O mar amazônico é uma riqueza que a própria Ciência desconhece, assim como toda a costa brasileira. Numa faixa de 200 milhas litorâneas, que vai do Oiapoque ao Chuí, incluindo ilhas oceânicas, como Fernando de Noronha, São Pedro e São Paulo, Atol das Rocas, Ilhas de Trindade e Martin Vaz, vivem microorganismos, microalgas, invertebrados, crustáceos, esponjas, peixes, baleias, golfinhos, aves … uma biodiversidade com um potencial para revolucionar a farmacologia, a medicina, o turismo e a própria Ciência, através da descoberta e novas moléculas.
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Atualmente, pouco mais de 95% dos medicamentos usados no tratamento de câncer, pressão alta e uma série de enfermidades vêm de produtos encontrados nas plantas e nos animais. É imensurável as novas descobertas que podem ser feitas nesse ambiente marinho, devido a variedade absurda de organismos que nunca sequer foram estudados e pesquisados. Além de permitir novos locais a serem preservados, permitindo a criação de novas Unidades de Conservação (UCs).
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Veja o que já enviamosÉ a primeira vez no Brasil que se faz uma ampla prospecção biológica e oceanográfica ao mesmo tempo, do ponto de vista meteorológico, com a mesma metodologia, mesmo tipo de coleta de dados, imagens de satélite, medidas de corrente, coletas de água. É um grande esforço para se conhecer a biodiversidade brasileira
“Existe um saber de alto nível voltado para a Amazônia verde, as florestas, a área continental. Mas a parte costeira, marinha, ainda é pouco conhecida”, avalia Eduardo Tavares Paes, doutor em Oceanografia e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), que está à frente de um estudo inédito no Brasil para mapear a biodiversidade da chamada “Amazônia Azul”.
“Sabemos que conhecer o Mar Amazônico não é simples e nem barato. Não dá para pôr uma mochila nas costas e fazer uma trilha no mar. Em alto mar não é possível ir com barcos pequenos, porque é perigoso, há muitas correntes. Não é qualquer barco e não é qualquer cientista. Por isso nós precisamos de cientistas especializados no mar. Os cientistas de alto nível que a Amazônia tem são mais especializados na floresta, na Amazônia verde e suas populações. O que é importantíssimo. Mas o mar também é absolutamente surpreendente”, comenta.
“É como se fossem os Lençóis Maranhenses, mas debaixo d’água e maiores”, é assim que Paes descreve o registro pioneiro de um campo de dunas submarinas de 10 metros de altura e que alcançam várias milhas paralelas à costa amazônica. O registro científico é um dos resultados inéditos encontrados por pesquisadores a bordo do Ciências do Mar II, uma expedição científica nacional liderada pela UFRA, na região Norte. “Nós apelidamos de megadunas, são formações ativas, movendo-se não pelo vento, mas pela força de marés altíssimas características da região, já que a Amazônia azul é uma região de macromarés”, explica, acrescentando que na borda dessas dunas se aglomeram cardumes de peixe.
Paes diz que existem menções à dunas no Piauí, que são relíquias. “Agora, desse tamanho e ativas dessa magnitude não tem em lugar nenhum, nem na carta náutica”, diz. De acordo com o Centro de Hidrografia da Marinha Brasileira, as Cartas Náuticas são documentos cartográficos que resultam de levantamentos de áreas oceânicas, mares, baías, rios, canais, lagos, lagoas, ou qualquer outra massa d’água navegável e que se destinam a servir de base à navegação.
Em novembro último, às vésperas da Conferência do Clima, a COP30, em Belém, Paes, que é coordenador chefe do cruzeiro na Amazônia, partiu a bordo do Ciências do Mar II para percorrer mais de 3 mil km em mar aberto, onde foi possível registrar resultados importantes na Amazônia Azul, como “mar de esponjas único do mundo, um verdadeiro jardim submarino com esponjas de vários metros de altura e ainda pouco conhecidos”, comenta Paes. Em 15 dias no mar amazônico, os pesquisadores também registraram um jardim de esponjas centenárias e cânions gigantes. Tudo embaixo da água. Tudo ainda novo para a Ciência.
Pela primeira vez na história das conferências do clima, os oceanos entraram no principal documento da COP30 este ano, “Mutirão Global”, e ainda fez parte do Pacote Azul – um conjunto de ações de governos e organizações não governamentais em defesa dos oceanos que são responsáveis por absorver cerca de 30% do gás carbônico liberado na atmosfera.
A embarcação Ciências do Mar II é um dos quatro barcos laboratório adquirido pelo Ministério da Educação em parceria com a Marinha Brasileira. Cada uma das embarcações é responsável por mapear, estudar e comparar a biodiversidade marinha de cada uma das regiões do país. Os cruzeiros são sinóticos, ou seja, iniciam as pesquisas ao mesmo tempo, ou quase ao mesmo tempo, usando as mesmas redes e equipamentos para padronizar os processos e torná-los comparáveis.
As Expedições foram financiadas e são atividades do INCT-Biodiversidade da Amazônia Azul em parceria com o REVIMAR. Contaram também com o apoio da SECIRM que, atavés de articulação com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS) e Marinha do Brasil (MB), forneceu o óleo diesel marítimo para as expedições.
A primeira fase do estudo focou na relação do mar com um grande estuário, ou seja, uma zona de transição, onde a água doce do rio se mistura com a água salgada do oceano. As embarcações percorreram as costas do Rio Grande do Sul (Ciência do Mar I), Pará (Ciência do Mar II), do Rio de Janeiro (Ciência do Mar III), e de Recife (Ciência do Mar IV). A segunda etapa do estudo ocorrerá em 2026 e a previsão é que o estudo completo seja concluído em 2028.
No caso da região Norte, por exemplo Paes e sua equipe, o encontro das águas salgada do oceano com a doce, do Amazonas – o maior rio do mundo e, por isso, dono de biodiversidade gigantesca, devido a enorme quantidade de nutrientes encontrados na região.
“É a primeira vez no Brasil que se faz uma ampla prospecção biológica e oceanográfica ao mesmo tempo, do ponto de vista meteorológico, com a mesma metodologia, mesmo tipo de coleta de dados, imagens de satélite, medidas de corrente, coletas de água. É um grande esforço para se conhecer a biodiversidade brasileira. E pela primeira vez também a UFRA entra no cenário nacional das Ciências Marinhas, participando como protagonista, uma conquista que a universidade celebra nesse momento”, diz o pesquisador.
Nessa primeira prospecção na Amazônia Azul, verificou-se que no arquipélago do Marajó existe salinização dos rios, porque o oceano está entrando. “Mas quanto isso impacta diretamente na fauna marinha e como isso impacta nas comunidades locais”, ainda é cedo para os cientistas terem uma opinião conclusiva.
Ainda nessa primeira fase do projeto, a equipe de Paes colocou um ponto final na falsa polêmica sobre a existência ou não dos recifes de corais amazônicos. Ainda que seja de “grande magnitude”, o cruzeiro Ciência do Mar II contatou que ele não é igual ao da Austrália – conhecido como a Grande Barreira de Corais é o maior sistema de recifes do mundo na costa Nordeste do país, em Queesland. Por não ter as mesmas proporções, levantou-se a dúvida da sua existência na Amazônia Azul.
“Existe sim um grande ambiente recifal na região”, avalia Paes, destacando que não é da magnitude do sistema de corais da Austrália, mas “têm o mesmo papel ecológico, ou seja, o de concentrar a biodiversidade e de proteger a região costeira de tempestades”. O pesquisador lembrou ainda ser uma reserva técnica de petróleo muito importante. “Não podemos ser ingênuos de achar que a gente tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo ali e não vamos nem levantar o tamanho dela”, cutuca Paes, contrapondo-se aos críticos à exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Outra surpresa foi o rastro deixado por antigos rios no fundo do mar. Esses rios ajudaram a escavar a plataforma continental e formaram cânions gigantescos, que não constavam nos mapas. Em um dos trechos, a profundidade saltou abruptamente de 100 metros para 600 metros. Diferente de outras partes da costa brasileira, onde esses canais antigos foram cobertos por sedimentos, na Amazônia eles permanecem abertos devido à dissolução do carbonato de cálcio presente na região, criando vales submarinos ricos em peixes e corais.
Estão previstos mais dois embarques, em 2026, mas a meta é continuar com esse tipo de trabalho. “O conhecimento do mar não se encerra nesse cruzeiro. A ideia é que aos poucos possamos constituir cruzeiros regulares que não dependam mais de recursos de fora da Amazônia, que as nossas universidades consigam captar recursos e ter suas embarcações e centros de pesquisa, esse é só o começo. Daqui há algum tempo quem sabe não temos um Centro de Estudos de Biodiversidade Marinha Amazônica, que ainda não tem nenhum”, concluiu Paes.
