ODS 1
Uma horta para chamar de nossa
Jornalista conta como cultivar vegetais substitui academia de ginástica, afasta o agrotóxico do cardápio e dá lição sobre natureza a crianças
Tudo começou com a vontade de fazer alguma atividade física. Mas meu marido, Ignacio, não é de frequentar academia de ginástica e estava sem ideias que fossem além do simples andar de bicicleta. Seu amigo Antônio, então, perguntou: “Topa alugar comigo uma horta?”.
Nacho (como são chamados todos os Ignacios na Espanha) não pensou duas vezes. Uma atividade para toda a família, ao ar livre, um investimento na nossa saúde, na qualidade dos alimentos que comemos e ainda uma grande escola para as crianças aprenderem com a terra. Onde se plantando tudo dá sim, mas,se quiser receber o que ela tem para nos oferecer, tem que trabalhar, esperar e cuidar.
Nós sempre admiramos de longe as hortas de Zaragoza, onde vivemos. Aqui plantar suas verduras é uma verdadeira moda, que cresce a cada ano em espaços cultivados. Desde 2008, quando a crise econômica se instalou em toda a Espanha, muitas pessoas desempregadas buscaram alternativas para o tempo livre e também como forma de terapia. Surgiram vários espaços para alugar, a maioria privados, mas também alguns públicos. A prefeitura de Zaragoza criou o projeto Huerta Life Km 0, com objetivo de incentivar a implantação de hortas em terrenos públicos e criar um mercado de produtos orgânicos. Até 2016, foram criados 12 projetos e gerados 22 empregos. A prefeitura oferece cursos de capacitação e incentiva a venda de produtos orgânicos no próprio local e também em um mercado, todos os sábados, no centro da cidade. O projeto é financiado com fundos da Comunidade Europeia. No total, segundo dados da prefeitura, em Zaragoza já existem mais de mil hortas urbanas.
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Veja o que já enviamosNacho e Antonio escolheram um terreno de 60 m² alugados nos Huertos Del Ebro pelo qual pagamos 20 euros por mês (aproximadamente 76 reais). Estes terrenos são privados, estão a pouco mais de 4 km da nossa casa, e o aluguel nos dá direito ao uso de ferramentas, de adubos orgânicos, da água para regar, além do uso de zonas comuns, como churrasqueiras, banheiros, parquinho para as crianças. Quando o tempo permite, quer dizer, quando não fizer nem calor demais, nem frio demais (em Zaragoza vamos facilmente do -5C aos +40C em pouco tempo), podemos passar todo o dia na nossa pequena horta.
Cada inquilino planta o que quiser no seu espaço. Tem gente que também aproveita e cria galinhas e patos. Outros preferem deixar um espaço livre e ter uma espécie de jardim. Nacho e Antonio não fizeram nem uma coisa nem outra. Optaram pela produção total e plantam o que gostam de comer: alface, berinjela, abóbora, abobrinha, cebola, beterraba, acelgas (conhecida no Brasil, mas típica da Espanha e a preferida do Nacho), pepino, pimenta e pimentões (nunca poderia imaginar a quantidade de espécies de pimentões que existem). Também aproveitamos para cultivar uma verdura que não se vende aqui, a nossa couve. E dois tipos de frutas: melão e melancia. Mas a grande estrela da horta é o tomate. Plantamos quatro tipos distintos, e o resultado é impressionante. Nunca comi nada melhor na vida. Doce e saboroso, tem gosto de – adivinhem – tomate. Tinha esquecido o que era isto.
Mas quem mais aproveita a horta são nossos filhos – Hugo, de 6 anos, e Carolina, de 5. Junto com Ignacio e Lucía, os filhos de Antonio, os quatro ajudam a plantar, a colher, regar e, principalmente, desfrutam correndo pelo campo de alfafa que está ao lado. Aprendem como nascem e de onde vêm os alimentos que vão para nossa mesa. A luta para que comam mais verduras fica mais fácil quando foram eles mesmos que ajudaram a plantar. Mesmo que ainda se resistam a provar a berinjela e a couve, o prato de comida está cada vez mais verde. E verde sem produtos químicos, plantado por nós, colhido por nós.
Claro que se colocarmos no papel todas as horas trabalhadas na horta, estes são alimentos bastante caros. Até porque nós não vendemos nada. O que nos sobra, damos de presente para a família, amigos e vizinhos. Já temos lista de espera pelos tomates e pimentões. Mas seu verdadeiro valor não preço. Está em proporcionar para toda a família e amigos comida mais que saudável e em aprender a respeitar os ciclos da natureza. Logo o verão será substituído pelo inverno. Se acabarão os tomates e virão as verduras da nova estação. E assim, cada uma no seu tempo.
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É jornalista, carioca, e há dez anos vive em Zaragoza, na Espanha. No Rio, trabalhou como fotógrafa na sucursal da Folha de S. Paulo e no Jornal do Brasil. Foi correspondente d'O Globo no Recife. Na Espanha, é professora de fotografia digital e trabalha como jornalista freelance. Casada, é mãe de dois pequenos hispano-brasileiros.