Receba as colunas de Edu Carvalho no seu e-mail

Veja o que já enviamos

Preto também pode ser preso (ou até morrer) por algoritmo… Engano?

Tecnologias de reconhecimento facial carregam o peso da injustiça quando aplicadas sem as devidas salvaguardas e sem enfrentar o racismo estrutural

ODS 10 • Publicada em 18 de julho de 2025 - 09:40 • Atualizada em 18 de julho de 2025 - 11:15

A tragédia de Guilherme Dias, em São Paulo, homem negro de 26 anos que teria sido morto “por engano” sete minutos após sair do trabalho, por um PM de folga, ressoa com a preocupante realidade de “enganos” em larga escala na esfera da identificação de reconhecimento fotográfico e também digital. Assim como erros fatais podem ocorrer no campo da segurança pública presencial, o mesmo acontece, e com frequência alarmante, seja por imagens ou na aplicação de tecnologias, muitas vezes com um viés racial sistêmico.

Leu essa? O racismo linguístico e os falares brasileiros

Como o caso de Thiago Feijão, educador físico, 32 anos. Thiago foi acusado em maio de 2015 por roubo seguido de morte e associação criminosa armada. Ele foi reconhecido por uma única testemunha em, que na época, apontava-o como um homem branco. Thiago é negro.

Thiago Feijão: condenação baseada em reconhecimento revela racismo estrutural na Justiça (Foto: Reprodução/Instagram)
Thiago Feijão: condenação baseada em reconhecimento revela racismo estrutural na Justiça (Foto: Reprodução/Instagram)

Thiago ficou preso preventivamente por mais de um mês. Durante todo o processo, a defesa percorreu o caminho que a lei processual determina: trazer à luz testemunhas que afirmam de maneira direta que a pessoa que foi identificada através da imagem não correspondia à Thiago, que na ocasião, estava a 11 quilômetros buscando a filha no colégio. 

Desde então, o caso não parou mais. Na segunda instância, um dos desembargadores votou pela absolvição, reconhecendo as falhas do processo. Ainda assim, a maioria decidiu por manter a condenação, embora tenha reduzido a pena para seis anos, por ausência de provas de que Thiago teria atirado.

Receba as colunas de Edu Carvalho no seu e-mail

Veja o que já enviamos

Tanto em 2015 quanto agora, uma década depois, o Judiciário manteve a decisão de condená-lo. “O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, assim como do Brasil, é retrato da nossa sociedade.”, diz Carlos Nicodemos, um dos advogados que acompanha Thiago. Ele ressalta que, embora existam regulamentações, resoluções e portarias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a respeito do racismo estrutural no reconhecimento fotográfico, “são tímidas as medidas que passem, por exemplo, pelo empoderamento e formação dos operadores do sistema de justiça para fazer esse enfrentamento da maneira cotidiana e permanente”. Há uma clara necessidade de uma “política efetivamente de combate ao racismo estrutural na justiça”.

Na seara cibernética, o Brasil tem se consolidado como um terreno fértil para a expansão do uso de tecnologias de reconhecimento facial (TRF). Dados do projeto ‘O Panóptico’, do CESeC, revelam que atualmente, existem 421 projetos que utilizam técnicas de reconhecimento facial no país, com aproximadamente 81 milhões de brasileiros (39,9% da população) sob potencial vigilância por câmeras de reconhecimento, abrangendo todas as cinco regiões do país. A adoção dessa tecnologia ganhou impulso significativo em 2019, com a publicação de uma portaria que incentiva a utilização de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para a instalação de sistemas de videomonitoramento com reconhecimento facial, inteligência artificial ou tecnologias similares.

No caso de Thiago, a luta jurídica continua, com a defesa buscando instâncias superiores. Além de apresentar um recurso especial em relação à decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a defesa também entrou com um habeas corpus substitutivo para acelerar a análise da ilegalidade da prisão diante da tese da precariedade das provas. O caso também pode ser levado ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos da OEA.

Para a família de Thiago, a injustiça transcende o âmbito jurídico, transformando-se em uma questão de saúde mental, memória e humanidade. A esposa de Thiago, Sharon Feijão, relata a dor emocional e as adaptações práticas decorrentes da ausência do marido. “Essa é a parte mais dolorosa pra mim. Pois além de lidar com as demandas atuais do Thiago, eu fiquei com toda responsabilidade em formar o caráter das crianças, as demandas de escola e rotinas com doenças infantis”, desabafa, dizendo que precisa se manter forte para que as filhas ‘’fiquem bem.”. 

A mais velha, de 13 anos, tenta assumir responsabilidades para não sobrecarregar a mãe. “Mãe você já está cheia de problemas, esse eu conseguia resolver sozinha”. Já a filha do meio, acredita que o pai está viajando a trabalho, e pergunta todos os dias quando ele volta. ‘’Ela tem sido a mais difícil de lidar, ela é muito apegada ao pai. Desenvolveu crises de ansiedade, e de raiva devido a saudade que ela não sabe expressar”. Sharon confessa seu próprio sofrimento: “E eu? Claro que não estou bem, mas preciso ao menos parecer estar, para deixar mais leve para as crianças’’. 

Receba as colunas de Edu Carvalho no seu e-mail

Veja o que já enviamos

Apesar de tudo, a família encontra força na fé e no apoio de uma rede solidária composta por familiares, amigos e até alunos de Thiago. “Sem dúvida alguma o apoio que estamos recebendo tem sido fundamental para renovar nossas forças e esperança que isso vai acabar da melhor forma possível”, afirma Sharon. Mas a esposa ressalta que “nada é suficiente para suprir a ausência dele”. A família de Thiago Feijão se apega à esperança de que ele não se tornará apenas mais uma estatística, e que o judiciário, ao reparar os erros cometidos, demonstrará que ‘’preto não é tudo igual”. 

O caso é só mais um, entre tantos lembretes, que, ao lado da promessa de segurança, as tecnologias de reconhecimento facial carregam o peso da injustiça quando aplicadas sem as devidas salvaguardas e sem enfrentar o racismo estrutural. 

É preciso urgente desfazer o ‘’engano’’. 

Apoie o #Colabora

Queremos seguir apostando em grandes reportagens, mostrando o Brasil invisível, que se esconde atrás de suas mazelas. Contamos com você para seguir investindo em um jornalismo independente e de qualidade.

Receba nossas notícias e colunas por e-mail. É de graça.

Veja o que já enviamos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *