ODS 1
Tradição reinventada em Kyoto
Jovens artesãos renovam ofícios clássicos e se organizam de acordo com os princípios da economia criativa
Kioto é uma cidade conhecida por sua rica história milenar. Mas há novas e boas razões para se juntar aos mais de 50 milhões de turistas (a grande maioria japoneses) que a cada ano visitam a antiga capital imperial do Japão. Jovens artesãos renovam os ofícios clássicos e se organizam de acordo com os princípios da economia criativa. Juntos, eles têm trazido um bem-vindo frescor a uma cidade onde a maioria das pessoas está em busca de seus mais de mil templos, palácios e jardins. Afinal, são 17 monumentos na lista da Unesco de patrimônios da Humanidade.
Ruas calçadas de pedra com antigas casas de madeira abrigam gueixas e lojas vendendo quimonos e espadas de samurai. Mas de alguns anos para cá artesãos de negócios historicamente ligados a Kioto, como a fabricação de utensílios para a cerimônia do chá em metal ou cerâmica e produtos em madeira e bambu, revigoraram o mercado criando novos objetos, mas utilizando as mesmas técnicas de sempre. A revista americana “Afar”, baseada em São Francisco, constatou em uma das suas edições no fim do ano passado: “Ainda há vida em Kioto”. A publicação havia feito uma comparação entre a cidade japonesa e Veneza, que considerou um lugar “superficialmente vivo para os turistas, mas perdendo a sua alma local”. Com os novos artesãos fazendo parcerias e inventando modas, a cidade de um milhão e meio de habitantes recebeu um sopro de ar fresco. Eles estão assumindo os negócios de família, que geralmente têm séculos, e se unindo em busca de novas oportunidades de trabalho usando as técnicas tradicionais.
Em Kioto há 1.139 empresas com mais de cem anos de existência (entre elas a Nintendo, fundada em 1889). Takahiro Yagi é da sexta geração de uma família que faz à mão latas de metal para folhas de chá. Sua empresa, a Kaikado, foi fundada em 1875. As latas podem ser de cobre, estanho ou latão e duram dezenas de anos. O processo de fabricação hoje não é muito diferente de 140 anos atrás. Foi de Yagi a ideia de expandir os negócios da família.
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Veja o que já enviamosNum salão de design em Milão, há dois anos, ele conheceu Masataka Hosoo, 12ª geração de uma família que trabalha na área de tecelagem desde 1688. Utensílios de chá em metal e tecidos em seda não poderiam ser mais diferentes, mas as duas famílias enfrentavam o mesmo desafio de criar novos produtos para ampliar a clientela e atrair compradores estrangeiros. Com outras três empresas de Kioto, estas especializadas em objetos em madeira, produtos com fibras de bambu e utensílios domésticos em malha de metal, e com a consultoria do escritório de design dinamarquês OeO, eles formaram o coletivo Japan Handmade.
O site dá uma ideia dos belos trabalhos feitos por estes artesãos japoneses com inspiração nórdica. Os “Cinco de Kioto”, como passaram a ser conhecidos, hoje na realidade são seis: um artesão da 15ª geração da família Matsubayashi, dedicada a utensílios de cerâmica para a cerimônia do chá na Asahiyaki, se integrou ao grupo. Juntos eles participam de feiras de design de Xangai a Paris, passando por Milão, claro.
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Murase Takaaki não faz parte do grupo dos cinco mais um, porém também é outro exemplo da renovação de Kioto. Ex-carpinteiro, na Re:planter ele cria bonsais e terrários em apresentações modernas, usando globos de vidro reciclado, alguns remanescentes de iluminação de rua. Takaaki guarda a terra e a areia que usa em seus minijardins em latas da Kaikado, feitas por Yagi e sua pequena equipe de jovens artesãos.
Kioto é considerada a capital cultural do Japão. Todo este movimento de inovação dos novos artesãos reforça ainda mais um design que é valorizado no mundo todo justamente por combinar tradição com uma atenção extrema aos detalhes. O governo da cidade reconhece o quanto o artesanato tradicional e exclusivo é importante para atrair ainda mais visitantes. “Pretendemos aumentar o número de lojas tax-free para produtos clássicos que só podem ser encontrados em Kioto”, diz Mayo Meno, diretora do escritório de turismo. Mayo acrescenta que hoje há 715 lojas que dão descontos de 8% para estrangeiros em compras de produtos artesanais acima de 10 mil ienes, ou cerca de US$ 85 (em torno de R$ 350).A valorização do artesanato local, único, atrai também turistas de maior poder aquisitivo. A diretora do escritório de turismo de Kioto participou mês passado da ILTM (International Luxury Travel Market), a maior e mais importante feira voltada para o mercado do turismo de luxo, realizada em Cannes, no Sul da França. Há menos de dois anos foi inaugurado em Kioto um hotel Ritz-Carlton. Para este ano, está prevista a abertura de um Four Seasons, que será decorado com trabalhos de artistas locais. Ano passado, segundo dados divulgados este mês pela Japan National Tourism Organization (JNTO), o Japão recebeu 19,7 milhões de turistas internacionais, sendo cinco milhões de chineses. Do número total de visitantes, mais de 11 milhões estiveram em Kioto, a duas horas e meia de Tóquio por trem-bala. O número de turistas do mercado de luxo aumentou 35% em relação ao ano anterior.
Carla LencastreJornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou por mais de 25 anos na redação do jornal O Globo nas áreas de Comportamento, Cultura, Educação e Turismo. Editou a revista e o site Boa Viagem O Globo por mais de uma década. Anda pelo Brasil e pelo mundo em busca de boas histórias desde sempre. Especializada em Turismo, tem vários prêmios no setor e é colunista do portal Panrotas. Desde 2015 escreve como freelance para diversas publicações, entre elas o #Colabora e O Globo. É carioca e gosta de dias nublados. Ama viajar. Está no Instagram em @CarlaLencastre