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Branqueamento ‘catastrófico’ mata colônias inteiras de corais na maior barreira de recifes do mundo
Pesquisa revela que, com onda de calor nos oceanos, 44% das colônias monitoradas na Grande Barreira de Corais morreram após o processo de branqueamento
Mais de 40% das colônias de corais monitorados por pesquisadores da Universidade de Sydney, ao sul da Grande Barreira de Corais, na Austrália, foram mortos no surto de branqueamento de corais – provocado pela onda de calor no oceano. O evento de branqueamento em massa — o sétimo evento desse tipo na Grande Barreira de Corais desde 1998 e o quinto desde 2016 — foi “catastrófico”, concluiu o estudo, apontando que o surto o mais disseminado e impactante, já registrado pelos cientistas, a atingir o maior sistema de recifes do mundo.
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O estudo – publicado na Limnology and Oceanography Letters – foca no impacto das ondas de calor marinhas nos ecossistemas de corais, ao mesmo tempo em que fornece insights sobre a extensão do branqueamento e mortalidade de corais durante a onda de calor marinha global nos dois últimos anos. “Nossas descobertas ressaltam a necessidade urgente de ação para proteger os recifes de corais, que não são apenas pontos críticos de biodiversidade, mas também cruciais para a segurança alimentar e proteção costeira”, afirmou a bióloga marinha Maria Byrne, professora da Escola de Ciências da Vida e Ambientais da Universidade de Sydney, na apresentação do estudo.
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Veja o que já enviamosOs cientistas monitoraram a saúde de 462 colônias de corais em One Tree Island, na estação de pesquisa da universidade ao sul Grande Barreira de Corais, por um período de 161 dias, depois que o estresse térmico começou a deixar os corais brancos no início de 2024. “A Grande Barreira de Corais do sul, apesar de seu status de proteção, não foi imune ao estresse térmico extremo que desencadeou esse evento catastrófico de branqueamento”, enfatizou a professora Maria Byrne, que liderou a pesquisa, durante a apresentação.
Os corais são formados por coleções de centenas de milhares de pequenos animais, variedade que garante aquele colorido tradicional. O branqueamento de corais, explicam os pesquisadores, ocorre como uma resposta ao estresse térmico do aumento da temperatura do oceano, que afasta as algas dos recifes de corais, fazendo com que eles percam suas cores vibrantes. Embora um evento de branqueamento não esteja diretamente ligado à morte dos corais, estresses térmicos mais frequentes e intensos tornam os corais mais vulneráveis a doenças, retardando sua recuperação e limitando sua capacidade de desovar. “Passei de muito triste a muito irritada. Temos tentado transmitir a mensagem sobre as mudanças climáticas há séculos”, disse Maria Byrne ao jornal britânico Guardian.
Os corais podem ser encontrados em todo o oceano: os mais conhecidos vivem nas águas quentes e rasas dos trópicos, onde formam recifes deslumbrantes e multicoloridos. Os únicos recifes de coral do Atlântico Sul se concentram no Nordeste do Brasil, estendendo-se por cerca de 3.000 km ao longo da costa, desde o Maranhão até o sul da Bahia. De fevereiro de 2023 a julho de 2024, de acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos, o aumento da temperatura dos oceanos provocou o branqueamento de corais em 62 países – inclusive o Brasil – mas teve impacto maior na Grande Barreira dos Corais, da Austrália.
De acordo com a pesquisa da Universidadade de Sydney, em fevereiro de 2024, foi constatado que 66% das colônias monitoradas estavam branqueadas. Em abril, esse número havia saltado para 80%. Investigações posteriores descobriram que, em apenas três meses, até julho de 2024, 44% dessas colônias branqueadas morreram. Uma espécie de coral em particular, o famoso coral Acropora, teve uma taxa de mortalidade surpreendente de 95% durante esse período. “Esta pesquisa é um alerta para formuladores de políticas e conservacionistas. A resiliência dos recifes de corais está sendo testada como nunca antes, e devemos priorizar estratégias que aumentem sua capacidade de resistir às mudanças climáticas. Nossas descobertas ressaltam a necessidade de intervenções de gestão imediatas e eficazes para salvaguardar esses ecossistemas”, disse a geocientista marinha Ana Vila Concejo, vice-diretora da Estação de Pesquisa de One Three Island e coautora do estudo.
O estudo se aprofunda na complexa relação entre estresse térmico e doenças de corais. Durante o mesmo período, os corais Goniopora — por exemplo — foram observados desenvolvendo a doença da faixa preta que, por sua vez, contribuiu para a alta taxa de mortalidade da espécie. “Ver os impactos em um recife que evitou amplamente o branqueamento em massa até agora é devastador. As altas taxas de mortalidade e doenças, particularmente em uma área tão remota e intocada, destacam a gravidade da situação. Embora o status altamente protegido do recife possa não ter evitado os impactos da onda de calor, seu papel em facilitar a recuperação será crucial para observar”, afirmou a cientista marinha Shawna Foo, também na apresentação da pesquisa.
Localizada na costa do estado de Queensland, no nordeste da Austrália, a Grande Barreira de Corais é a maior do mundo: cobre uma área de cerca de 345 mil quilômetros quadrados e é famosa por sua biodiversidade, abrigando milhares de espécies de vida marinha. Em agosto, estudo publicado na revista Nature alertou que a atual geração provavelmente testemunhará o fim da Grande Barreira de Corais da Austrália, a menos que ações rápidas, coordenadas e ambiciosas sejam tomadas globalmente para reverter as mudanças climáticas.
Os cientistas chegaram a essa conclusão após analisar as tendências recentes da temperatura da superfície do mar. Eles descobriram que o calor extremo do oceano registrado entre janeiro e março de 2017, 2020 e 2024 — o ano mais quente registrado globalmente — foi o mais alto em 400 anos. Esses extremos, causados pela influência antropogênica no sistema climático, representam uma “ameaça existencial” ao ecossistema do recife. Nesse ritmo, concluiu o estudo, o recife corre o risco de sofrer “branqueamento de corais quase anual”, o que “ameaçaria ainda mais a função ecológica e o valor universal excepcional de uma das maiores maravilhas naturais da Terra”. De acordo com o relatório mais recente da Rede Global de Monitoramento de Recifes de Corais (GCRMN), o mundo perdeu aproximadamente 14% dos corais desde 2009.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade