Manterrupting: aplicativo conta quantas vezes mulher é interrompida por homem

Profile of young woman with dreadlocks, finger to mouth. Foto de Russ Rohde/ Cultura Creative/ AFP

Aplicativo 'Woman Interrupted' contabiliza prática machista que evidencia a desigualdade de gênero no mercado de trabalho.

Por Liana Melo | ODS 1 • Publicada em 7 de março de 2018 - 08:00 • Atualizada em 23 de março de 2022 - 14:46

Profile of young woman with dreadlocks, finger to mouth. Foto de Russ Rohde/ Cultura Creative/ AFP

É praticamente impossível para uma mulher concluir seu pensamento. A narrativa feminina costuma ser interrompida incontáveis vezes em situações cotidianas, seja em uma conversa informal, seja em uma reunião de trabalho. O autor é invariavelmente um homem. Considerado um comportamento machista, o fenômeno passou a ser estudado e foi batizado de manterrupting, uma palavra criada a partir da junção de man (homem, em inglês) com interrupting (interrupção no mesmo idioma). A primeira vez que o termo surgiu foi num artigo do The New York Times, intitulado “Speaking while Female” (falando enquanto mulher, na tradução literal), publicado em 2015. No ano passado, o candidato republicano Donald Trump virou a melhor tradução da prática sexista quando, durante a campanha eleitoral americana, interrompeu 51 vezes sua adversária Hillary Clinton.

Lancamento do aplicativo Woman Interrupted na Times Square, em Nova Iorque. Foto de Divulgacao
Lançamento do aplicativo em Nova Iorque. Foto de Divulgação

Inspirada na discussão proposta pelo jornalão americano e a prática pouco educada de Trump, a agência de publicidade BETC/ Havas idealizou um aplicativo, com download gratuito,  que contabiliza quantas vezes um homem interrompe a fala feminina. O Woman Interrupted  pode ser usado em qualquer situação e em qualquer ambiente, mas o principal objetivo é dimensionar o tamanho da desigualdade de gênero no ambiente de trabalho. “Pode parecer um problema pequeno, mas ele reflete questões profundas da falta de equidade e mostra quanto essa interrupção é real e alarmante”, comenta Camila Nakagawa, diretora da BETC, se perguntando “afinal, do que adianta ter mais mulheres em uma sala de reunião se ninguém escuta o que elas têm a dizer?”.

O Woman Interrupted faz análises em tempo real e transforma as interrupções em dados. O aplicativo, que está nas versões em inglês, francês e espanhol, já foi baixado por mulheres de 116 países, segundo levantamento feito pela própria agência.

Camila participou, ontem, do 1º Fórum Princípios de Empoderamento das Mulheres no Rio de Janeiro, uma iniciativa da ONU Mulheres, Rede Brasil do Pacto Global da ONU e a White Martins. O objetivo foi discutir o papel e a relevância do setor privado na participação e representação das mulheres nas esferas econômica, política e social. É que a desigualdade de gênero não é apenas uma questão moral e social, ela é, sobretudo, um desafio econômico.

Uma pesquisa da McKinsey Global Institute (MGI) concluiu que se as mulheres tivessem o mesmo papel dos homens no mercado de trabalho, seriam gerados, até 2025, lucros de US$ 12 trilhões na economia global. Só que apenas 50% das mulheres estão representadas na força de trabalho global, comparado com 76% dos homens. Elas também ganham menos do que os homens, mesmo quando realizam o mesmo tipo de serviço. “O mundo só perde por não ter igualdade de gênero”, alerta Vanessa Tarantini, da Rede Brasil do Pacto Global.

No Dia Internacional da Mulher, a ONU lançou o documento “Mulheres no Mundo de Trabalho em Mudança: Planeta 50-50 até 2030”. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, lamentou, naquela oportunidade, que “a economia baseada no gênero se aprofunde, graças a atitudes ultrapassadas e ao machismo”. O Manterrupting, por exemplo, é uma dessas práticas veladas, e machistas, denunciadas por Guterres, que permeia nosso cotidiano e, o pior, está naturalizada.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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