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Veja o que já enviamosGuardiães do PNAE no front: desafios do monitoramento e controle social da alimentação escolar
Integrantes dos conselhos criados para fiscalizar aplicação de recursos e cumprimento de objetivos sofrem com insegurança e falta de autonomia
(Luana de Lima Cunha* e Mariana Santarelli**) – A participação social é o exercício da democracia e da exigibilidade de direitos básicos, como o acesso à saúde, à educação e à alimentação. E a participação da sociedade civil na formulação e controle social de políticas públicas de alimentação escolar é feita através dos Conselhos de Alimentação Escolar, mais conhecidos como CAEs.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) atende mais de 40 milhões de estudantes da rede básica de ensino, nos 5.570 municípios brasileiros. Sua trajetória recente está muito associada ao processo de construção da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). E fortemente influenciada pelas organizações e movimentos sociais que atuaram no processo de formulação e aprovação da Lei 11.947/2009, a lei do PNAE – atendendo aos princípios do Direito Humano à uma Alimentação Adequada e Saudável (DHANA).
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Pautado nos princípios da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), o novo marco legal institucionalizou a alimentação escolar como um direito humano a ser assegurado pelo estado brasileiro, determinou que os cardápios devem ser baseados em uma alimentação adequada e saudável, priorizando a utilização de alimentos produzidos localmente e tornou obrigatória a presença de nutricionistas como responsáveis técnicos.
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Veja o que já enviamosA lei também criou os Conselhos de Alimentação Escolar (CAE) com o objetivo de fiscalizar a aplicação dos recursos e o cumprimento dos objetivos do PNAE. Os CAEs são – ou deveriam ser – os grandes guardiões da alimentação escolar e de suas diretrizes, mas ainda são muitas as fragilidades nas condições de funcionamento destas instâncias.
Os CAEs são órgãos fiscalizadores, permanentes, deliberativos e de assessoramento das secretarias de educação e prefeituras municipais. São compostos por representantes do poder executivo, de trabalhadores/as da educação e de discentes, representantes de pais de estudantes e de entidades civis organizadas. Os membros exercem 4 anos de mandato, de um trabalho voluntário (não remunerado).
Para que municípios e estados recebam os recursos do PNAE, repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o financiamento da alimentação escolar, é obrigatória a existência de um CAE. As condições para a atuação das conselheiras e conselheiros devem ser garantidas pelas entidades executoras do PNAE – secretarias de educação dos estados e municípios. Caso não exista o CAE ou as condições necessárias para o seu funcionamento, o FNDE fica autorizado a suspender os repasses dos recursos do PNAE.
Em 2023, o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) ouviu 513 conselheiras e conselheiros de Conselhos de Alimentação Escolar, Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional (Conseas), Conselhos de Educação e representantes da sociedade civil em estados e municípios das cinco regiões do país. O objetivo era compreender as condições de transparência, monitoramento e controle social do PNAE.
A grande maioria (306) eram membros de CAEs, sendo a categoria mais representada as entidades de trabalhadores(as) da educação e discentes (36%), representantes de pais/mães de estudantes (21%) e organizações não governamentais, redes e fóruns (8,8%). O perfil é composto, majoritariamente, por mulheres (71%), pessoas negras (55%), com mais de 34 anos de idade (87%) e atuantes em municípios de grande porte (35%).
Os principais problemas da alimentação escolar indicados foram: número insuficiente de nutricionistas (31%) e cozinheiras escolares (32%), inadequada infraestrutura e a falta de equipamentos adequados nas cozinhas escolares (36%), baixa participação da sociedade civil nos conselhos (33%) e o baixo investimento financeiro por parte do estado ou município (30%).
Uma das regras fundamentais do PNAE é que a base da alimentação seja a utilização de alimentos in natura ou minimamente processados, além do percentual mínimo de 30% de compras da agricultura familiar, assegurando prioridades estabelecidas em lei.
Quando perguntados sobre as principais razões para as dificuldades enfrentadas no cumprimento das diretrizes do PNAE referente à restrição de produtos ultraprocessados e à obrigatoriedade de compra de alimentos da agricultura familiar, são apontadas a falta de vontade política por parte das autoridades públicas e a ausência de ações que promovam uma alimentação adequada e saudável.
De acordo com a pesquisa, uma das principais atividades de monitoramento são as visitas às escolas da sede do município/estado (85%), contrastando com as visitas às escolas das periferias das cidades, escolas rurais, indígenas e quilombolas (46%). Os acolhimentos e averiguação de denúncias (46%) e a comunicação de irregularidades (45%) são atividades menos frequentes.
A ausência de capacitação é a principal insatisfação referente às condições para que o CAE exerça sua função. Menos de 30% disseram conhecer o Guia Alimentar para a População Brasileira. E 30% não sabem como realizar denúncias em caso de irregularidades. A grande maioria (95%) deseja participar de atividades de capacitação.
É alarmante a quantidade de conselheiras e conselheiros que sofrem com ameaças, assédio moral, ou medo. Ao menos 15% conhecem alguém que já sofreu ameaças ou assédio moral por parte de autoridades públicas no exercício do controle social do PNAE. Outros 9% preferiram não responder. Não há liberdade para uma atuação crítica e propositiva, segundo 12%.
Boa parte das respostas sobre o porquê desta falta de liberdade apontam que, em vários casos, representantes da sociedade civil são indicados/as por governantes ou até mesmo servidores públicos, comprometendo a atuação crítica e autônoma, até mesmo por receio de perseguição política.
O que essa escuta a conselheiras e conselheiros nos mostra é que não é nada fácil o exercício do controle social nos territórios. Não são oferecidas condições adequadas, não há formação suficiente, sendo este um ofício voluntário que é também arriscado. Para que possam exercer adequadamente sua função, conselheiros e conselheiras da sociedade civil precisam contar com um processo permanente e continuado de capacitação e segurança.
É preciso enfrentar esta realidade de insegurança e falta de autonomia com regras mais explícitas, restrições mais enfáticas e mecanismos de controle sobre a composição dos CAEs. Cabe também apoio do FNDE ao Fórum Nacional dos Conselhos de Alimentação Escolar. É necessário que seja estabelecido um fluxo de exigibilidade do PNAE, com definições mais evidentes e amplamente divulgadas sobre os canais de acolhimento e averiguação de denúncias, com o devido suporte e proteção para conselheiras e conselheiros no exercício de sua função.
A versão completa deste artigo está disponível no Dossiê ÓAÊ – 2023/2024 – Diversidades e desigualdades na alimentação escolar. A publicação contém artigos e entrevistas com debates e análises diante das determinações legais e o que acontece no mundo real da alimentação escolar. Acesse e baixe no site alimentacaoescolar.org.br.
*Luana de Lima Cunha é nutricionista, especialista em saúde da família do campo, pesquisadora no grupo de extensão e pesquisa CulinAfro (UFRJ-Macaé), integrante da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e é assessora executiva e de pesquisa no Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)
**Mariana Santarelli é pesquisadora no Centro de Referência de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (CERESSAN) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), relatora nacional para o direito humano à alimentação da Plataforma Dhesca Brasil, membro do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar (FBSSAN) e coordenadora de projetos do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ).
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