global não é apenas provável, mas também irá beneficiar o bem-estar humano a longo prazo” (Lutz, 2023, p. 13).
Desta forma, o envelhecimento populacional, que será inexorável na China, não implica necessariamente em retrocesso nos indicadores sociais. O “Império do Meio” será um lugar melhor para se viver se o decrescimento populacional continuar sendo acompanhado do aumento da renda per capita e da redução da pegada ecológica e do déficit ambiental. Uma China com menor quantidade de pessoas, pode ser um lugar com maior qualidade de vida humana e ecológica.
O avanço tecnológico pode compensar a diminuição do número de trabalhadores. Por exemplo, a Inteligência Artificial (IA) – a despeito de seus efeitos potencialmente danosos se não houver uma decisiva regulamentação – pode contribuir para mitigar as tendências de declínio da população em idade produtiva, mesmo não substituindo completamente o trabalho humano. A IA pode ajudar a aumentar a produtividade, transformar setores e criar novas oportunidades, compensando, em parte, a escassez de mão de obra, podendo contribuir da seguinte forma:
- Aumento da produtividade
A IA pode automatizar tarefas repetitivas e rotineiras, liberando os trabalhadores humanos para focarem em tarefas mais complexas e de maior valor agregado. Isso é especialmente importante em setores como a manufatura, serviços financeiros, saúde e logística, onde a automação já está permitindo operações mais eficientes.
- Compensação em setores críticos
Nos cuidados de saúde e na assistência aos idosos, onde a demanda aumentará devido ao envelhecimento populacional, a IA pode desempenhar um papel crucial. Sistemas baseados em IA podem ajudar no diagnóstico precoce de doenças, monitoramento de pacientes e administração de medicamentos, reduzindo a carga sobre médicos, enfermeiros e cuidadores.
- Economia baseada em habilidades tecnológicas
Com a adoção de IA, muitos setores estão se transformando, exigindo novas habilidades. Isso pode compensar o decrescimento da força de trabalho em setores mais tradicionais, desde que as economias estejam preparadas para transições tecnológicas. A educação e a requalificação serão cruciais para permitir que as pessoas se adaptem a essas mudanças.
- Autonomia em infraestrutura e transportes
Sistemas autônomos, como veículos sem motorista e drones, podem reduzir a necessidade de trabalhadores em setores como transporte e logística. Essas inovações também podem ser aplicadas em infraestruturas inteligentes para melhorar a eficiência de cidades e indústrias, com menos necessidade de mão de obra direta.
- Melhoria da eficiência econômica
A IA pode ajudar a otimizar processos econômicos em várias escalas. Com a capacidade de analisar grandes volumes de dados e prever padrões, a IA pode identificar áreas de melhoria nas cadeias de suprimento, na alocação de recursos e no consumo de energia, aumentando a produtividade geral da economia.
- Automação de trabalhos intelectuais
Além dos trabalhos manuais, a IA também pode assumir tarefas que tradicionalmente requerem habilidades cognitivas, como análises financeiras, geração de conteúdo e tomada de decisões estratégicas, o que pode compensar a falta de profissionais em certos campos especializados.
Como disse Larry Fink, Chairman and CEO at BlackRock (2025): “Há uma preocupação de que a IA possa eliminar empregos. É uma preocupação válida. Mas em sociedades ricas e envelhecidas que enfrentam escassez inevitável de mão de obra, a IA pode ser menos uma ameaça do que uma tábua de salvação”.
Mesmo com o decrescimento da população em idade ativa e da população total, a China se tornou o país líder no comércio internacional e teve um saldo comercial de quase US$ 1 trilhão em 2024. A despeito do tarifaço tresloucado do presidente Donald Trump dos EUA, o saldo comercial chinês deve ultrapassar a marca de US$ 1 trilhão em 2025.
De acordo com o Instituto Australiano de Política Estratégica, os Estados Unidos lideravam a China em 60 das 64 tecnologias de ponta, como IA e criptografia, entre 2003 e 2007, enquanto a China liderou os Estados Unidos em apenas três. No relatório mais recente, abrangendo 2019 a 2023, as classificações foram invertidas. A China liderou em 57 das 64 tecnologias-chave, e os Estados Unidos mantiveram a liderança em apenas sete. Ou seja, a China busca a liderança tecnológica e não mais a força populacional, como chegou a verbalizar o presidente Mao Tsé-Tung, na década de 1960.
Como mostrei no artigo “Taxas de poupança e investimento da China são o triplo das registradas no Brasil”, publicado aqui no # Colabora (ALVES, 30/06/2025) a china continua mantendo altas taxas de poupança e investimento que permitem o avanço tecnológico e o aumento da produtividade, sem depender do crescimento populacional para transformar sua economia e sua influência no cenário internacional.
Em síntese, a queda da fecundidade e o consequente decrescimento populacional da China não significam, necessariamente, uma crise demográfica ou econômica. Ao contrário, a redução do número de habitantes, combinada ao avanço tecnológico e à transição energética, pode abrir caminho para uma nova fase de prosperidade social, econômica e ambiental no país.
Referências:
ALVES, JED. Taxas de poupança e investimento da China são o triplo das registradas no Brasil, # Colabora, 30/06/2025 https://projetocolabora.com.br/ods12/taxas-de-poupanca-e-investimento-da-china-sao-o-triplo-das-registradas-no-brasil/
Larry Fink. Larry Fink’s 2025 Annual Chairman’s Letter to Investors, 2025
https://www.blackrock.com/corporate/investor-relations/larry-fink-annual-chairmans-letter
LUTZ, Wolfgang. “Population decline will likely become a global trend and benefit long-term human
wellbeing.” Vienna Yearbook of Population Research 2023, pp. 1-15.
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José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.