É praticamente impossível para uma mulher concluir seu pensamento. A narrativa feminina costuma ser interrompida incontáveis vezes em situações cotidianas, seja em uma conversa informal, seja em uma reunião de trabalho. O autor é invariavelmente um homem. Considerado um comportamento machista, o fenômeno passou a ser estudado e foi batizado de manterrupting, uma palavra criada a partir da junção de man (homem, em inglês) com interrupting (interrupção no mesmo idioma). A primeira vez que o termo surgiu foi num artigo do The New York Times, intitulado “Speaking while Female” (falando enquanto mulher, na tradução literal), publicado em 2015. No ano passado, o candidato republicano Donald Trump virou a melhor tradução da prática sexista quando, durante a campanha eleitoral americana, interrompeu 51 vezes sua adversária Hillary Clinton.
Inspirada na discussão proposta pelo jornalão americano e a prática pouco educada de Trump, a agência de publicidade BETC/ Havas idealizou um aplicativo, com download gratuito, que contabiliza quantas vezes um homem interrompe a fala feminina. O Woman Interrupted pode ser usado em qualquer situação e em qualquer ambiente, mas o principal objetivo é dimensionar o tamanho da desigualdade de gênero no ambiente de trabalho. “Pode parecer um problema pequeno, mas ele reflete questões profundas da falta de equidade e mostra quanto essa interrupção é real e alarmante”, comenta Camila Nakagawa, diretora da BETC, se perguntando “afinal, do que adianta ter mais mulheres em uma sala de reunião se ninguém escuta o que elas têm a dizer?”.
O Woman Interrupted faz análises em tempo real e transforma as interrupções em dados. O aplicativo, que está nas versões em inglês, francês e espanhol, já foi baixado por mulheres de 116 países, segundo levantamento feito pela própria agência.
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Veja o que já enviamosCamila participou, ontem, do 1º Fórum Princípios de Empoderamento das Mulheres no Rio de Janeiro, uma iniciativa da ONU Mulheres, Rede Brasil do Pacto Global da ONU e a White Martins. O objetivo foi discutir o papel e a relevância do setor privado na participação e representação das mulheres nas esferas econômica, política e social. É que a desigualdade de gênero não é apenas uma questão moral e social, ela é, sobretudo, um desafio econômico.
Uma pesquisa da McKinsey Global Institute (MGI) concluiu que se as mulheres tivessem o mesmo papel dos homens no mercado de trabalho, seriam gerados, até 2025, lucros de US$ 12 trilhões na economia global. Só que apenas 50% das mulheres estão representadas na força de trabalho global, comparado com 76% dos homens. Elas também ganham menos do que os homens, mesmo quando realizam o mesmo tipo de serviço. “O mundo só perde por não ter igualdade de gênero”, alerta Vanessa Tarantini, da Rede Brasil do Pacto Global.
No Dia Internacional da Mulher, a ONU lançou o documento “Mulheres no Mundo de Trabalho em Mudança: Planeta 50-50 até 2030”. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, lamentou, naquela oportunidade, que “a economia baseada no gênero se aprofunde, graças a atitudes ultrapassadas e ao machismo”. O Manterrupting, por exemplo, é uma dessas práticas veladas, e machistas, denunciadas por Guterres, que permeia nosso cotidiano e, o pior, está naturalizada.