Notas musicais que formam cidadãos

Orquestra Nova Sintonia. Foto de Divulgacao

Escola de Música e Cidadania

Por Denis Kuck | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 10 de julho de 2017 - 11:09 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:17

Orquestra Nova Sintonia. Foto de Divulgacao
Orquestra Nova Sintonia. Foto de Divulgacao
A Orquestra Nova Sinfonia se apresenta regularmente no Teatro dos Grandes Atores, na Barra, mas já fez concertos também no L´Olympia, em Paris. Foto de Divulgação

Ensinar teoria musical não é muito diferente do processo de alfabetização. Num caso, aprende-se as letras do alfabeto, as palavras, as sílabas, as frases… até que a criança consiga se expressar de maneira própria. No outro, o aprendizado começa por conhecer notas, identificar os compassos na partitura, a melodia, a harmonia enfim, a música. Mas como cada menino e menina vai usar esse conhecimento? Tanto faz. O importante é que eles se tornarão indivíduos mais ricos e criativos.

Desenvolver habilidades e aumentar a autoestima de moradores de bairros pobres é a missão da Escola de Música e Cidadania, que começou na comunidade Beira Rio, em Vargem Grande, e hoje existe em mais 12 locais da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O projeto é da ONG Agência do Bem, que atua em 33 comunidades e já trabalhou em conjunto com 400 organizações, com o apoio do Megamatte.

Ao todo,  cerca de mil crianças e jovens têm aulas de coral e aprendem a tocar instrumentos, como violino, flauta, percussão, clarineta e cello, além de teoria musical, o que significa ler uma partitura.

“A ONG nasceu formalmente em 2005, a partir da atuação social espontânea de um grupo de amigos da Zona Oeste do Rio”, lembra Alan Maia, um dos fundadores e atual presidente da Agência do Bem. “Primeiro, fizemos um censo comunitário na Beira Rio. Identificamos a falta de atividade culturais para a juventude. No ano seguinte, surgiu a Escola de Música e Cidadania”.

A Agência do Bem se tornou uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e tem hoje muitos outros projetos, em áreas como educação, defesa de direitos e cultura, que alcançam 33 comunidades.  “Criamos a Rede de Organizações do Bem, por meio da qual ajudamos a capacitar líderes locais, fazemos parcerias com outras organizações e lançamos editais de fomento de microprojetos”, conta Alan.

Alunos da Escola de Música e Cidadania: o repertório vai do clássico ao popular. Foto de Divulgação

Os alunos que mais se destacam são convocados para fazer parte da Nova Sinfonia, uma orquestra de verdade, com maestro e tudo, que reúne 42 músicos. No repertório, Bach, Villa-Lobos, Tom Jobim e até Michael Jackson. O grupo se apresenta regularmente no Teatro dos Grandes Atores, na Barra da Tijuca, mas já fez concertos na Cidade das Artes, Cristo Redentor, Copacabana Palace e até no L’Olympia, em Paris. Eles ganham uniforme de gala para subir ao palco e bolsa auxílio.

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Quero fazer faculdade de música e entrar para uma orquestra

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Jônatas Costa, de 18 anos, morador da comunidade Beira Rio,  começou no projeto em 2013 por incentivo da mãe, assim como grande parte dos alunos, e hoje toca cello na orquestra. “Sou ansioso e os ensaios me ajudam a perder a vergonha. Não penso em tocar em orquestra no futuro, mas quero ser músico profissional, sim”, afirma.

Amiga do adolescente, Vitória Donola, de 20 anos, está no projeto há 10 anos e, entre os funcionários da ONG, a brincadeira é que a jovem praticamente fundou a Escola de Música e Cidadania. “Já dei aulas particulares de violino e montei uma banda para tocar em casamentos”, diz Vitória, comprovando que, além do aspecto lúdico, a iniciativa gera oportunidades de trabalho. “Quero fazer faculdade de música e entrar para uma orquestra”, acrescenta a jovem.

A Escola de Música e Cidadania surgiu após a Agência do Bem receber doação de R$ 4 mil reais, usados para adquirir 10 violinos. À época, a instituição contratou um professor, por um período de seis meses, e começou a oferecer aulas gratuitas. A primeira tinha 20 crianças, todas elas da comunidade Beira Rio. O projeto foi ganhando envergadura, mais verbas, as turmas foram crescendo, assim como o naipe de instrumentos musicais.

[g1_quote author_name=”Renato Mota” author_description=”professor ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

O processo se parece com a alfabetização. É um conhecimento válido, uma nova cultura e linguagem, ensina os alunos a gostarem de música. Uma de nossas melhoras alunas, por exemplo, quer estudar biomedicina. Muitos querem ser atores e as aulas ajudam

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Em 2014, a Agência do Bem criou a Rede Música e Cidadania, expandindo sua metodologia para outras comunidades. “A ONG tem dois polos, em Vargem Grande e Cidade de Deus. Mas atuamos em parceria com instituições locais na implementação e custeio das escolas”, explica Maia.

O professor de teoria musical das turmas, Renato Mota, diz que a formação auxilia não apenas quem deseja seguir carreira musical: “O processo se parece com a alfabetização. É um conhecimento válido, uma nova cultura e linguagem, ensina os alunos a gostarem de música. Uma de nossas melhoras alunas, por exemplo, quer estudar biomedicina. Muitos querem ser atores e as aulas ajudam”.

Como o próprio nome revela, a Escola de Música e Cidadania vai além de um projeto de iniciação musical. Um dos objetivos é ajudar a formar cidadãos mais participativos e conscientes. Por isso, uma vez por semana, os alunos participam de uma oficina criativa com o professor de arte e literatura Diogo Borges.

A cada semestre, um tema é trabalhado. Atualmente, os alunos estão discutindo “resistência social”. Com forte discurso político e pitadas de poesia, misturando Paulo Freire e Manoel de Barros, Borges explica que seu objetivo nessas aulas é passar noções de direitos, deveres e vida em sociedade. Para isso, lança mão de colagens, pinturas, cartografia e autoretratos.

“As crianças são estimuladas a discutir quem são, de onde vieram, saber suas origens e seu papel no mundo. Uma menina negra, por exemplo, se retratou como branca. Também os estimulamos a entender o outro e o por que de estarmos juntos. Com isso, se conhecem melhor e podem definir o que eles querem”, esclarece o professor.

Denis Kuck

Denis Kuck é jornalista desde criança, quando acompanhava o pai repórter nas sessões da CPI do PC, em Brasília. Anos depois, formou-se pela UFRJ, foi assistente do escritor Fernando Morais e trabalhou nas redações do Ciência Hoje, O Globo, Agência EFE e do irreverente Perú Molhado, de Búzios. Recentemente, no Comitê Rio 2016, foi editor/repórter do jornal distribuído dentro da Vila Olímpica, o Village Life. Atualmente, é freelancer e editor do Notícias em Português, publicação de Londres.

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