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Veja o que já enviamosDireitos humanos para todos – até o bandido Bolsonaro
A civilização precisa se impor – e a brutalidade punitivista pregada por monstros como ele não pode prevalecer
Chora, não vou ligar
Chegou a hora, vais me pagar
Pode chorar, pode chorar
(…)
É, o teu castigo
Brigou comigo, sem ter porquê
Vou festejar, vou festejar!
O teu sofrer, o teu penar
“Vou festejar” (Jorge Aragão, Dida e Neoci)
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Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
‘Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
“Apesar de você” (Chico Buarque)
Poucos impulsos humanos são sedutores como a vingança. Virar o jogo e testemunhar a derrocada de quem fez (muito) mal está na categoria dos prazeres mais redentores e irresistíveis. Na volúpia, vigora o desejo ardente de impor ao vilão martírio semelhante – pior, se possível – ao que ele destinou às suas vítimas. Todo castigo ao desgraçado é pouco, etc etc.
O sentimento, de tão entranhado em almas, corações e mentes, ressignificou até o “olho por olho, dente por dente” bíblico. No livro sagrado dos cristãos, o aforismo pretendia estabelecer limite para a retaliação, impedindo exageros. Mas virou emblema dos vingadores e jogo jogado.
Preâmbulo cumprido, vamos ao que interessa: pela emoção até dos dotados de empatia e amor à vida, o marginal Jair Messias Bolsonaro merece todas as sevícias que estiverem no seu caminho – e ainda será pouco. O arauto da tortura, líder da súcia que matou ao menos 400 mil brasileiros na pandemia, inimigo da democracia e das liberdades, tem de sofrer todo o possível e o impossível pela montanha de infâmias perpetradas ao longo da sua vida patética.
Tais desejos são legítimos na teoria, mas moram nas irracionalidades que habitam nossos corações e mentes. Isso é uma coisa; só que tem a outra coisa.
Mesmo ele merece tratamento digno para cumprir os 27 anos e três meses de cadeia a pagar, pela condenação em definitivo por cinco crimes: organização criminosa (sete anos e sete meses); tentativa violenta de abolição do estado democrático de direito (seis anos e meio); golpe de estado (oito anos e dois meses); dano qualificado (dois anos e meio); e deterioração do patrimônio público (outros dois anos e meio). Ainda há o pagamento de 124 dias-multa, no valor de dois salários-mínimos cada um. Hoje, R$ 376.464 – molezinha.
Sim, devemos, os de boa vontade, pregar que até o apenado Bolsonaro, como quaisquer outros autores de atos monstruosos ou não, pague suas dívidas com a sociedade sob a régua dos Direitos Humanos. Os civilizados não avalizamos as barbaridades gritadas e praticadas por gente como ele e sua quadrilha. O culto à morte, as loas à violência, o menosprezo à vida, a humilhação dos vulneráveis, a exaltação de armas e da brutalidade cotidiana devem ficar sempre – e para sempre – do lado de lá. Até sumir
O malfeitor Bolsonaro agora perdeu a coragem de araque, choraminga que está com soluço, humilha-se por clemência, rasteja pela impossível anistia. Não terá. Também pelo determinado na legislação do estado de direito que ele tramou para destruir, cumprirá sua pena nos limites da lei.
Foi poupado da exposição midiática dolosa, utilizada em tempos mais obscuros – e recentes – como atalho para destruir biografias e turbinar a culpa. Tais instrumentos espúrios tampouco devem ser utilizados por quem defende e pratica o estado de direito.
Há outros marginais dessa quadrilha sentenciados – e aqui reside inédita beleza brasileira. Inquilinos do topo da hierarquia militar agora são meros presidiários, condenados no mesmo processo. Os meliantes Almir Garnier (almirante), Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Walter Braga Netto (generais), além de Alexandre Ramagem (deputado), Anderson Torres (ex-governadores), estão obrigados a ver o sol da democracia nascer quadrado por longo tempo.
(Ramagem imitou Eduardo Bolsonaro e fugiu para os EUA, protagonizando vexame semelhante ao de Bananinha. Como os infratores mais rasteiros, embrenhou-se por matas, estradas clandestinas, até alcançar a fronteira. Agora, posa de macho sob a sombra de seu ídolo Trump.)
No caso dos militares, está longe de ser trivial. A condenação pelos planos e atentados à democracia encerra longa odisseia de impunidade, para a casta que se entende proprietária do país. “Os militares tendo proclamado a República julgaram-se donos da República, e nunca aceitaram não serem os donos da República”, constatou Sobral Pinto (1893-1991).


Assim, desde sempre, os milicos articularam golpes seguidos e materializaram vários, espalhando autoritarismo, ruína, violência e mortes. Entre tentativas frustradas e bem-sucedidas, por mais de um século, terminaram sempre impunes, apesar dos incontáveis crimes cometidos, beneficiados por anistias que, mais adiante, faziam recrudescer as aventuras autoritárias, num círculo vicioso. Agora, enfim, os patifes da vez estão na cadeia – e ainda podem perder suas patentes, se o Superior Tribunal Militar tiver um mínimo de dignidade.
O desafio da racionalidade se apresenta em especial pelas condições da prisão do delinquente Jair. Muita gente sonha com ele em uma das superlotadas cadeias nas quais se espremem, sem qualquer resquício de humanidade, a terceira população carcerária da Terra. Mas o facínora está engaiolado numa sala da Superintendência da Polícia Federal do DF, com ar refrigerado, frigobar, TV, banheiro privativo.
A blasfêmia cheira a privilégio – mas de novo, é a lei. Ensina a criminalista Rachel Glatt que o apenado Bolsonaro, por ser ex-presidente, carrega o direito de ficar numa sala de estado-maior, em condições semelhantes ao cômodo atual. A única distorção está no endereço. “Deveria ser num presídio, que normalmente não tem tais instalações. Por isso, ele ocuparia uma cela isolada”, explica a advogada.
Para ela, a decisão pela sede da PF se deve às condições de saúde do condenado, com soluços, turbulências intestinais, vômitos e outras nojeiras. Uma escolha política. “Pela lei, o juiz pode conceder prisão domiciliar para quem tem mais de 80 anos ou padece de doença grave, comprovada por médico especializado e perícia técnica”, recita Glatt, de um dos mais prestigiados escritórios de advocacia criminal do Rio.
Em regra, concede-se a prisão domiciliar justamente porque os estabelecimentos carcerários são precários, e não oferecem as condições devidas. Detentos com problemas de saúde acabam indo para casa em nome da dignidade e humanidade. “Para se prevenir do óbvio movimento da defesa, o ministro Alexandre de Moraes determinou o recolhimento à Superintendência da PF”, decifra a advogada. “Considerando as condições de onde ele se encontra, o fundamento usado nas decisões pela domiciliar não se aplica”.
Ainda assim, nem o trânsito em julgado não transforma o interno Jair num encarcerado comum, como milhares de outros brasileiros abandonados à própria sorte, órfãos de assistência jurídica, muitas vezes com processos inconclusos. Mas a progressão de regime vai demorar – por ação dos correligionários do próprio detento, que infernizam o Brasil. A lei 14.843, de 11 de abril de 2024, enrijeceu regulação de Execução Penal, vedando, no parágrafo 2º do artigo 122, “a saída temporária ou o trabalho externo sem vigilância direta ao condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou com grave ameaça contra pessoa”.
A sanha do Congresso infestado de parlamentares da direita contra os Direitos Humanos ajudará a manter o escroque Bolsonaro na gaiola. “A questão, tanto para progressão de regime como para saída temporária, será como o STF vai interpretar ‘violência ou grave ameaça contra pessoa’. É esse o critério”, atesta a criminalista.
Como ponderou Agostinho Vieira em artigo antológico aqui ao lado, deveria ser assim para todos os viventes no sistema penal. Diante do horror generalizado (alimentador principal da violência nossa de cada dia), trata-se de utopia. Mas a democracia brasileira avança quando trata pelo menos alguns encarcerados da maneira correta. Como acontece com o bandido, o marginal, o facínora, o meliante, o condenado Jair Messias Bolsonaro. Agora, como se diz hoje em dia, real oficial.
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