Menos de uma semana depois do fim da COP30, o Congresso Nacional derrubou nesta quinta-feira (27/11), em sessão conjunta, os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Projeto de Lei 2159/21, o famigerado PL da Devastação, que implode o licenciamento ambiental no Brasil. Os dispositivos reinstalados pelos parlamentares significam o esvaziamento do licenciamento ambiental, o principal instrumento de prevenção de danos ambientais do país, criado há mais de quatro décadas pela Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981 – um retrocesso escandaloso para o Brasil.
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Na Câmara, o placar foi de 295 votos pela derrubada e 167 pela manutenção dos vetos. No Senado, 52 votos a 15. “O Congresso Nacional, mais uma vez, expõe seu descaso completo com a questão climática e o meio ambiente. A derrubada dos vetos é um ataque aos fundamentos da nossa política ambiental, conflitando com tudo o que o país defendeu na COP30; colegiados como o Conama e o próprio papel regulamentar da União ficam esvaziados”, protestou a urbanista Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
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Veja o que já enviamosOs dispositivos que retornaram com a derrubada dos vetos colidem com os direitos dos indígenas e quilombolas, dão um cheque em branco para os entes subnacionais fazerem o que quiserem com o licenciamento e restringem o campo da aplicação do licenciamento ambiental
Com a derrubada dos vetos, fica valendo o chamado auto licenciamento, uma autorização para que atividades e empreendimentos considerados de baixo e pequeno porte — ou com baixo e pequeno potencial poluidor — obtenham licenças através de um processo de adesão e compromisso (LAC), mais simples do que o procedimento regular, estabelecido pelo próprio responsável pelo empreendimento, sem qualquer estudo ambiental e sem a devida avaliação de impactos ambientais dos órgãos públicos de controle.
Para o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), com os vetos, a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental “desmonta a capacidade do Estado de prevenir e controlar danos ao meio ambiente e atropela o direito dos povos originários” que deveriam ser consultados sobre empreendimentos com impactos em seus territórios. “Precisamos ser mais eficientes com licenciamento ambiental, mas jamais ao custo de insegurança e riscos atuais e futuros para a população. Será que os ilustres senadores não entenderam o recado que a natureza está nos dando? A COP30, em Belém, deixa claro que ultrapassamos limites”, lamentou André Guimarães, diretor executivo do Ipam e Enviado Especial da Sociedade Civil para a COP30.
O Congresso também derrubou veto do presidente Lula para garantir a retomada do dispositivo que livra obras de manutenção e melhoramento de rodovias do licenciamento ambiental. Os parlamentares retomaram, ainda, a dispensa de licenciamento para atividades rurais que ocorram em imóveis em processo de homologação no Cadastro Ambiental Rural (CAR). “É escandaloso que o Congresso tenha aprovado o PL do Licenciamento Ambiental uma semana após o Brasil ter sediado a COP30″, criticou a historiadora e pesquisadora Gabriela Nepomuceno, especialista em Políticas Públicas do Greenpeace Brasil.
Diversos vetos diziam respeito a trechos inconstitucionais e que colocam em risco a vida humana e nossa biodiversidade. Poderemos ter muita insegurança jurídica no licenciamento ambiental a partir daqui
Outros pontos restabelecidos pelo Congresso restringem a consulta de povos indígenas e comunidades quilombolas no processo de licenciamento. Com o texto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, apenas terras indígenas homologadas e territórios quilombolas titulados poderão se manifestar. “Enquanto milhões se esforçam para nos colocar no caminho para longe dos combustíveis fósseis e para o fim do desmatamento com respeito aos direitos de povos indígenas e de comunidades tradicionais, o Congresso insiste em representar os setores mais destrutivos da sociedade, liberando geral para empreendimentos e obras que podem resultar no avanço da mineração e das pastagens na Amazônia, das secas, do fogo, das epidemias, da contaminação das águas e da fome”, acrescentou a dirigente do Greenpeace.
Deputados e senadores também aprovaram a redução de processos para proteger o desmate de matas primárias e secundárias na Mata Atlântica. “A derrubada dos vetos afeta conquistas essenciais da sociedade brasileira como a Lei da Mata Atlântica. Libera o desmatamento justamente nas porções mais maduras da floresta, impactando a disponibilidade de água, agravando os efeitos de eventos climáticos e potencializando tragédias. E coloca o Brasil na contramão da agenda climática”, protestou Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica.
Batalha judicial à vista
Além do avanço do desmatamento e da destruição dos ecossistemas, os ambientalistas preveem uma enxurrada de processos judiciais, a começar pelo questionamento de pontos considerados inconstitucionais do PL da Devastação, que forma reestabelecidos após a derrubada dos vetos. O Observatório do Clima (OC) já adiantou que organizações irão à Justiça contra a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental
O entendimento da sociedade civil é de que a lei é “inconstitucional, expõe a risco a saúde e a segurança dos brasileiros, libera a destruição ampla dos nossos ecossistemas e viola as metas climáticas do país”. As articulações para recursos judiciais estão em andamento. “Os dispositivos que retornaram com a derrubada dos vetos colidem com os direitos dos indígenas e quilombolas, dão um cheque em branco para os entes subnacionais fazerem o que quiserem com o licenciamento e restringem o campo da aplicação do licenciamento ambiental”, destacou Suely Araújo.
Para o advogado Ícaro Jorge Santana, do Instituto de Direito Coletivo, a derrubada dos vetos expõe o país a riscos. “Ao admitir licenças automáticas, reduzir controles técnicos e ignorar povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, o Congresso cria um cenário de maior conflito, atacando direitos coletivos e ampliando a insegurança jurídica”, afirmou Santana. O advogado e professor Rárisson Sampaio, assessor político do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) adicionou que os vetos presidenciais garantiam um mínimo de segurança jurídica para processos administrativos em curso, “evitando uma judicialização em massa dos atos emitidos pelos órgãos licenciadores”.
Especialista de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Clarissa Presotti lembrou que os vetos preservavam critérios técnicos fundamentais para evitar danos ambientais irreversíveis e reduzir o risco crescente de desastres climáticos e também previu questionamentos na Justiça. “Derrubar os vetos significa ignorar a ciência, ampliar a insegurança jurídica e fragilizar a governança ambiental do país”, disse Presotti. “A derrubada dos vetos reduz salvaguardas importantes para a proteção das pessoas, dos povos e dos ecossistemas”, acrescentou.
A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, adiantou que o governo pode acionar a Justiça para assegurar trechos que considera inconstitucionais. “Já falei com a ministra Marina Silva e vamos conversar com a Casa Civil e com o nosso jurídico para ver o que podemos fazer para corrigir o curso dessa situação. Não podemos ficar sem uma legislação de licenciamento ambiental. Com certeza veremos o que é possível fazer por uma legislação que seja por parte do Executivo, com decreto, portarias. Vamos estudar inclusive a possibilidade da judicialização dessa matéria pela importância e relevância que ela tem para o Brasil”, afirmou ao UOL a ministra, que já tinha lamentado a decisão nas redes sociais. “A derrubada dos vetos contradiz o esforço ambiental e climatico do governo que acaba de realizar a COP 30. Uma péssima notícia”, publicou Gleisi.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, acompanhou o início da sessão do Congresso e afirmou que hoje “é um dia muito triste para todos aqueles que lutam pela conciliação entre desenvolvimento e sustentabilidade” e também previu questionamentos na Justiça. “Diversos vetos diziam respeito a trechos inconstitucionais e que colocam em risco a vida humana e nossa biodiversidade. Poderemos ter muita insegurança jurídica no licenciamento ambiental a partir daqui”, disse Agostinho em nota.
O senador Davi Alcolumbre (União-AP), criticado por pautar o tema após a COP30, enquanto há muitos outros vetos na fila para serem apreciados, argumentou que a votação do licenciamento ambiental era necessária para destravar o processo legislativo. “Há regiões inteiras aguardando que o Congresso finalize essa discussão para que grandes projetos saiam do papel, gerando empregos, renda e crescimento econômico — sempre com responsabilidade ambiental”, disse o presidente do Senado, que agradeceu o apoio do deputado Hugo Motta, presidente da Câmara para a sessão que derrubou os vetos ao PL da Devastação.
