Tudo indica que o novo presidente da França será Emmanuel Macron. Mais votado nas eleições de domingo, ele recomeça a campanha com 25 pontos de vantagem sobre a adversária na preferência do voto dos eleitores. Ao discursar logo depois da vitória, vangloriou-se de ter mudado a cara da política francesa em apenas um ano, o tempo de vida do seu partido, En Marche. “Bravo, presidente”, gritavam seus eleitores, felizes por terem apostado numa cara nova e derrotado os partidos tradicionais que há 59 anos alternavam-se no poder.
[g1_quote author_name=”Christopher Hayes” author_description=”Escritor e comentarista do canal MSNBC.” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Não quero um futuro em que a política seja um embate entre o capitalismo financeiro cosmopolita e o etno-nacionalismo retrógrado
[/g1_quote]Ufa, Marine Le Pen perdeu, reagiu com imenso alívio a maioria dos franceses, porque a candidata do Front Nacional não foi a mais votada, como ela esperava e o mundo temia. Com isso, é grande a chance de a França interromper a assustadora série de vitórias do populismo/nacionalismo que levaram ao Brexit e à eleição de Donald Trump.
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Veja o que já enviamosEsta é a narrativa otimista. O retrato da França desenhado nesta eleição está longe de ser uma vitória do bem contra o mal. “Não quero um futuro em que a política seja um embate entre o capitalismo financeiro cosmopolita e o etno-nacionalismo retrógrado”, sintetizou num twitter Christopher Hayes, escritor, jornalista e comentarista político do canal de notícias MSNBC.
Este é o duelo travado à margem dos slogans dos candidatos. Ambos consideram acabada a oposição clássica entre esquerda e direita, dominante no sistema político francês desde o fim da Segunda Guerra. Para Macron, a nova luta é entre conservadores e progressistas; para Marine Le Pen, o combate é dos patriotas contra os “europeístas”. Nos palanques, estará em debate o social-liberalismo de Macron contra o nacionalismo de Le Pen, a globalização contra o protecionismo, a Europa Unida contra a França Fortaleza.
As pesquisas dão como vitorioso o capitalismo financeiro representado por Macron, ex- executivo do Banco Rothschild, queridinho do mercado financeiro e das grandes empresas – financiadores generosos de sua campanha – defensor de política semelhante à dos últimos governos, que levou ao aumento da desigualdade e ao desemprego recorde. A escolha do voto em Macron é pelo mal menor e, claro, será ele o candidato em quem votarão a direita republicana e a esquerda de todas as cores para barrar o Front Nacional, movimento ainda intimamente ligado à história do neofascismo, da intolerância racial e à apologia do Holocausto.
Mas o acaso sempre pode provocar uma surpresa: a direita que votou em François Fillon, candidato dos Republicanos, acusa a justiça e a mídia de persegui-lo com denúncias de corrupção e parte dela não vai votar em Macron como pediu o ex-rival.
“E se o debate vira para um confronto entre povo e elite?” pergunta-se o editorialista do Libération, Jules Jofrin. Aí mora o perigo. É como a candidata do povo contra a arrogância das elites que Marine Le Pen reafirmou-se logo após se cacifar para o segundo turno. Ela sai mais forte do que nunca das urnas: com os 7,7 milhões de votos recebidos, pela primeira é escolhida por mais de 20% dos eleitores numa corrida presidencial, consolidando a melhor performance do Front Nacional nos seus 33 anos de história e cravando uma vitória importante para a extrema-direita. Se as pesquisas de boca de urna estiverem certas, ela recebeu 900 mil votos a mais do que os 6,8 milhões conseguidos no segundo turno das eleições regionais de 2015.
[g1_quote author_name=”Paul” author_description=”Eleitor francês” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Estas histórias de nazismo do Front Nacional são para desacreditar o partido, quando a gente é gay entende como isso acontece. Ter trabalho me preocupa mais do que poder me casar
[/g1_quote]E o pior. Pela segunda vez, o Front Nacional chega ao segundo turno da eleição francesa e, agora, já não causa a repulsa criada há quinze anos com a classificação em 2002 de Jean Marie Le Pen – um fascista sem disfarce – para disputar a Presidência com Jacques Chirac, candidato da direita do então UMP – rebatizado de “Os Republicanos. Como sabemos, venceu Chirac, com 82% dos votos, apoiado por socialistas, muitos indo votar com um pregador no nariz.
“Faço parte dos traumatizados de 2002. Estudava fora e só fui fazer uma procuração para votar no segundo turno, carregando uma culpa pesada nos ombros”, relembra Julie Godefroy, então uma universitária.
Coisas do passado. Marine Le Pen virou o novo normal. De pária político, o Front Nacional progressivamente passou a fazer parte da vida francesa, participou dos debates presidenciais como um partido igual a todos os outros. Rompeu barreiras impensáveis. Despertou a paixão de parte dos millenials com seu discurso nacionalista, de fechamento das fronteiras e saída do euro, criminalização dos muçulmanos como terroristas, a fórmula populista de Le Pen para devolver ao país as glórias do passado e os empregos aos 25% dos jovens sem trabalho. Cerca de 40%, segundo as pesquisas, votariam no Front Nacional, uma indicação de que o partido tem um futuro longo.
Outro sinal da normalização da extrema-direita é o apoio dos gays a Marine Le Pen. Eles não seriam mais um grupo de resistência ao Front Nacional, apesar de os militantes do partido terem ido às ruas contra o “marriage pour tous” – casamento para todos – o slogan da campanha pela legalização do casamento gay, lei votada na França em 2013. Ainda falta confirmar, mas as pesquisas indicavam que 23% deles votariam com a extrema-direita, esquecidos também da ligação histórica do partido com o nazismo e das imagens dos gays levados aos campos de concentração com a estrela no peito do uniforme para indicar a opção sexual. No discurso da candidata, os muçulmanos são homofóbicos e, portanto, o voto correto seria no Front Nacional.
“Estas histórias de nazismo do FN são para desacreditar o partido, quando a gente é gay entende como isso acontece. Ter trabalho me preocupa mais do que poder me casar”, disse Paul, um dos que entrevistados para a pesquisa do Cevipof feita em fins de março.
Histórias como essa comprovam o sucesso de Le Pen em acabar com a demonização do partido. Há dois anos sabia-se que Le Pen estaria no segundo turno e nada impediu a profecia de se concretizar. “Mas é fundamental que a banalização desse resultado não relativize a gravidade da ferida infligida à Nação”, alerta o Le Monde.