Esporte financiado

Neste momento, o Ministério dos Esportes tenta decidir se capoeira é ou não um esporte. Foto de Yasuyoshi Chiba

Lei ajuda a formar pilotos e a instalar aparelhos de ginástica em postos de combustíveis

Por Fernando Molica | Economia VerdeODS 14 • Publicada em 27 de setembro de 2016 - 06:03 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:42

Neste momento, o Ministério dos Esportes tenta decidir se capoeira é ou não um esporte. Foto de Yasuyoshi Chiba
Neste momento, o Ministério dos Esportes tenta decidir se capoeira é ou não um esporte. Foto de Yasuyoshi Chiba
Neste momento, o Ministério dos Esportes tenta decidir se capoeira é ou não um esporte. Foto de Yasuyoshi Chiba

O Brasil, que conquistou 19 medalhas na Olimpíada e 72 na Paralimpíada, está longe de ser uma potência no esporte, mas é generoso no uso de dinheiro público no setor.  Modalidades tradicionais não são as únicas contempladas pela bênção estatal: nos últimos anos, o governo autorizou o uso de incentivos fiscais para estimular a formação de pilotos de automobilismo, a realização de competições de servidores da Polícia Federal e até a instalação de equipamentos de ginástica em postos de combustíveis localizados em estradas.

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Na busca do ouro que chega em forma de patrocínio, entidades seguem o mapa traçado pela Lei de Incentivo ao Esporte, que, em linhas gerais, repete o padrão da Lei Rouanet. Empresas e pessoas físicas que destinam recursos para projetos autorizados pelo Ministério do Esporte podem abater o valor do investimento no imposto de renda e são autorizadas a exibir seus nomes ou marcas nos eventos.

Uma consulta a atas de reuniões da Comissão Técnica da Lei de Incentivo ao Esporte realizadas no ano passado revela que o Instituto Akel de Responsabilidade Social, de São Paulo, foi autorizado a buscar patrocinadores dispostos a aplicar R$ 1.611.750 no treinamento e participação do Piloto Paulo Victor II e R$ 505.342 na presença do piloto Lucas Gohr na Sprint Race Br, competição que cede carros iguais para os concorrentes.

O Ituano Motor Sport Clube, também de São Paulo, foi autorizado a procurar interessados em financiar, com até R$ 2.729.130 o projeto Pole Position, de kart. A Associação Nacional dos Servidores da Polícia Federal queria R$ 496.555 para bancar os XIII Jogos Nacionais de Integração dos Servidores da corporação.

Já a Liga Desportiva Adesc, de Santa Catarina, procurava patrocinadores interessados em deixar de recolher R$ 365.193,00 aos cofres públicos em troca do apoio ao Projeto Academia de Saúde do Motorista, aquele que pretende instalar equipamentos de ginástica em postos de combustíveis.

O Kart aparece na lista de esportes que podem receber incentivos fiscais. Foto KSP/DPPI
O Kart aparece na lista de esportes que podem receber incentivos fiscais. Foto KSP/DPPI

Academias provisórias como as que volta e meia são instaladas na orla carioca também recebem incentivos fiscais –  os patrocinadores deixam de pagar parte do imposto de renda e ainda podem expor suas marcas numa área vedada à publicidade tradicional.

Diretor do Departamento de Incentivo e Fomento ao Esporte do ministério, José Cândido Muricy admite a existência de distorções na legislação.  Defende que a lei, publicada em 2006 e regulamentada dois anos depois, sofra uma revisão. Outras normas, segundo ele, também deveriam ser alteradas.

Hoje, conta, há dificuldade até para classificar o que é esporte – isto permite, por exemplo, o financiamento de praticantes de jogos eletrônicos. “Há, agora, uma discussão para saber se a capoeira é ou não é um esporte”, exemplifica.  Para desempatar alguns casos, volta e meia o ministério consulta o Conselho Nacional do Esporte.

Segundo  Muricy, a comissão encarregada de avaliar os projetos não pode vetar qualquer proposta que se enquadre na legislação.  Ressalta também que o limite de incentivo anual, de R$ 400 milhões, nunca foi alcançado – ou seja, as entidades autoras de projetos não conseguem recursos suficientes de patrocinadores. Afirma que, a cada ano, a renúncia fiscal fica em torno de R$ 250 milhões. Como o teto não é atingido fica complicado vetar qualquer proposta que atenda aos requisitos legais.

A lei impede que recursos incentivados sejam utilizados na remuneração de atletas profissionais, mas, de acordo com Muricy, a Lei Pelé, de 1998, ao falar em “contrato especial de trabalho desportivo” abre uma brecha para este pagamento. Mesmo assim, as entidades que utilizam a Lei de Incentivo ao Esporte são obrigadas a assinar um termo em que negam a existência de vínculo empregatício com atletas beneficiados.

Podem ser incentivados projetos que se enquadrem em três categorias de prática esportiva: educacional, de rendimento e de participação.  A lei também autoriza o apoio a iniciativas destinadas a “promover a inclusão social por meio do esporte”, “preferencialmente em comunidades de vulnerabilidade social”.

Para Muricy, seria importante aumentar, de 1% para 3%, o percentual do imposto de renda de empresas que pode ser abatido com a aplicação em atividades esportivas. Isto, de acordo com ele, permitiria o aumento do investimento de grandes patrocinadores – ressalta que, para atividades culturais, o percentual é de 4%.

A alteração, diz, permitiria a obtenção de mais recursos. A possibilidade de o teto de R$ 400 milhões ser alcançado justificaria um maior rigor na aprovação de projetos.  Ele avalia que a repercussão positiva da Olimpíada e da Paralimpíada deverá gerar um aumento da prática esportiva e de busca de patrocínios e já fala na possibilidade de solicitar um aumento no valor da renúncia fiscal.

Enquanto os ajustes não chegam, muita gente aproveita as possibilidades oferecidas pela legislação. Como nos casos de outras leis que possibilitam isenções fiscais, a busca de recursos para o esporte gerou a criação de serviços de consultoria especializados na formatação de projetos.

Um desses escritórios chega a anunciar na internet: “Temos exatamente o que sua entidade esportiva precisa! Possuímos planos que se enquadram no seu orçamento!”.  E conclui: “Aproveite nossas promoções!”.

Fernando Molica

É carioca, jornalista e escritor. Trabalhou na 'Folha de S.Paulo', 'O Estado de S.Paulo', 'O Globo', TV Globo, 'O Dia', CBN, 'Veja' e CNN. Coordenou o MBA em Jornalismo Investigativo e Realidade Brasileira da Fundação Getúlio Vargas. É ganhador de dois prêmios Vladimir Herzog e integrou a equipe vencedora do Prêmio Embratel de 2015. É autor de seis romances, entre eles, 'Elefantes no céu de Piedade' (Editora Patuá. 2021).

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