Diversidade importa. E rende

Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que investiga todo mês o mercado de trabalho nas seis maiores regiões metropolitanas do país, mostra que o abismo ainda é maior para os negros. Mulheres pretas e pardas não ganham nem metade da renda dos homens brancos. Foto Luca Savettiere

Ranking relaciona pessoas e empresas que se destacam na luta contra a discriminação

Por Flávia Oliveira | ArtigoODS 1 • Publicada em 16 de dezembro de 2015 - 06:23 • Atualizada em 16 de dezembro de 2015 - 10:48

Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que investiga todo mês o mercado de trabalho nas seis maiores regiões metropolitanas do país, mostra que o abismo ainda é maior para os negros. Mulheres pretas e pardas não ganham nem metade da renda dos homens brancos. Foto Luca Savettiere
Pesquisa Mensal de Emprego (PME), feita nas seis maiores regiões metropolitanas do país, mostra que mulheres pretas e pardas não ganham nem metade da renda dos homens brancos
Pesquisa Mensal de Emprego (PME), feita nas seis maiores regiões metropolitanas do país, mostra que mulheres pretas e pardas não ganham nem metade da renda dos homens brancos

Se dúvida havia sobre a diversidade no mercado de trabalho ser uma das agendas prioritárias do novo século, ela desapareceu semanas atrás, quando a “The Economist” apresentou uma lista global dedicada ao tema. Espécie de bíblia do liberalismo econômico, a revista britânica indicou na Global Diversity List (GDL) meia centena de indivíduos e igual número de empresas, que se destacam por atuar contra a discriminação por gênero, cor da pele e orientação sexual no ambiente profissional. Não é de hoje que sociedade civil e organismos multilaterais se batem pela equidade no mundo corporativo. Novidade é a elaboração do ranking que identificou os atores mais inovadores e criativos do planeta na área. No texto de apresentação da lista, o executivo responsável, Mark Palmer-Edgecumbe, diz que a intenção é criar “modelos para os profissionais de amanhã”. Até aqui, não havia nenhum padrão universal para medir o desempenho de organizações na entrega de diversidade.  Agora, há. O compromisso é publicar o ranking todo ano.

A gente só vai ter o país que a gente quer, quando investirmos maciçamente em políticas públicas de acesso das mulheres ao mercado de trabalho, em particular, as pretas e pobres

O Brasil entrou na lista global de personalidades com um par de nomes, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Maria Aparecida da Silva Bento, fundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert). Integram o mesmo time que tem Barack Obama, presidente americano; Hillary Clinton, ex-secretária de Estado dos EUA; Dalai Lama; Bill Gates, fundador da Microsoft; Angelina Jolie, atriz; Malala Yousafzai, jovem ativista ganhadora do Nobel da Paz em 2014; e Christine Ammanpour, jornalista da CNN.

Não por acaso, os únicos brasileiros da lista são negros. Cida Bento, profissional de recursos humanos, deixou cargo executivo numa grande empresa para fundar, em 1990, o Ceert. O plano? Investigar, compreender e agir contra a dificuldade de acesso de mulheres (principalmente, as com filhos) e negros aos melhores postos de trabalho. “Meu foco sempre foi a inclusão. Não é sustentável que instituições mantenham segmentos inteiros apartados da sociedade em que estão inseridos”, conta Cida.

No exterior, as corporações influenciam até fornecedores. No Brasil, a atuação é tímida. Só encontramos política de diversidade racial em uma empresa

Em parceria com a Fundação Ford, a ONG vai publicar no início de 2016 estudo comparando ações de diversidades de 15 multinacionais americanas no país de origem e no Brasil. Nos EUA, é comum as companhias manterem, simultaneamente, programas de inclusão de gênero e raça, envolvendo negros e latinos. Aqui, há experiências para estimular a contratação de mulheres e de portadores de necessidades especiais – nesse caso, por imposição da lei federal que estabelece reserva de 2% a 5% das vagas. “No exterior, as corporações influenciam até fornecedores. No Brasil, a atuação é tímida. Só encontramos política de diversidade racial em uma empresa”, antecipa a ativista.

Em novembro, o Fórum Econômico Mundial apresentou relatório sobre desigualdade de gênero em 145 países. Desde 2006, informa, um bilhão de mulheres engrossaram a força de trabalho planetária. Os avanços ocorrem, mas em ritmo lento. Na velocidade atual, a equidade plena (em saúde, educação, oportunidades econômica e política) só será realidade daqui a 118 anos. No Brasil, em uma década, a distância salarial entre homens e mulheres variou quatro pontos percentuais. Saiu de 30% em 2004 para 26% no ano passado, informou o IBGE na recém-divulgada Síntese de Indicadores Sociais 2015. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que investiga todo mês o mercado de trabalho nas seis maiores regiões metropolitanas do país, mostra que o abismo ainda é maior para os negros. Mulheres pretas e pardas não ganham nem metade da renda dos homens brancos. Os negros estão distante dos melhores postos de trabalho, dos maiores salários, das relações mais seguras. Significa que são maioria nas vagas subalternas, na baixa remuneração e nas contratações sem carteira assinada. “A gente só vai ter o país que a gente quer, quando investirmos maciçamente em políticas públicas de acesso das mulheres ao mercado de trabalho, em particular, as pretas e pobres. A pobreza no Brasil tem cor e gênero”, dispara o deputado Jean Wyllys.

O parlamentar foi incluído na lista da “The Economist”, não só pela militância em prol dos LGBTs, mas pela ênfase na transversalidade da agenda da igualdade. É critica recorrente ao movimento social brasileiro o caráter fragmentado, em que cada nicho briga por interesses próprios, em vez de se empenharem nas causas comuns. “Agendas isoladas sofrem mais resistência. Por isso, é fundamental a articulação com todos os grupos. Mulheres trans, por exemplo, sofrem mais preconceito ainda se forem negras. Não há como ignorar o racismo”, sublinha.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) promove a igualdade de oportunidades e a eliminação de todas as formas de discriminação como condição para um modelo de crescimento econômico com menos pobreza e mais bem-estar social. “Gênero e raça são fatores muito importantes para determinar diferentes possibilidades de indivíduos terem acesso a um emprego e condições de trabalho, como remuneração, benefícios e proteção social”, ensino texto da entidade sobre o conceito de trabalho decente.

Diversidade no mundo corporativo é, portanto, socialmente justo. O que o ranking da “The Economist” sugere é que pode, igualmente, ser economicamente interessante. Cida Bento lembra de estudo da União Europeia sobre ganhos de corporações que ampliaram a diversidade no quadro de pessoal. De cara, a imagem da empresa com comunidade, clientes e fornecedores melhora. Isso pode significar fidelidade em consumo e boas oportunidades de negociação. “Ambientes com diversidade também são comprovadamente mais férteis em criatividade e inovação. Isso significa maior lucratividade”, resume.

Acolher os diferentes importa. E rende.

Flávia Oliveira

Flávia Oliveira é jornalista. Especializou-se na cobertura de economia e indicadores sociais. É colunista do jornal O Globo e comentarista no canal GloboNews. É membro do Conselho da Cidade do Rio de Janeiro.

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