ODS 1
Avanço evangélico: a transição religiosa na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Número de evangélicos supera o de católicos em 18 de 22 municípios: maioria católica se mantém apenas na capital, Niterói, Petrópolis e Maricá

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) constitui a segunda maior concentração urbana do Brasil, atrás apenas da Região Metropolitana de São Paulo. Segundo dados do último Censo Demográfico do IBGE, em 2022 a RMRJ abrigava uma população de 12,1 milhões de habitantes, dos quais cerca de 6 milhões residiam na capital fluminense.
Tanto a cidade do Rio de Janeiro quanto sua região metropolitana apresentam uma série de especificidades que as tornam singulares no cenário nacional. Nenhuma outra capital ou região metropolitana brasileira possui uma trajetória territorial e jurídica tão complexa quanto a do Rio.
A história da cidade como centro do poder nacional remonta a 1763, quando passou a sediar a capital do Brasil Colônia. Em 1808, com a chegada da corte portuguesa, foi elevada à condição de capital do Império português. Em 1834, com a promulgação do Ato Adicional, o Rio de Janeiro foi transformado em Município Neutro, e no ano seguinte Niterói tornou-se a capital da Província do Rio de Janeiro.
Com a Proclamação da República, em 1889, o Rio de Janeiro passou à condição de Distrito Federal, enquanto Niterói continuou como capital do território fluminense. Em 1960, com a transferência da capital federal para Brasília, o Rio foi transformado no Estado da Guanabara, com status de unidade autônoma.
Por fim, em 1975, ocorreu a fusão do Estado da Guanabara com o antigo Estado do Rio de Janeiro, dando origem ao atual Estado do Rio de Janeiro. A antiga capital federal passou então a exercer o papel de sede administrativa e política do novo estado, substituindo Niterói nessa função.
A cidade do Rio de Janeiro e o estado fluminense sempre ocuparam posição de destaque nos principais acontecimentos nacionais, além de estarem na vanguarda da dinâmica socioespacial e demográfica do país. O Estado do Rio de Janeiro apresenta cinco características que o distinguem das demais Unidades da Federação (UFs):
- Segunda maior densidade demográfica – a população do estado do Rio de Janeiro foi de 16,1 milhões de habitantes em 2022, com uma extensão territorial de 43,8 mil km2 e uma densidade demográfica de 367 habitantes por km2 só ficando atrás da densidade demográfica do Distrito Federal (489 hab/ km2). No Brasil a densidade demográfica foi de 25,2 hab/ km2, em 2022.
- Maior percentual de população urbana – a população urbana do estado do Rio de Janeiro chegou a 97,9% da população total em 2022, superior à média nacional que é foi de 87,4%.
- Maior concentração populacional metropolitana – a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) era composta por 22 municípios, com 12 milhões de habitantes, concentrava 75% da população total do Estado em 2022. Este número é muito superior à concentração metropolitana das capitais dos dois estados mais populosos do Brasil, São Paulo e Minas Gerais.
- Maior razão de sexo – a razão de sexo é obtida pela divisão do total de mulheres pelo total de homens, multiplicado por 100. Em 2022, existiam 112 mulheres para cada 100 homens no Estado do Rio de Janeiro, enquanto a média nacional era de 106 mulheres para cada 100 homens.
- Segundo maior índice de envelhecimento – o índice de envelhecimento (IE) é obtido dividindo-se a população de 60 anos e mais pela população de crianças e adolescentes com menos de 15 anos e reflete as mudanças ocorridas na estrutura etária da população. O Estado do Rio de Janeiro apresentava, em 2022, o IE de 106 idosos para cada 100 crianças e jovens com menos de 15 anos, índice inferior apenas ao estado do Rio Grande do Sul, com IE de 115. No Brasil havia 80 idosos para cada 100 jovens de 0-14 anos em 2022. Uma estrutura etária mais envelhecida reflete a baixa taxa de fecundidade do passado.
Nesse contexto, não surpreende que o Rio de Janeiro se destaque entre as Unidades da Federação que lideram a transição religiosa no Brasil. Trata-se do estado com a maior pluralidade religiosa do país. Dada a relevância demográfica e econômica do Rio de Janeiro e de sua região metropolitana, torna-se fundamental analisar com atenção os novos dados do Censo Demográfico de 2022 referentes à região.
Mais católicos que evangélicos na RMRJ
A transição religiosa em curso no Brasil se manifesta em diferentes escalas geográficas por meio de quatro vetores principais: a redução do percentual de filiações católicas; o crescimento das filiações evangélicas; o aumento da participação das demais religiões; e a expansão do grupo sem religião.
Os dados do Censo Demográfico de 2022 confirmam o aprofundamento dessa dinâmica: o percentual de católicos atingiu o nível mais baixo já registrado na história do país, enquanto os três outros grandes grupos (evangélicos, demais religiões e sem religião) alcançaram seus patamares mais elevados.
Como analisei no artigo “Os evangélicos ultrapassaram os católicos em dois estados e em 245 cidades”, publicado aqui no #Colabora (Alves, 16/06/2025), a razão entre evangélicos e católicos (REC) avançou de forma significativa no território fluminense ao longo das últimas três décadas.
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Veja o que já enviamosEm 1991, o número de católicos superava o número de evangélicos em todos os municípios fluminenses. No ano 2000, havia apenas 1 município onde os evangélicos superavam os católicos. A cidade de Silva Jardim, que tinha uma população de 21,3 mil habitantes (representava 0,14% da população do estado), com uma REC de 104,3 evangélicos para cada 100 católicos.
Em 2010, havia 20 municípios fluminenses com REC superior a 100, totalizando 3,5 milhões de habitantes — o equivalente a 22% da população estadual. Já em 2022, as filiações evangélicas superaram as católicas em 40 municípios do estado, abrangendo 6,3 milhões de pessoas, ou 40% da população do Rio de Janeiro. Esses dados revelam que a transição religiosa avança de forma acelerada no território fluminense.
Sem a capital, evangélicos seriam maioria na RMRJ
Mas a transição religiosa está ainda mais avançada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Em 2022, a razão entre evangélicos e católicos (REC) ficou em 81,4 na RMRJ e em 115,5 nos municípios do entorno da capital. Isto quer dizer que as filiações católicas superam as evangélicas na RMRJ – mas os evangélicas superam as filiações católicas na RMRJ, quando se exclui a capital fluminense.
De fato, dos 22 municípios da RMRJ, os evangélicos superam os católicos em 18 cidades e os católicos superaram os evangélicos em 4 cidades. Evidentemente, o peso maior é da cidade do Rio de Janeiro que tem cerca da metade da população da região metropolitana. Em 1991, a capital fluminense tinha 14,8 evangélicos para cada 100 católicos e passou para 58,4 evangélicos para cada 100 católicos em 2022.
A cidade de Niterói tinha uma REC de 13,7 em 1991 e passou para 49,3 evangélicos para cada 100 católicos em 2022. Niterói, com cerca de 500 mil habitantes em 2022, tinha a menor REC da região metropolitana. Em seguida apareciam as cidades do Rio de Janeiro com 58,4 evangélicos por 100 católicos, Petrópolis com 60,6 e Maricá com 89,6 evangélicos por 100 católicos. Em outros 10 municípios a REC ficou acima de 100.
Em 2022, a cidade de Queimados tinha uma REC de 193 evangélicos por 100 católicos, Japeri (219) e Seropédica (235,5) tinham um número de evangélicos mais do dobro do número de católicos. A mudança foi acelerada, uma vez que todos os municípios da RMRJ tinham mais católicos do que evangélicos no século passado. A virada ocorreu no século XXI.

O gráfico abaixo mostra a distribuição do percentual de católicos na RMRJ em 2022. Nota-se que o percentual estava acima de 40% em apenas 3 municípios (Petrópolis, Niterói e Rio de Janeiro). No total da RMRJ, o percentual de católicos estava em 37,9% e na RMRJ menos a capital estava em 31,6%. Em 13 municípios o percentual de católicos estava abaixo de 30% e em 2 municípios (Japeri e Seropédica) estava abaixo de 20%.

O gráfico abaixo mostra a distribuição do percentual de evangélicos na RMRJ. O percentual estava abaixo de 30% em apenas 3 municípios (Niterói, Rio de Janeiro e Petrópolis). Na RMRJ estava em 30,8% e na região metropolitana sem a capital estava em 36,5%. O percentual de evangélicos estava acima de 40% em 11 municípios, com o maior valor em Paracambi com 46,8%.

O gráfico abaixo mostra a distribuição do percentual de pessoas que se declaram sem religião na RMRJ. O percentual estava em 18% na RMRJ e em 20,1% na RMRJ sem a capital. O percentual do grupo sem religião atingiu o máximo de 31% em Japeri e superou o percentual de católicos em 4 municípios: Belfort Roxo, Japeri, Seropédica e Tanguá.

O gráfico abaixo mostra o percentual das outras religiões na RMRJ em 2022. O percentual estava em 13,3% na RMRJ e em 11,7% na RMRJ sem a capital. O percentual de outras religiões teve o menor valor em Tanguá e o valor mais alto em Niterói com 15,9%. Na cidade do Rio de Janeiro o percentual de outras religiões ficou em 14,8%.

Os dados do censo demográfico 2022 mostram que a Região Metropolitana do Rio de Janeiro está avançada no processo de transição religiosa e tem uma distribuição percentual mais plural, considerando os quatro grandes grupos religiosos.
A tabela abaixo compara a distribuição dos quatro grandes grupos religiosos do Brasil, Piauí, RMRJ e da RMRJ menos a capital, além de apresentar o Índice de entropia de Shannon das quatro escalas geográficas. Nota-se que o Piauí tem um grande percentual das filiações católicas e percentuais bem menores dos outros grupos, enquanto o Brasil tem um menor peso dos católicos, um maior peso dos evangélicos e percentuais mais altos do grupo sem religião e das demais religiões.

Já a Região Metropolitana do Rio de Janeiro tem uma distribuição mais equilibrada com 37,8% de católicos, 30,8% de evangélicos, 13,3% dos sem religião e 11,7% das outras religiões. Quando se retira a capital e se considera os município do entorno da região metropolitana a distribuição também fica ainda mais equilibrada, mas com uma inversão dos grupos católico e evangélico
O índice de entropia de Shannon (ou índice de diversidade de Shannon) é uma medida usada para indicar o quanto uma população é diversa. Ele foi criado originalmente para estudar a biodiversidade (como se distribuem as espécies em um ambiente), mas também serve para entender diversidade cultural ou religiosa.
Quanto mais igualitária a distribuição das categorias, maior a incerteza sobre qual categoria poderia ser encontrada se selecionasse um item aleatoriamente. Imaginando 4 categorias religiosas e cada uma com exatamente 25% da população, a escolha de uma pessoa aleatoriamente, seria muito difícil prever a religião dela, pois todas são igualmente prováveis. Essa é uma situação de alta incerteza e, portanto, alta entropia.
Quanto menos igualitária (mais desigual) a distribuição, ou seja, se uma ou poucas categorias são altamente dominantes, menor a incerteza. Imaginando que uma categoria religiosa tenha 90% da população e que as outras três dividam os 10% restantes, no caso de uma escolha de uma pessoa aleatoriamente, seria muito provável que ela pertencesse à categoria dominante. Neste caso, há muito pouca surpresa. Essa é uma situação de baixa incerteza e, portanto, baixa entropia.
Em 2022, o Índice de Shannon do Piauí apresentou o menor valor 1,02, significando menor pluralidade religiosa. Para o Brasil o índice de Shannon foi de 1,55, representando uma pluralidade maior do que no Piauí. Na região metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) o índice de Shannon ficou em 1,88 indicando uma ainda maior pluralidade religiosa. Na RMRJ menos a capital o índice de Shannon ficou em seu valor mais elevado, indicando que o entorno da capital fluminense possui a maior diversidade e a maior pluralidade religiosa.
Portanto, podemos dizer que a RMRJ é mais democrática no sentido de representação religiosa do que regiões com alta concentração de uma única fé, como o Piauí. Na RMRJ, nenhum grupo ultrapassa 40% e nenhum grupo está abaixo de 10%, o que sugere uma sociedade menos monopolizada por uma única crença. A presença significativa do grupo sem religião sugere um ambiente social onde a secularização é mais aceita.
No artigo “A transição religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro” (Alves et al. 2014) afirmamos “O que acontece em território fluminense tende a se repetir nas demais Unidades da Federação com uma certa defasagem temporal e em ritmo um pouco mais lento. Mas a análise apresentada no texto sugere que a transição tende a se aprofundar na medida em que cresce a diversidade religiosa” (p. 28).
Nesse sentido, o avanço da transição religiosa na Região Metropolitana do Rio de Janeiro antecipa tendências que hoje se expandem em escala nacional, sinalizando a disseminação de um ambiente religioso mais plural, heterogêneo e diverso por outras Unidades da Federação.
Referências:
ALVES, JED. A transição religiosa nos 200 anos da Independência, # Colabora, 30/05/2022
ALVES, JED. Os evangélicos ultrapassaram os católicos em 2 estados e em 245 cidades, # Colabora, 16/06/2025. https://projetocolabora.com.br/ods11/evangelicos-ultrapassam-catolicos-em-2-estados-e-em-245-cidades/
ALVES, JED, CAVENGHI, S. BARROS, LFW. A transição religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro, PUC/MG, Belo Horizonte, Revista Horizonte – Dossiê: Religião e Demografia, v. 12, n. 36, out./dez. 2014, pp. 1055-1085 DOI–10.5752/P.2175-5841.2014v12n36p1055
http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2014v12n36p1055/7518
ALVES, JED et al. Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 29, n. 2, 2017, pp: 215-242
http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/112180/130985
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), (com a colaboração de Francisco Galiza), maio de 2022.
https://prdapi.ens.edu.br/media/downloads/Livro_Demografia_e_Economia_digital_2.pdf
ISER. Censo 2022: reflexões sobre religiões e sociedade. Debate com José Eustáquio Alves e Paul Freston, mediado por Christina Vital, 03/07/2025 https://www.youtube.com/watch?v=G
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José Eustáquio Diniz Alves
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.