Em meio à numerosa tribo esportiva que ocupará o Rio de Janeiro em agosto, só mesmo uma coincidência improvável poderá produzir o encontro dos cariocas Victor Penalber e Roberto (Beto) Lustosa Pitta. Mas suas trajetórias, ligadas aos Jogos do Rio, ensinam como pode ser pequena a diferença entre consolidar-se como atleta olímpico ou ficar pelo caminho.
Aos 26 anos, Penalber conta 22 de carreira, algo frequente no judô – começou no esporte aos 4 pelas mãos do pai, como fazem tantas famílias de classe média. Com 9 anos, sagrou-se campeão brasileiro, e a vocação se cristalizou. Em 2009, ao testemunhar a escolha do Rio como sede olímpica, mirou no sonho de lutar em casa.
[g1_quote author_name=”Victor Penalber” author_description=”Judoca brasileiro” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Quando o Rio foi escolhido sede dos Jogos, ainda era jovem, mas tinha alguma bagagem internacional, o que me dava esperanças de participar.
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Veja o que já enviamosTrês anos mais velho, Beto também começou criança no vôlei. A partir dos 9, jogou na quadra como seu primeiro ídolo, Giba, defendendo o Tijuca Tênis Clube, no bairro onde cresceu. Cinco anos mais tarde, aceitou um convite e migrou para a praia. Fazia dupla com Lipe e ocupava o sexto lugar do ranking brasileiro, quando surgiu a notícia que sacudiu o esporte nacional: as Olimpíadas de 2016 seriam no Rio. “Para mim, um carioca que defendo a cidade acima de tudo, foi uma felicidade incrível”, relembra.
Em sua trajetória, Penalber inspirou-se em ídolos de um esporte profícuo neles. Primeiro, no japonês Toshihi Koga, campeão olímpico em Barcelona/1992, vice em Atlanta/1996 e inventor do golpe seoi-nage. “Uso até hoje”, conta o judoca, admirador também de compatriotas como Tiago Camilo (prata em Sydney/2000 e bronze em Pequim/2008), seu companheiro na equipe que lutará no Rio. “Colo nele, pergunto como é estar nas Olimpíadas. A experiência é fundamental”, acrescenta Penalber, que até tem alguma – na luta mais pesada, em busca das condições para se manter no esporte. No início, os pais pagavam as viagens, até 2008, quando ele entrou para a equipe da Gama Filho, que, como aconteceria com a universidade, acabou logo depois. “Quando o Rio foi escolhido sede dos Jogos, ainda era jovem, mas tinha alguma bagagem internacional, o que me dava esperanças de participar”, relembra.
O “paitrocínio” serviu de pontapé inicial para a carreira de Beto Pitta. Na verdade, o pai dele conseguiu a parceria da empresa onde trabalhava para bancar as viagens dos circuitos brasileiro, sul-americano e mundial. A fase mais confortável surgiu justamente em 2009, com a criação do Programa Atletas de Alto Rendimento, do Exército. “Nunca tive ligação com as Forças Armadas, mas foi ótimo, porque tive a estrutura necessária para me preparar, e ainda participei de competições de alto nível, como os Jogos Mundiais Militares de 2011”, relata.
Os esportes de Penalber e de Beto estão entre os mais profícuos em resultados olímpicos. O vôlei, na quadra e na praia, lidera o ranking nacional, com 20 medalhas, uma saga iniciada pela prata da equipe masculina, de Bernard, Xandó, William e Renan, em Los Angeles/1984. Do esporte veio o primeiro ouro por equipe, conquistado pelos homens em Barcelona/1992; e as primeiras campeãs olímpicas do país, Jaqueline e Sandra, na praia, em Atlanta/1996.
O judô está em quarto (atrás também de vela e atletismo), com 19 medalhas, a primeira delas, de bronze, conquistada pelo japonês naturalizado Chiaki Ishii em Munique/1972. A estreia no alto do pódio se deu com Aurélio Miguel em Seul/1988. O esporte talvez seja o único, além do futebol, que conta com alguma massificação espontânea, pelo hábito dos pais, em especial da classe média, de matricular os filhos em cursos da luta.
No investimento para formação de atletas e no alto rendimento, judô e vôlei também andam lado a lado. O esporte dos quimonos e do tatame conta com um conjunto vigoroso de patrocinadores – Bradesco, Petrobras, Infraero, Cielo, Scania, Mizuno – e de 2013 a 2015, recebeu R$ 13.022.924,00 do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), via Lei Agnelo/Piva (regulamentação criada em 2011 que destina 2% da arrecadação bruta de todas as loterias federais ao esporte olímpico e paralímpico).
Para quadra e praia, o vôlei conta com o Banco do Brasil como patrocinador oficial, além de Olympikus, Gol, Mikasa, Gatorade e Nívea. Nos últimos três anos, ainda teve R$ 9.927.578 de receita da Agnelo/Piva. O investimento tem, entre os resultados, o Centro de Desenvolvimento de Voleibol, em Saquarema na Região dos Lagos fluminense, que atende as duas modalidades; e o VivaVôlei, programa de iniciação voltado para crianças de 7 a 14 anos.
O COB contabiliza em R$ 700 milhões o investimento em todas as confederações olímpicas, do fim dos Jogos de Londres/2012 até as competições no Rio. Está longe de resolver todas as carências. Menos de um ano depois das Olimpíadas inglesas, Arthur Zanetti, ganhador da primeira medalha de ouro do Brasil na ginástica artística, ameaçou passar a competir por outros países, diante das condições miseráveis em que treinava.
O campeão olímpico tinha de dividir equipamentos ultrapassados, a léguas do padrão internacional, com crianças, num ginásio em São Caetano (SP). Não havia sequer vestiário e o descanso era no mesmo colchão dos treinamentos. “Já botei na minha cabeça que se surgir uma oportunidade legal, não só para mim, mas para o grupo de profissionais que vão me ajudar, eu pensaria, sim, em competir por outro país”, avisou o ginasta, em entrevista ao “Esporte Espetacular”, da TV Globo, especulando sobre uma possibilidade existente no esporte olímpico – a troca de nacionalidade esportiva.
Com a óbvia repercussão negativa, o COB providenciou aparelhagem mais nova, às pressas. O campeão nas argolas nos Jogos de 2012 ficou definitivamente satisfeito em 2014, quando uma parceria com a Rexona levou ao centro de treinamento equipamentos de última geração, no valor de R$ 300 mil. “É uma vitória de todos. Porque eles falam que eu sou o porta-voz, mas sou o porta-voz pelo trabalho de uma equipe. Tanto fisioterapeuta, técnico, psicóloga, familiares e amigos de treinos. Posso dizer que essa conquista que tive é de todos”, festejou Zanetti, favorito ao bicampeonato olímpico.
[g1_quote author_name=”Beto Pitta” author_description=”Ex-jogador de vôlei do Brasil” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Estarei torcendo pelos amigos, um sentimento diferente. Temos boas chances de ouro, ainda que hoje o esporte esteja mais equilibrado.
[/g1_quote]É mesmo cheio de perigos o longo caminho até o olimpo do maior encontro esportivo da Terra. Victor Penalber tropeçou feio em 2008, ao ser apanhado no exame antidoping, que deu positivo para o diurético furosemida. Chegou a pensar que sua carreira terminaria ali. “Achei que era o fim do mundo, que tudo tinha ido embora”, relata o judoca. Suspenso por dois anos, passou a treinar com a irmã, faixa preta na modalidade, e com amigos. “Serviu de prova do meu amor pelo judô. Consegui me manter pela alegria de estar no tatame, onde fico bem comigo mesmo. Foi um período de amadurecimento, quando realmente virei adulto. Mas não desejo a experiência para ninguém”.
Beto Pitta encarou inimigo diferente: os limites do corpo. Em 2014, começou a ter lesões repetidas na região lombar, além de uma forte tendinite no joelho. Sua rotina passou a incluir sessões crescentemente frequentes de fisioterapia. Surgiu então a oportunidade de trabalhar na Copa do Mundo do Brasil, abrindo a porta do mundo da organização de eventos esportivos, a possibilidade de continuar no mundo das quadras. “Com as contusões, passei a ter resultados ruins e comecei a pensar em parar. Acabou sendo simples, não ficou frustração”, garante ele, que viveu o epílogo como jogador num torneio em Ribeirão Preto (SP). Na entrevista para um trabalho, pediu para ir a esta última competição. “Desde que você ganhe”, ouviu como resposta. “Fui lá e ganhei”.
Beto estará nos Jogos do Rio, na área de protocolo funcional, cuidando da família olímpica (dirigentes, atletas, treinadores etc), na instalação do vôlei de praia, em Copacabana, com sua tribo. “Estarei torcendo pelos amigos, um sentimento diferente. Temos boas chances de ouro, ainda que hoje o esporte esteja mais equilibrado”, prevê o ex-jogador.
As lutas de Victor Penalber acontecerão em outra região da cidade, na Arena Carioca 2, no Parque Olímpico, na divisa entre a Barra e Jacarepaguá. “Pertinho da minha casa, é quase como se o tatame estivesse no meu quarto”, brinca. Destaque da categoria até 81 quilos, viverá o auge da sua carreira a partir do dia 6 a 12 de agosto. De preferência, com uma medalha no fim da história, prêmio supremo para quem entrega a vida ao esporte.