ODS 1
Mina da Braskem em Maceió: “não se trata mais de saber se haverá o colapso, mas quando”
Para engenheira geóloga de Alagoas, desastre socioambiental é inevitável e agora é preciso discutir como recuperar áreas afetadas
Para engenheira geóloga de Alagoas, desastre socioambiental é inevitável e agora é preciso discutir como recuperar áreas afetadas
(Regla Toujaguez Massahud*) – Em março de 2018, um tremor de terra atingiu diversos bairros de Maceió, causando as primeiras rachaduras em residências e afundamentos em ruas da cidade. O tremor pegou os moradores dos bairros atingidos de surpresa: eles não sabiam que, sob os seus pés, existiam cavidades subterrâneas (minas) em decorrência da mineração de sal-gema, iniciada na cidade de Maceió em 1975.
Os tremores foram o sinal que a natureza nos deu de que algo de errado estava acontecendo ali. Ainda sob o choque da situação, com milhares de pessoas tendo que ser desalojadas de suas casas, autoridades públicas deram início ao processo de investigação das causas do fenômeno geológico.
Leu essas? A cobertura do caso Braskem afunda Maceió
Foram anos de angústia, que junto a milhares de maceioenses vivenciamos entre 2018 e 2019. Tanto como engenheira Geóloga, participante, como colaboradora, na hipótese sobre possível causa Geotécnica, quanto como moradora de um dos bairros atingidos, tendo que ser realocada para outra residência.
Hoje, cinco anos depois dos primeiros tremores, a cidade vive a ameaça iminente do colapso da mina 18, e a potencial subsidência (afundamento) da camada acima dessas galerias formadas pela extração do sal-gema. Não se trata mais de saber se haverá o colapso, mas quando.
Muitas perguntas, uma resposta
Quando os tremores aconteceram em 2018, o Serviço Geológico do Brasil foi chamado e iniciou uma série de estudos que testavam várias hipóteses sobre o que poderia ter causado o tremor e as rachaduras que vieram com ele.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosPouco depois do desastre, saí pelas ruas dos bairros afetados com o coordenador geral da Defesa Civil, Sr. Dinário Lemos. Quando ele me mostrou os locais com rachaduras e a sua continuidade após quarteirões, seguindo nas calçadas, em casas e prédios, pensei na possibilidade de um processo vindo de profundidade, ou seja, uma falha geológica. As rachaduras tinham direção, seguiam uma linha e isso sugeria que se tratava de uma questão em profundidade. Mas me parecia incompreensível que uma empresa do porte da Braskem, responsável pelas minas, pudesse não ter identificado a falha em seus estudos e monitoramentos.
O estudo de que participei a partir de 2018 investigava uma possível causa geotécnica, ou seja, um problema das fundações: a região poderia ser formada por minerais expansivos, que, ao perder água, deixavam espaços vazios possibilitando o deslocamento de terra. Além disso, as formas de ocupação e métodos construtivos poderiam ser inadequados. No entanto, não havia nenhum mineral expansível nas amostras da região afetada, e os ensaios de geotécnica não demonstraram características que explicassem os danos.
Também se estudou a extração de água, tentando verificar se o bombeamento exagerado de água subterrânea poderia ter levado ao desastre. Mas se verificou que o Sistema Aquífero Barreiras/Marituba, de onde se capta maior quantidade de água para Maceió e região, não havia tido uma perda considerável ao longo dos anos.
Enfim, cerca de dois anos depois dos tremores, a análise de imagens de satélite InSAR, junto com dados geofísicos de subsuperfície na área das minas e arredores, identificaram que existia uma falha geológica que cortava o depósito de sal, passando por baixo do antigo bairro Mutange em direção à Lagoa Mundaú. Uma falha geológica é a presença de dois grandes blocos de rocha, em profundidade, que se deslocam um em relação ao outro. Neste caso, esse deslocamento ou reativação da falha foi provocada pela movimentação do sal.
Mas essa não foi a única conclusão. Os estudos mostraram que não podemos culpar a natureza pelo que está acontecendo; ela está respondendo ao que nós propiciamos. O deslocamento dos blocos não aconteceu naturalmente, mas sim ocasionado pelo homem: ele foi causado pela mineração.
De sonho dourado a pesadelo
Quando a mineração de sal-gema começou em Maceió, em 1976, a cana de açúcar era praticamente a única fonte de receita do estado, além da pesca. A extração de sal para transformação em produtos de valor – plástico (PVC) e soda cáustica – parecia trazer um futuro promissor. E a mineração efetivamente vinha como uma grande oportunidade para a geração de novos empregos, para além da indústria canavieira.
Os bairros sobre as minas, que já existiam mas eram muito menos habitados, cresceram e se transformaram em áreas densamente povoadas. Os moradores viam a fábrica de plástico e soda cáustica da Braskem, que fica no Pontal da Barra, no litoral de Maceió, mas não prestavam atenção ao fato de que, para aquela fábrica funcionar, a matéria-prima, o sal-gema, saía do subsolo daqui mesmo.
Os moradores do Pontal receberam treinamento para o caso de acidentes, como o escape de gás da planta, como de fato já chegou a ocorrer. Mas a população dos bairros da parte mais interna de Maceió desconhecia o risco e nunca foi treinada para o caso de uma eventual necessidade de evacuação, por exemplo. Portanto, quando as rachaduras começarem a aparecer nas casas, foi um susto para muita gente.
Em 2019, quando o Serviço Geológico do Brasil divulgou relatório apontando mineração como uma das causas do afundamento de solo em Maceió, a empresa interrompeu suas atividades. Mas o processo já estava em andamento. O bloco de rocha em profundidade já está em movimentação, descendo no sentido da Lagoa Mundaú.
Plano de Contingência
Atualmente, a área está sendo monitorada constantemente. Há um sistema de monitoramento com DGPS instalados em locais nos arredores das minas. A partir de pontos fixos, o sistema nos permite calcular o deslocamento do bloco que está cedendo. Há ainda uma rede sísmica em funcionamento constante, que registra os tremores.
Os modelos matemáticos – conduzidos por equipes que trabalham junto à Defesa Civil e à Braskem (que por força de lei tem de monitorar o processo) – permitem fazer prognósticos sobre a situação a centenas de metros de profundidade, a partir do volume de material dentro das cavidades, das pressões internas dentro delas e da profundidade. Algumas previsões do momento do colapso da Mina 18 foram divulgadas, mas sem acerto: a natureza trabalha no seu próprio ritmo, e o maciço ainda não caiu.
Mas quando ele romper e cair, já se sabe o que precisa ser feito em cada etapa. A Defesa Civil já possui um Plano de ação com essa finalidade. O que agora está acontecendo com a mina 18 pode acontecer depois com outras minas, como apontam os relatórios do Serviço Geológico, por isso a prevenção e preparação sempre serão a melhor saída.
É fundamental que a população saiba que existe hoje um Plano de Contingência, o Plancon, elaborado pela Defesa Civil de Maceió, em parceria com outros órgãos públicos e a universidade. Esse plano descreve cada fase do processo, com diferentes níveis de alerta, e com determinações claras do que deve ser feito em cada uma deles. O mapa de risco é regularmente atualizado (a versão 5 é a mais recente, de dezembro de 2023). Novas rachaduras devem aparecer, em diferentes locais previamente em monitoramento. Essas áreas vão sendo incluídas no mapa de risco com nomenclaturas atualizadas do nível de risco. As autoridades locais têm agido de acordo com o Plancon.
Fake news
As pessoas precisam prestar atenção apenas ao que a Defesa Civil está falando nos meios de comunicação, e não nas notícias falsas que têm circulado pela cidade. Notícias como a de que o colapso vai abrir uma cratera do tamanho do Maracanã, ou que os tremores vão se transformar em terremotos e gerar tsunamis, não correspondem à realidade e contribuem apenas para gerar medo e fazer com que as pessoas deixem de agir de maneira eficiente.
As fake news se prestam ainda a movimentar o mercado imobiliário da cidade, valorizando algumas regiões e desvalorizando outras. Atualmente, eu moro em um bairro que está sobre o bloco de rocha que não está se movimentando – e, portanto, seguro -, mas alguns vizinhos, por conhecerem minha profissão, frequentemente me perguntam sobre a necessidade de venderem seus imóveis.
Para evitar esses temores e saber como agir nos casos em que realmente haja necessidade, as pessoas precisam se informar a partir dos meios oficiais, em especial a Defesa Civil. Na minha opinião, os meios de comunicação deveriam veicular, algumas vezes por dia, instruções sobre o que ter consigo no caso de evacuação ou de saída para os pontos de encontro dos bairros.
Painel de conciliação
Atualmente, tenho trabalhado a convite do Instituto Jupará na proposta de elaboração de um espaço de diálogo e de propostas de adaptações aos efeitos das mudanças climáticas no estado de Alagoas. O painel está sendo proposto pela sociedade civil, para que a população, gestores públicos e empresa possam se sentar numa mesa de conciliação para tentar dar vazão às demandas que já existem e as que seguramente irão surgir.
A proposta do painel inclui, por exemplo, a construção de residências, a necessidade de informar a população de uma maneira coerente e acessível, as propostas mais viáveis para a recomposição da Biodiversidade e da Geodiversidade, e a mitigação das perdas sociais. As mudanças já são um fato, o que queremos discutir é como esse desastre pode ser revertido para a recuperação das áreas que vierem a ser afetadas.
Regla Toujaguez Massahud é professora do Campus de Ciências Agrárias (CECA), Universidade Federal de Alagoas (UFAL); tem graduação de Engenheira Geóloga pelo Centro Universitário de Pinar del Rio, Cuba (1992), mestrado em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas (1999), doutorado (2008) e Pós-doutorado (2009 e 2012) em Ciência do Solo pela Universidade Federal de Lavras (MG)
Outras matérias do especial Braskem afunda Maceió
Relacionadas
The Conversation é uma fonte independente de notícias, opiniões e pesquisas da comunidade acadêmica internacional.