Só restaram cinco moradores em Paracatu de Baixo. Todos homens. O vilarejo situado a 66 quilômetros de Mariana, há praticamente um ano virou uma cidade fantasma. Depois de destruir Bento Rodrigues, a avalanche de lama de rejeitos minerais da Samarco demorou cerca de quatro horas para atingir o povoado. O anúncio do rompimento da barragem de Fundão chegou de helicóptero. Homens do Batalhão de Emergências Ambientais de Mariana pousaram no campo de futebol do povoado e avisaram que a lama estava a caminho. Deu tempo para as pessoas fugirem para a parte mais alta da cidade, onde pernoitaram ao relento. Antes do desastre, os cerca de 300 moradores viviam basicamente da agricultura familiar.
Desde a tragédia, as famílias de Divino Isaías, João Elói da Silva (o João Banana), Elias Nascimento, Hélio da Silva e Leônidas Gonçalves vivem em casas alugadas pela Samarco em Mariana. O quinteto desafia o perigo e ignora os alertas da Defesa Civil – suas casas se mantêm de pé, por estarem na parte alta da cidade, mas as paredes estão trincadas. Eles alegam laços emocionais e medo de saques. Transformaram Paracatu de Baixo numa cidade de homens. Um ano depois do desastre, as marcas da destruição continuam por todos os lados.
Os cinco vivem isolados, rodeados de destruição e um silêncio perturbador, interrompido apenas pelo som das maritacas. Bento Rodrigues, igualmente destruída, tem um movimentação constante, dado que está ocupada pelos empregados da Samarco envolvidos com a construção do dique S4. A nova Paracatu de Baixo ainda não começou a ser construída, mas a previsão é que fique pronta em 2019. “Ninguém me tira daqui”, diz Isaías, que está morando com seus “companheiros”: três cachorros, galinhas, algumas vacas e seus bezerros, e os passarinhos de Guilherme, o filho único de 16 anos, que se mudou com a mãe, Odilene, para Mariana. Isaías passa o dia cuidando dos bichos e da pequena horta. Nunca parou para pensar se água de Paracatu de Baixo está contamina com metais pesados.
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Veja o que já enviamosSua insistência em permanecer na vila é tanta que a Defesa Civil mandou, recentemente, uma psicóloga para entrevistá-lo, por achar que tem “problema na cabeça”. A questão de Isaías é outra – teme perder o pouco que tem e diz não confiar na Samarco. A ponte que conduz ao acesso principal da vila caiu com a enxurrada de lama e só recentemente foi reconstruída. O fornecimento de energia elétrica continua instável. O sinal de telefonia celular é inexistente e não há vestígio de comércio na redondeza. Nenhuma dessas adversidades afasta Isaías de casa.
Após o desastre, o medo passou a rondar a vida dos moradores de Paracatu de Baixo e também os de Paracatu do Alto, localizada próximo à barragem de Germano, a terceira da Samarco na região – as duas outras são Fundão, de rejeitos de minério, e a de Santarém, de água. A proximidade do período chuvoso, que começa em novembro, aumenta o risco de novo acidente. A Samarco instalou uma placa na parte alta da cidade, informando que lá é o local seguro, no caso de um novo acidente.
Antonio José, o filho de João Elói, o João Banana – dono do único bar no vilarejo -, estava no alto de um andaime minutos antes do rompimento da barragem de Fundão. Funcionário de uma empresa terceirizada da Samarco, ele lembra que sentiu um ligeiro tremor na terra, seguido de um cheiro forte. Em minutos, chegou pelo rádio-escuta a notícia do acidente.
Quando a lama chegou à cidade, descendo pelo Gualaxo do Norte, vinha respeitando o leito do rio. Ao se aproximar da pequena cachoeira do vilarejo – uma área mais estreita -, por falta de espaço para seguir seu caminho, retornou à cidade, levando tudo que havia pela frente.
João Banana, como é conhecido o pai de Antonio, tinha um bar na cidade. Não sobrou nada. Nem mesas, nem cadeiras, nem seu estoque de bebidas, refrigerantes e cachaças da roça. Nos primeiros dias após o acidente, o cheiro que exalava do boteco era insuportável. É que a geladeira estava lotada de petiscos. Ele sente saudades do violão – nunca mais parou para tocar o instrumento e cantar forró. Mantém, no entanto, o bom humor. Com um sorriso triste, diz que sua cachaça “é um pingado do CTI”, uma referência ao Centro de Tratamento Intensivo dos hospitais: “Bebe até cair e, se morrer, o cemitério é logo ali”. As brincadeiras de João Banana viraram parte da história de Paracatu de Baixo, que, à sua revelia, entrou definitivamente na rota da maior tragédia ambiental do país e a maior do mundo envolvendo rejeitos de minério.