ODS 1
Golfe: esporte popular em Japeri
Associação Golfe Público de Japeri
Japeri é um dos municípios mais pobres do Rio de Janeiro. Lá falta praticamente tudo. Não tem saneamento básico, as ruas não são asfaltadas e as crianças ficam na escola menos tempo do que em outras instituições de ensino carioca. Sem falar nos altos índices de violência e de alcoolismo dos moradores locais. O conjunto de predicados negativos faz Japeri ostentar um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) do estado. Conhecido por ser a última parada dos trens que partem da Central do Brasil, o município vai atrair as atenções neste ano de olimpíadas. É que Japeri abriga o primeiro e único campo de golfe público do país: a Associação Golfe Público de Japeri (AGPJ).
Identificado como esporte de elite, o campo de golfe de Japeri tem características olímpicas e status de oficial. São nove buracos espalhados por 70 hectares – o equivalente a cinco campos de futebol oficiais. Entre os vizinhos, de um lado uma reserva ecológica de 700 hectares; de outro, um lixão, o que aproxima frequentadores ilustres da triste realidade sócioeconômica do município, como é o caso do ex-presidente do Banco Central, o golfista Armínio Fraga. Ele é um dos padrinhos do projeto, que nasceu em 2005. A Escola de Golfe foi inaugurada no ano seguinte.
Jogar só não basta
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Veja o que já enviamosComprovação de regularidade escolar e rendimento satisfatório nos estudos são précondições para a criança, ou o jovem, se manter no projeto. A idade mínima para entrar em campo é 6 anos e a máxima, 18. A partir da maioridade, alguns são integrados ao projeto como auxiliar dos técnicos. Apesar de identificado como um esporte masculino, o golfe de Japeri não é um “clube do Bolinha”. Meninas estão entre os 120 alunos, que obrigatoriamente têm que comprovar residência fixa em Japeri ou Engenheiro Pedreira.
Vitória Monteiro, 17 anos, é considerada uma promissora golfista. Ela está no projeto há três anos e, neste período, já se destacou em competições femininas. O projeto mudou sua vida: seu rendimento escolar melhorou e ela já ficou em primeiro lugar no ranking estadual na categoria D, antes de completar 13 anos
Filho de pintor com uma dona de casa, Breno Domingues, 19 anos, entrou para a faculdade graças ao golfe. Seu ídolo é o campeão americano Jordan Sphith: “Gostaria de ser como ele”. Sua vida começou a mudar há uma década quando passou a frequentar a Escola de Golfe de Japeri. Além de virar universitário, já conheceu São Paulo, Curitiba e Salvador, onde viajou para disputar campeonatos.
Cristian Barcelos, 21 anos, é outro destaque na escolinha. Em 2009, viajou para Flórida, nos Estados Unidos, para treinar na David Leadbetter Golf Academy, da IMG Academies, uma das melhores clínicas de golfe do mundo. Ele viajou com Anderson, outra revelação de Japeri.
Exceção à regra
Contando com um orçamento anual de R$ 450 mil, obtidos a partir de patrocínios, parcerias e apoios, como o da Coca Cola, da Granato e do Gávea Golf Club, a Associação Golfe Público de Japeri é uma exceção à regra no universo das entidades do terceiro setor. No site, a prestação de contas é publicada desde 2006 e a partir de 2010, passou a constar também a versão em inglês do relatório de atividades.
Ao todo 13 funcionários. Todos com carteira assinada. E entre os voluntários estão a ex-atleta profissional e campeã brasileira Vicky Whyte, presidente do Japeri Golfe – única mulher da América Latina no Conselho Internacional da Royal and Ancient Golf Club de St. Andrews (R&A, a Fifa do golfe) – e Rafael Navarro, principal nome do esporte no país na década de 80, professor das clínicas de golfe que acompanha os alunos de Japeri em temporadas de campeonatos.
As histórias de superação são apenas um capítulo do projeto, que já nasceu para promover a inclusão social. Tudo começou quando o garçon Jair Medeiros, nascido em Japeri, foi convidado a fazer um teste para atuar como caddies no Gávea Golf Club. Foi quando entrou em campo para auxiliar jogadores carregando os tacos. Contratado pelo clube, Jair abandonou de vez a vida de garçon e começou a levar amigos e vizinhos de Japeri para trabalharem como caddie. Em pouco tempo, o Gávea passou a empregar 35 profissionais de Japeri. Em 1994, o grupo realizou o primeiro torneio amador de golfe entre as vacas de um pasto só de caddies, no município da Baixada Fluminense.
A ideia de criar um campo de golfe em Japeri foi de Jair, mas quem viabilizou o sonho foi Vicky. Vice-presidente técnica da Confederação Brasileira de Golfe (CBG), ela atua nos bastidores dos torneios e controla a organização dos campeonatos nacionais. Com igual paixão, se dedica às crianças e jovens de Japeri. Muitos golfistas destinam tempo, dinheiro, conhecimento e até suas casas para o projeto.
São muitos os que hospedam os jovens durante os campeonatos, outros compram tacos, bolas e uniformes novos – equipamentos nada baratos – e emprestam conhecimento, jogando lado a lado com os meninos e meninas de Japeri, que sonham com encaçapar a bola em uma única jogada, o tão ambicionado “holy one”.
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Celina Côrtes trabalhou 12 anos no Jornal do Brasil. Transitou entre as editorias de ecologia e cultura, onde foi repórter do Caderno B. Teve uma breve passagem pelo O Globo, como chefe de reportagem dos jornais de bairro, pela TV Bandeirantes e pelo Dia. Trabalhou por 11 anos na revista IstoÉ. É autora dos livros "Ilha da Trindade - veo de mysterio à flor dagua", "Procura-se um milagre, três mulheres no Caminho de Santiago" e "Útil ao agradável, histórias de amor, humor e boa forma".