Muito pirarucu e pouco mercado

Projeto Gosto da Amazônia busca reforçar pesca sustentável e aumentar consumo da maior peixe de água doce do mundo em outras partes do Brasil

Por Barbara Lopes | ODS 12ODS 14 • Publicada em 1 de outubro de 2019 - 11:24 • Atualizada em 2 de outubro de 2019 - 00:11

Pesca de pirarucu no sul do Amazonas: projeto Gosto da Amazônia levou chefs de cozinha do Rio de Janeiro até a Terra Indígena Paumari, para conhecer o manejo sustentável do pirarucu e seus impactos econômicos, sociais e ambientais na região (Foto: Marizilda Cruppe)
Pesca de pirarucu no sul do Amazonas: projeto Gosto da Amazônia levou chefs de cozinha do Rio de Janeiro até a Terra Indígena Paumari, para conhecer o manejo sustentável do pirarucu e seus impactos econômicos, sociais e ambientais na região (Foto: Marizilda Cruppe)
Pesca de pirarucu no sul do Amazonas: projeto Gosto da Amazônia levou chefs de cozinha do Rio de Janeiro até a Terra Indígena Paumari, para conhecer o manejo sustentável do pirarucu e seus impactos econômicos, sociais e ambientais na região (Foto: Marizilda Cruppe)

Há 20 anos, o pirarucu – o maior peixe de água doce com escamas do mundo, que pode alcançar três metros de comprimento e 250 quilos – corria risco de extinção pela caça predatória. Vinte anos depois, com o manejo comunitário por indígenas e ribeirinhos do pirarucu selvagem já estabelecido em 34 áreas protegidas pelo Ibama, o problema é o oposto: há muito pirarucu e pouco mercado. Os pescadores, sem estrutura, ficam restritos ao mercado da Amazônia e têm dificuldades de escoar sua produção.

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O projeto Gosto da Amazônia surgiu para suprir a necessidade de escoamento do peixe para fora da Região Amazônica e reduzindo o número de intermediários. Para isso, as comunidades envolvidas precisam se organizar para dar conta de atender a quatro tópicos: proteger o peixe e o ambiente onde ele vive; aumentar sua população; realizar a pesca de forma sustentável; vender seu produto por um preço que remunere de forma justa a comunidade.

“O manejo é prioritariamente um processo comunitário. Antes, o processo era muito individual. Depois que houve essa organização do manejo, tem a parte da comunidade que vigia, a que pesca, a que eviscera e a que comercializa. Tudo isso traz uma cultura muito interessante para a comunidade”, afirma Adevaldo Dias, representante da Asproc – Associação dos Produtores Rurais de Carauari, município no interior do Amazonas, à margem do Rio Juruá.

[g1_quote author_name=”Adevaldo Dias” author_description=”Representante da Associação dos Produtores Rurais de Carauari” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

O pirarucu de manejo vem de um processo de organização das comunidades ribeirinhas, onde elas selecionam aquele ambiente, chamados de lagos, que vão proteger durante 12 meses, para depois ter autorização do Ibama para pescar ali. Elas não prendem o pirarucu, mas garantem que ninguém o incomode naquele ambiente e também que não desmatem ali perto

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O período autorizado para a pesca do pirarucu é somente entre os meses de agosto a novembro, quando o nível da água dos rios está baixo e formam verdadeiros lagos onde o peixe fica retido e pode ser pescado. A quantidade da pesca não pode ultrapassar 30% do total de peixes adultos (com mais de 1,5 metro). E mesmo com essas restrições, o potencial de produção manual gira em torno de três mil toneladas, quantidade que torna possível atender a todas as regiões do país.

São grandes as diferenças entre o pirarucu de cativeiro e o de manejo. O pirarucu de cativeiro não faz mal à natureza, mas não traz benefício. Além disso, em cativeiro, a alimentação não é natural, mas realizada com ração que, geralmente, tem ingredientes transgênicos e antibióticos. Muitos alimentam o peixe com corante para que alcance a coloração avermelhada do pirarucu selvagem. Já o de manejo se mantém em seu habitat e sua alimentação é natural. Por isso, seu ambiente é preservado, ajudando a floresta e toda a fauna da região. Da mesma forma, com espaço para nadar, o pirarucu tem a musculatura diferente dos peixes de cativeiro, o que também diferencia seu sabor. Em cativeiro, o peixe tem, em média, 12 kg. Já com o manejo, a média é de 65 kg.

“Só tem pirarucu se a floresta existir e for conservada”, afirma Adevaldo. Ele argumenta que, quando as comunidades se unem para realizar o manejo, elas se mantêm organizadas para buscar melhorias. “O pirarucu de manejo vem de um processo de organização das comunidades ribeirinhas, onde elas selecionam aquele ambiente, chamados de lagos, que vão proteger durante 12 meses, para depois ter autorização do Ibama para pescar ali. Elas não prendem o pirarucu, mas garantem que ninguém o incomode naquele ambiente e também que não desmatem ali perto”, explica.

Chefs do Rio na Amazônia

O projeto Gosto da Amazônia contou com cinco etapas iniciais. A primeira etapa foi distribuir o produto a 15 chefs que analisaram o peixe e criaram receitas. A segunda contou com cursos práticos no SindRio com receitas de pirarucu para chefs e outros profissionais da área de gastronomia. A terceira etapa foi a mais esperada: alguns chefs selecionados foram à Amazônia para conhecer a pesca do pirarucu, aprender receitas da região com chefs locais e indígenas, conhecer as comunidades e os impactos sociais e ambientais que o manejo possibilitou. A quarta etapa foi a participação do Gosto da Amazônia no Rio Gastronomia, o maior evento gastronômico do país. A última etapa é o festival no Cadeg (Mercado Municipal do Rio), até 6 de outubro, que, além da venda de pratos com pirarucu, conta outros produtos da Amazônia como café, chocolate e bijuterias.

Posta de Pirarucu no restaurante O Costelão, durante o Festival Gosto da Amazônia na Cadeg: peixe elogiado por sabor e textura (Foto: Divulgação)
Posta de Pirarucu no restaurante O Costelão, durante o Festival Gosto da Amazônia na Cadeg: peixe elogiado por sabor e textura (Foto: Barbara Lopes)

Segundo Sérgio Abdon, um dos idealizadores do projeto e consultor do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), os restaurantes participantes no Cadeg estão muito satisfeitos como resultado alcançado: “A gente trouxe quatro toneladas, que estão acabando, e tem mais cinco toneladas encomendadas. Como é um mercado que consome, prioritariamente, carne vermelha, estamos muito satisfeitos com a receptividade. Quando a gente percebe que quem provou, gostou muito, é quando precisamos fazer mais pessoas provarem. Estamos começando bem”, comemora. 

[g1_quote author_name=”Teresa Corção” author_description=”Chef do restaurante O Navegador” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

É um peixe muito interessante, muito grande, que você pode aproveitar totalmente. O sabor muito delicado junto com a textura firme faz com que o pirarucu seja aproveitado de várias formas – caldeiradas, molhos amanteigados ou de creme, moqueca. É um peixe resistente e não desmancha

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A chef Teresa Corção, do restaurante O Navegador e criadora do Instituto Maniva, já havia cozinhado o pirarucu no Rio de Janeiro, mas, na época, não tinha consciência de sua origem. “É um peixe muito interessante, muito grande, que você pode aproveitar totalmente. O sabor muito delicado junto com a textura firme faz com que o pirarucu seja aproveitado de várias formas – caldeiradas, molhos amanteigados ou de creme, moqueca. É um peixe resistente e não desmancha”, afirma Teresa, também uma das idealizadoras do projeto Gosto da Amazônia. 

Para a chef, o que mais surpreendeu no pirarucu foi o seu sabor delicado e a versatilidade, já que é adequado para o preparo em diferentes receitas. Na viagem com os outros chefs, Teresa descobriu muitas receitas com o pirarucu e destaca a Barriga Assada de pirarucu e, principalmente, o Torresmo de pirarucu, quitute feito com a ponta da barriga do peixe, ensinado pelo chef Milton Rôla, do restaurante Estória do Pescador, de Manaus, que – ela garante – é ainda mais saboroso do que o tradicional torresmo de carne de porco.

Como as partes do pirarucu são comercializadas limpas e congeladas, não há desperdícios. O peixe não tem espinhas e o couro também é vendido e muito utilizado na indústria da moda no Brasil e no exterior. De acordo com os chefs, determinadas partes do peixe são mais indicadas para preparos específicos, como a barriga, que é indicada para ser assada, e o lombo, adequado para a preparação de pratos crus, como o ceviche.

O projeto Gosto da Amazônia espera que, após essas cinco etapas iniciais, mais restaurantes do Rio de Janeiro passem a adotar o pirarucu de manejo em seus cardápios, já que muitos consumidores tiveram a oportunidade de provar os sabores do peixe e também conhecer os benefícios do manejo sustentável. Com isso, um importante passo terá sido dado na valorização do pirarucu de manejo no Rio de Janeiro, o que poderá ser o ponto de partida para a conquista de novos mercados.

Conhecido como “Monstro do Rio”, o pirarucu (Arapaima gigas), peixe pré-histórico, já nadava nos rios da Amazônia há mais de 20 milhões de anos.  Para os criadores do projeto, a conservação da floresta está intimamente ligada a dar meios para as comunidades que vivem lá serem autônomas e consigam defender e conservar o lugar onde vivem. Para isso, o fator econômico é determinante e o consumo do pirarucu de manejo pelo resto do Brasil pode contribuir para isso. “Sempre achei que conservar a Amazônia era não tocar nela. A partir do momento em que fui lá, descobri que conservar a Amazônia é fazer com que as pessoas que moram lá possam fazer essa conservação. Eles prestam um serviço fenomenal e precisam viver com dignidade”, afirma Sérgio Abdon, do Gosto da Amazônia, que incentiva os consumidores do resto do Brasil a ajudarem a preservar a floresta e as comunidades enquanto saboreiam um peixe delicioso. 

Barbara Lopes

Formada em Letras/Literaturas pela Universidade Federal Fluminense, carioca que não vai à praia, mas vive na floresta e na selva da cidade. Cursando graduação em Jornalismo na UFRJ. Acredita que a leitura e o diálogo transformam o mundo.

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