Com quantos milhões se faz uma bioeconomia?

Modelo de bioeconomia precisa colocar povos da floresta e do campo e suas tecnologias no centro das ações para não reproduzir práticas coloniais de dominação

Por Júnior Aleixo | ArtigoODS 12 • Publicada em 12 de julho de 2022 - 09:37 • Atualizada em 30 de novembro de 2023 - 15:17

Bioeconomia: artigo alerta para modelo envolvendo agronegócio

As estratégias dos bancos privados estabelecidos no Brasil para estímulo às cadeias globais sustentáveis ancoradas na narrativa sobre a bioeconomia estão fundamentadas na alegação de que preenchem uma lacuna entre a necessidade dos produtores em construir soluções para os impactos das mudanças climáticas e a limitação dos bancos públicos em fornecer crédito público para estas e outras ações.

Dessa forma, essas instituições passaram a financiar projetos e políticas supostamente públicas, como o Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC) e projetos de Integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), com foco em testar produtos financeiros e sistemas agrícolas considerados inovadores e sustentáveis, além de financiarem de maneira ampla inscrições de produtores e fornecedores de grandes tradings no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

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As políticas de créditos de importantes instituições internacionais que lideram rankings globais de operações com base em categorias de sustentabilidade, como é o caso do Rabobank, são diversas. Em 2018, o banco assumiu um acordo com o Sicredi para fornecimento de crédito para produção agrícola sustentável (1), programa que fortaleceu ainda mais a parceria do banco com a cooperativa de crédito, uma vez que já possui cerca de 23% de participação na instituição. Até o primeiro semestre de 2020 o Rabobank já havia disponibilizado cerca de 3,2 bilhões de euros para o crédito agrícola com rótulo sustentável no Brasil (2)

No final de junho deste ano, a maior produtora de açúcar do país e uma das maiores do mundo, a Tereos Açúcar e Energia Brasil, subsidiária do conglomerado francês Tereos, fechou um contrato de financiamento com coordenação de sustentabilidade do Rabobank no valor de 143 milhões de dólares com o rótulo de produção sustentável e submetido a metas verdes, como a redução da emissão de gases de efeito estufa.

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Além disso, uma das principais iniciativas idealizada pelos bancos privados no Brasil, para estímulo da bioeconomia baseada na aplicação intensiva de biotecnologia, agricultura 4.0, na operacionalização e mercadorização de serviços e práticas ambientais (créditos de carbono e pagamentos por serviços ambientais), assim como na reformulação de soluções ambientais a partir dos bens comuns, está na criação do Plano Amazônia e do Conselho Consultivo da Amazônia, capitaneado pelos bancos Itaú, Bradesco e Santander em parceria com pesquisadores, organizações e entidades, como a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e a Sociedade Rural Brasileira – SRB (3).

O Plano engloba 10 medidas e propostas (4) para incentivar o que o que intitulam como desenvolvimento sustentável. Tais medidas são divididas em três categorias de prioridades para a região: i) conservação ambiental e desenvolvimento da bioeconomia; ii) investimento em infraestrutura sustentável; e iii) garantia de direitos da população da região.

Fazem parte do Conselho Consultivo: Adalberto Luís Val, biólogo e pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia); Adalberto Veríssimo, pesquisador associado e cofundador do Imazon, um dos principais centros de pesquisa e ação estratégica da Amazônia, e diretor de programas do Centro de Empreendedorismo da Amazônia; André Guimarães, diretor executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), co-facilitador da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura; Carlos Afonso Nobre, cientista destacado principalmente na área dos estudos sobre Mudanças Climáticas e Amazônia e atual responsável pelo projeto Amazônia 4.0; Denis Minev, diretor-presidente das Lojas Bemol, cofundador da Fundação Amazonas Sustentável, do Museu da Amazônia e da Plataforma Parceiros pela Amazônia; a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira e, por fim, Teresa Vendramini, ou Teka Vendramini, pecuarista e socióloga, atual presidente da entidade de classe Sociedade Rural Brasileira (SRB) e defensora da simplificação da regularização fundiária e ambiental (5) no país.

Dentre os projetos previstos, já estão em funcionamento as linhas de financiamento agrícola específicas e diferentes ferramentas financeiras para viabilizar investimentos ditos sustentáveis para o setor da pecuária bovina e frigoríficos. Em 2022 já ultrapassaram a marca de R$ 100 milhões em créditos para a agroindústria na região, sobretudo as que cultivam produtos amazônicos, como o açaí. Em parceria com importantes escritórios jurídicos do país estão elaborando relatórios e reunindo informações para construir um mapeamento do quadro fundiário da região, principalmente porque há uma preocupação na regularização fundiária das terras que foram ocupadas na década de 1970 durante a chama Revolução Verde e que ainda não foram regularizadas (6).

Em um documento intitulado “Guidelines for the Sustainable Development of Brazilian Agriculture” (7) elaborado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e apresentado em janeiro de 2020 em Berlim (Alemanha),  foram apresentadas diretrizes para desenvolver uma agricultura sustentável no Brasil, dentre elas: i) melhoria de instrumentos que geram renda para preservação ambiental; ii) manejo florestal e pagamento por serviços ambientais (Cota de Reserva Ambiental – CRA); iii) estruturação de novos instrumentos financeiros que possam maximizar fundos financeiros para a produção agrícola sustentável; e iv) investimentos na bioeconomia.

A noção de produção e produtividade sustentável e a incorporação dessas dinâmicas verdes no setor agroindustrial, em particular, e no agronegócio, em geral, possibilita a criação de uma precificação e a dinamização do valor financeiro dos recursos naturais e da terra. Exemplo da mercadorização das florestas, dos projetos de infraestrutura e logística, mudanças no uso do solo, assim como da agricultura sustentável serem negociados em mercados de crédito de carbono e acordos de Redução de Emissões por Diminuição do Desmatamento (REDD+).

A noção de bioeconomia tal qual estabelecida por essas instituições está atreladaa aos modelos de negociações sobre os serviços ambientais e agricultura sustentável que extrapolam a noção de financiamento e crédito rural para projetos produtivos. As linhas de crédito e fundos de impacto social, como intitulam, estabelecem, em primeira instância, uma preocupação cujas ações possam gerar dividendos sobre os investimentos supostamente sustentáveis.

Percebe-se que se trata de uma relação público-privado que envolve o setor agropecuário, o Estado brasileiro e instituições financeiras. O objetivo em regularizar territórios, sobretudo em regiões que expõem um caos fundiário evidente, como é o caso dos estados amazônicos, passa por uma construção de garantia e segurança jurídica para os potenciais investidores. Além disso, a narrativa sobre um agronegócio verde e sustentável garante um maior aporte financeiro para o principal setor produtivo do país organicamente integrado ao mercado de capitais e ávido pela redução das questões ambientais e climáticas para o mercado de carbono.

Ao contrário das práticas restritas às operações no mercado de crédito de carbono e fundos financeiros ditos sustentáveis, as soluções ambientais construídas historicamente pelos povos das florestas, das águas e do campo não são alternativas ao modelo que está imposto. Elas são indispensáveis. Por isso mesmo, uma bioeconomia que não se comprometa em colocar essas populações e suas respectivas tecnologias no centro de suas ações continua reproduzindo práticas coloniais de dominação.

Notas

1.Esse acordo foi assinado dentro do programa Kickstart Food na categoria “terra”. Mais informações disponíveis em: https://www.rabobank.com/en/raboworld/articles/collaboration-stimulates-brazilian-farmer-self-reliance.html
2.Mais informações disponíveis em: https://www.rabobank.com/en/images/02-interim-report-2020.pdf
3.Mais informações disponíveis em: https://www.investidorinstitucional.com.br/sessoes/mercados/institucional/34851-bancos-divulgam-sete-integrantes-do-conselho-consultivo-amazonia.html
4. Mais informações disponíveis em: https://www.investidorinstitucional.com.br/sessoes/mercados/institucional/34851-bancos-divulgam-sete-integrantes-do-conselho-consultivo-amazonia.html
5.Mais informações disponíveis em: https://www.canalrural.com.br/noticias/economia/agronegocio-precisa-de-seguranca-juridica-diz-presidente-da-srb/
6.Mais informações disponíveis em: https://cms.santander.com.br/sites/WPS/documentos/arq-plano-amazonia-fundiaria/22-01-11_131239_plano%20amazonia%20e%20regulariza%C3%A7%C3%A3o%20fundi%C3%A1ria.pdf
7.Mais informações disponíveis em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/semana-verde-na-alemanha/ExecutiveSummary.pdf

Júnior Aleixo

Junior Aleixo é doutorando de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ, pesquisador do GEMAP/UFRRJ e Especialista de Justiça Climática na ActionAid Brasil

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