ODS 1
Passagens de ônibus: quem vai pagar a conta?
Ou se discute esse tema ou continuaremos vendo reajustes em dezembro e espancamentos em janeiro
Em junho de 2013, milhares de jovens foram às ruas protestar contra o preço das passagens de ônibus. Não era pelos R$ 0,20, mostravam os cartazes, era uma questão de direito. Seis meses depois, logo após a virada do ano, as tarifas do transporte público no Rio subiram novamente. Passaram de R$ 2,75 para R$ 3,00. Os 20 centavos do meio do ano haviam se transformado em 25. Veio a Copa do Mundo, as eleições e pronto: novo aumento. Agora para R$ 3,40. Acabou, Jéssica? Claro que não. Crise econômica, crise política, lava-jato, Eduardo Cunha e mais um reajuste: R$ 3,80.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Partimos da premissa, completamente falsa, de que o passageiro é que tem que arcar sozinho com o valor da passagem. Não é verdade: um levantamento feito em 22 cidades da Europa mostrou que o passageiro jamais paga o preço cheio da passagem.
[/g1_quote]Ganha uma bala Juquinha quem adivinhar o que vai acontecer em janeiro de 2017. Exatamente. Mais uma subida de preço. R$ 4,20? R$ 4,30? Façam suas apostas. Na verdade, pouco importa o valor. Para ser honesto e deixar o leitor que chegou até aqui bastante revoltado, acho até que está barato. É isso mesmo. Quanto deveria custar um ônibus confortável, pontual, silencioso, limpo, com ar-condicionado, onde todos viajassem sentados e que fosse dirigido por motoristas simpáticos, gentis e bem pagos? Certamente não seria R$ 3,80. Talvez R$ 6,00, quem sabe R$ 8,00. Seria o fim do mundo?
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Veja o que já enviamosNão, não seria. O problema é que estamos – inclusive os jornalistas – fazendo, há anos, as perguntas erradas. Chega em dezembro, janeiro e queremos saber o tamanho do reajuste e o valor da passagem. Como se fosse assim mesmo e nada pudesse ser feito. Quando as perguntas fundamentais não são essas. Precisamos saber, antes de mais nada, que nível de serviço ou padrão de qualidade terão os transportes nas nossas cidades. Feito isso, vem a questão que rege a vida na Terra: Quem vai pagar a conta?
Partimos da premissa, completamente falsa, de que o passageiro é que tem que arcar sozinho com o valor da passagem. Não é verdade: um levantamento feito em 22 cidades da Europa mostrou que o passageiro jamais paga o preço cheio da passagem. O desembolso vai de 26% do total, em Praga, até 72%, em Cádiz, na Espanha. Ou seja, se o transporte ideal, aquele seguro, confortável e limpo, custasse os hipotéticos R$ 6,00, o passageiro de Praga pagaria R$ 1,56 e o de Cádiz, R$ 4,32.
Existem várias formas de fazer essa conta. As mais clássicas dividem a fatura em 4 partes: o passageiro paga 25%, a prefeitura paga 25%, por meio dos subsídios, as empresas públicas e privadas pagam 25% e os motoristas de carro pagam 25%, via taxas ou impostos como a Cide (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico). Injusto? Claro que não. As empresas precisam que os seus funcionários cheguem no horário, descansados e prontos para trabalhar. Logo, deveriam incentivar o transporte de massa. Os carros são bens privados que ocupam e engarrafam indevidamente espaços que deveriam ser públicos e usados, prioritariamente, por trens, metrôs, ônibus, bicicletas e pedestres. Aliás, cobrar mais pelos estacionamentos também é uma boa saída.
Hoje, a cidade de São Paulo já tem subsídios para o transporte público, da ordem de 30%. O resto é pago pelos passageiros. Empresas e motoristas particulares não pagam nada. No Rio, a conta fica toda com os passageiros. O prefeito Eduardo Paes já disse, mais de uma vez, que não quer saber de subsidiar passagens. Como não existe mágica, o que ele faz? Aceita um serviço de qualidade pior e pune os usuários com tarifas mais altas. O dinheiro que poderia ser usado para sanar esses dois problemas básicos vai para obras mais vistosas, como o Porto Maravilha e o Parque de Madureira.
Um estudo do IPEA mostra que, em dez anos, as tarifas subiram 192%, contra uma inflação de 125%. Ficaram mais caras por conta dos salários dos rodoviários, do preço do diesel e, principalmente, devido à redução no número de passageiros. A classe média, incentivada pelo IPI baixo, foi andar de carro. A omissão dos governos turbinou as vans, operadas, boa parte das vezes, por milicianos. Um terceiro grupo, dos mais pobres, parou de andar de ônibus. Não tem dinheiro sequer para pagar a passagem.
Há quem diga que o problema é da ganância dos empresários de ônibus. Certamente eles têm uma boa parte da culpa. A história mostra que falta transparência e sobram denúncias de negócios pouco ortodoxos. No entanto, eles possuem uma concessão, um contrato para prestar um serviço, que tem data para começar e terminar. Podem ser substituídos. O ex-governador Brizola fez isso, sem muito sucesso. A questão é que se tirarem o Barata e puserem o Obama, a Merkel ou Zuckerberg, ainda assim haverá um serviço a ser prestado, com um determinado nível de qualidade e uma conta para ser paga. Ou discutimos isso seriamente ou vamos continuar testemunhando os reajustes automáticos em dezembro e os espancamentos de estudantes em janeiro.
Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.
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