ODS 1
Notas musicais que formam cidadãos

Escola de Música e Cidadania


Ensinar teoria musical não é muito diferente do processo de alfabetização. Num caso, aprende-se as letras do alfabeto, as palavras, as sílabas, as frases… até que a criança consiga se expressar de maneira própria. No outro, o aprendizado começa por conhecer notas, identificar os compassos na partitura, a melodia, a harmonia enfim, a música. Mas como cada menino e menina vai usar esse conhecimento? Tanto faz. O importante é que eles se tornarão indivíduos mais ricos e criativos.
Desenvolver habilidades e aumentar a autoestima de moradores de bairros pobres é a missão da Escola de Música e Cidadania, que começou na comunidade Beira Rio, em Vargem Grande, e hoje existe em mais 12 locais da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O projeto é da ONG Agência do Bem, que atua em 33 comunidades e já trabalhou em conjunto com 400 organizações, com o apoio do Megamatte.
Ao todo, cerca de mil crianças e jovens têm aulas de coral e aprendem a tocar instrumentos, como violino, flauta, percussão, clarineta e cello, além de teoria musical, o que significa ler uma partitura.
“A ONG nasceu formalmente em 2005, a partir da atuação social espontânea de um grupo de amigos da Zona Oeste do Rio”, lembra Alan Maia, um dos fundadores e atual presidente da Agência do Bem. “Primeiro, fizemos um censo comunitário na Beira Rio. Identificamos a falta de atividade culturais para a juventude. No ano seguinte, surgiu a Escola de Música e Cidadania”.
A Agência do Bem se tornou uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e tem hoje muitos outros projetos, em áreas como educação, defesa de direitos e cultura, que alcançam 33 comunidades. “Criamos a Rede de Organizações do Bem, por meio da qual ajudamos a capacitar líderes locais, fazemos parcerias com outras organizações e lançamos editais de fomento de microprojetos”, conta Alan.

Os alunos que mais se destacam são convocados para fazer parte da Nova Sinfonia, uma orquestra de verdade, com maestro e tudo, que reúne 42 músicos. No repertório, Bach, Villa-Lobos, Tom Jobim e até Michael Jackson. O grupo se apresenta regularmente no Teatro dos Grandes Atores, na Barra da Tijuca, mas já fez concertos na Cidade das Artes, Cristo Redentor, Copacabana Palace e até no L’Olympia, em Paris. Eles ganham uniforme de gala para subir ao palco e bolsa auxílio.
[g1_quote author_name=”Vitória Donola” author_description=”aluna do projeto” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Quero fazer faculdade de música e entrar para uma orquestra
[/g1_quote]Jônatas Costa, de 18 anos, morador da comunidade Beira Rio, começou no projeto em 2013 por incentivo da mãe, assim como grande parte dos alunos, e hoje toca cello na orquestra. “Sou ansioso e os ensaios me ajudam a perder a vergonha. Não penso em tocar em orquestra no futuro, mas quero ser músico profissional, sim”, afirma.
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Veja o que já enviamosAmiga do adolescente, Vitória Donola, de 20 anos, está no projeto há 10 anos e, entre os funcionários da ONG, a brincadeira é que a jovem praticamente fundou a Escola de Música e Cidadania. “Já dei aulas particulares de violino e montei uma banda para tocar em casamentos”, diz Vitória, comprovando que, além do aspecto lúdico, a iniciativa gera oportunidades de trabalho. “Quero fazer faculdade de música e entrar para uma orquestra”, acrescenta a jovem.
A Escola de Música e Cidadania surgiu após a Agência do Bem receber doação de R$ 4 mil reais, usados para adquirir 10 violinos. À época, a instituição contratou um professor, por um período de seis meses, e começou a oferecer aulas gratuitas. A primeira tinha 20 crianças, todas elas da comunidade Beira Rio. O projeto foi ganhando envergadura, mais verbas, as turmas foram crescendo, assim como o naipe de instrumentos musicais.
[g1_quote author_name=”Renato Mota” author_description=”professor ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O processo se parece com a alfabetização. É um conhecimento válido, uma nova cultura e linguagem, ensina os alunos a gostarem de música. Uma de nossas melhoras alunas, por exemplo, quer estudar biomedicina. Muitos querem ser atores e as aulas ajudam
[/g1_quote]Em 2014, a Agência do Bem criou a Rede Música e Cidadania, expandindo sua metodologia para outras comunidades. “A ONG tem dois polos, em Vargem Grande e Cidade de Deus. Mas atuamos em parceria com instituições locais na implementação e custeio das escolas”, explica Maia.
O professor de teoria musical das turmas, Renato Mota, diz que a formação auxilia não apenas quem deseja seguir carreira musical: “O processo se parece com a alfabetização. É um conhecimento válido, uma nova cultura e linguagem, ensina os alunos a gostarem de música. Uma de nossas melhoras alunas, por exemplo, quer estudar biomedicina. Muitos querem ser atores e as aulas ajudam”.
Como o próprio nome revela, a Escola de Música e Cidadania vai além de um projeto de iniciação musical. Um dos objetivos é ajudar a formar cidadãos mais participativos e conscientes. Por isso, uma vez por semana, os alunos participam de uma oficina criativa com o professor de arte e literatura Diogo Borges.
A cada semestre, um tema é trabalhado. Atualmente, os alunos estão discutindo “resistência social”. Com forte discurso político e pitadas de poesia, misturando Paulo Freire e Manoel de Barros, Borges explica que seu objetivo nessas aulas é passar noções de direitos, deveres e vida em sociedade. Para isso, lança mão de colagens, pinturas, cartografia e autoretratos.
“As crianças são estimuladas a discutir quem são, de onde vieram, saber suas origens e seu papel no mundo. Uma menina negra, por exemplo, se retratou como branca. Também os estimulamos a entender o outro e o por que de estarmos juntos. Com isso, se conhecem melhor e podem definir o que eles querem”, esclarece o professor.
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Denis Kuck
Denis Kuck é jornalista desde criança, quando acompanhava o pai repórter nas sessões da CPI do PC, em Brasília. Anos depois, formou-se pela UFRJ, foi assistente do escritor Fernando Morais e trabalhou nas redações do Ciência Hoje, O Globo, Agência EFE e do irreverente Perú Molhado, de Búzios. Recentemente, no Comitê Rio 2016, foi editor/repórter do jornal distribuído dentro da Vila Olímpica, o Village Life. Atualmente, é freelancer e editor do Notícias em Português, publicação de Londres.