ODS 1
Kiribati e as ilhas do Pacífico onde a crise climática já chegou com violência


Aumento do nível do mar e clima extremo ameaçam fazer desaparecer pequenos países insulares e levam urgência do financiamento para adaptação à COP30


(De Belém, Pará) – “No Pacífico, as mudanças climáticas não são uma ameaça distante. É uma realidade vivida agora”. Ministra da Mulher, Juventude, Esporte e Assuntos Sociais do Kiribati, Ruth Cross Kwansing sente de perto o aumento do nível dos Oceanos. O pequeno atol de corais em que vive é uma das áreas que correm o risco de desaparecer em um futuro próximo.
Os atois de corais são ilhas em formato de anel ao redor de uma lagoa. Localizado no Pacífico Central, o Kiribati é um país insular formado por cerca de 33 atóis e ilhas. “Quando éramos crianças, adorávamos isso porque íamos nadar no oceano e, quando nos cansávamos de nadar nas ondas, simplesmente nos levantávamos e corríamos talvez 300 metros pela estrada e íamos nadar na lagoa”, recorda Kuth.
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O atol de que Ruth fala possui cerca de 24 km de comprimento e tem sido ameaçado pela intrusão da água salgada na lagoa que abastece a comunidade local. “Agora precisamos de água dessalinizada, que é cara. Para países menos desenvolvidos como as ilhas do Pacífico, o custo da adaptação às mudanças climáticas está além de nossa riqueza soberana”, aponta a ministra.
Ruth compõe a delegação que participa da COP30 pelo Moana Blue Pacific, organização formada por diferentes governos de países do Pacífico. Ela também é Campeã Climática do Fórum Político das Ilhas do Pacífico, na área de defesa política do clima em prol da inclusão social e de gênero.
O Kiribati é uma das nações que depende diretamente de avanços e de recursos para a adaptação climática, um dos temas centrais da agenda da COP de Belém. “Tivemos hospitais destruídos por marés altas. As pessoas perderam suas casas e tiveram que se mudar para outras áreas. Portanto, temos que viver de maneira muito diferente do que vivíamos antes”, relata Kuth.
Das 33 ilhas do Kiribati, 20 delas são habitadas e o país é um dos menores do mundo, com um total de 811 km². O atol de Tarawa, porém, é altamente habitado e conta com cerca de 50 mil pessoas. Estimativas indicam que o aumento do nível do mar pode levar o arquipélago a desaparecer em cerca de 10 a 15 anos, provocando uma crise de refugiados climáticos. O Kiribati também abriga uma das maiores reservas marinhas do Pacífico sul, também altamente ameaçada pelo branqueamento dos recifes de corais.


COP31 e financiamento climático
A Austrália é um dos países que apresentou a candidatura para receber a COP31, em 2026. Porém, nesta quarta-feira (19/11), a Turquia foi confirmada como a sede da próxima Conferência do Clima. Essa decisão vai em direção oposto à defesa feita por Ruth Kwansing de que a próxima COP tivesse como foco o Pacífico e as comunidades mais vulneráveis às mudanças climáticas na região.
A ministra do Kiribati lamenta o individualismo dos países e a lentidão nas respostas das COPs ao longo dos anos. “São conversas importantes, mas que negligenciaram as circunstâncias muito sérias e especiais do Pacífico, que está na linha de frente das mudanças climáticas, onde já enfrentamos uma situação muito crítica”, acrescenta Ruth.
Um dos entraves para a adaptação climática na região é, justamente, a burocracia que cerca os mecanismos de financiamento. “Já sabemos o que precisamos fazer para nos adaptarmos aos impactos das mudanças climáticas. Temos todos os dados, as informações e temos as soluções. O desafio é o financiamento”, enfatiza.
Uma das apostas para lidar com esse desafio é o Fundo de Resiliência para o Pacífico, criado em 2023 pelo Fórum das Ilhas do Pacífico. A iniciativa trabalha com foco em apoiar comunidades e grupos mais vulneráveis aos desastres climáticos, em particular mulheres e meninas, crianças, idosos e pessoas com deficiência. Apenas em março deste ano, o fundo recebeu seu primeiro aporte, no valor de US$3 milhões, do Japão.


Engolidos lentamente pelo mar
Além de fazer parte do Fórum das Ilhas do Pacífico, com 18 membros, inclusive as gigantes Austrália e Nova Zelândia, Kiribati integra também o grupo Pacific Small Island Developing States (PSIDS), formado por 14 pequenos países – Ilhas Cook, Estados Federados da Micronésia, Fiji, Kiribati, Nauru, Niue, Palau, Papua Nova Guiné, República das Ilhas Marshall, Samoa, Ilhas Salomão, Tonga, Tuvalu e Vanuatu – que podem literalmente desaparecer, com o aumento do nível do mar.
“Os estados da PSIDS encontram-se hoje na linha de frente de uma crise climática que não foi criada por nós”, destacou, na reunião de alto nível sobre financiamento climático da COP30, Polycarp Paea, ministro do Meio Ambiente, Mudanças Climáticas, Gestão de Desastres e Meteorologia das Ilhas Salomão – país que está na presidência rotativa do Fórum das Ilhas do Pacífico.
No discurso, o ministro lembrou que estes 14 pequenos países insulares contribuem com menos de 0,03% das emissões globais, mas enfrentam “as consequências mais devastadoras” da crise climática: “a subida do nível do mar, a intensificação das tempestades e a lenta erosão das nossas culturas, soberania e meios de subsistência”, listou.
Essa realidade ressalta uma verdade fundamental: o financiamento climático não é caridade; é uma obrigação fundamentada na equidade, na responsabilidade e no direito internacional”, enfatizou Polycarp Paea, lembrando a recente decisão da Corte Internacional de Justiça, que reconheceu a responsabilidade dos países emissores de compensarem as populações afetadas pela crise climática.
A decisão da Corte veio após uma ação conjunta de uma organização de estudantes dos países insulares do Pacífico e do governo do Vuanatu, apontado como um dos mais ameaçados. Seis vilas do país com 80 ilhas e pouco mais de 200 mil habitantes, já tiveram que ser realocadas nos últimos dois anos devido aos impactos do aumento do nível do mar e eventos extremos. O avanço do mar faz com que fontes de água potável das ilhas venham sendo contaminadas por água salgada. Ciclones e tufões estão cada vez mais violentos.
Em Tuvalu, outro estado insular, com pouco mais de 10 mil habitantes, dois dos nove atóis que compõem o país já foram encobertos pelo mar: os cientistas temem que os outros sete desapareçam até o fim do século. Com o risco de desaparecer, o governo fez um acordo com a Austrália, que está oferecendo vistos permanentes a 280 cidadãos de Tuvalu a cada ano, em um inédito acordo de migração climática.
Mais de três mil cidadãos de Tuvalu – quase um terço da população – já solicitaram o visto climático ao governo australiano para deixar o país, que teve seu drama conhecido mundial quando, na COP26 em 2021, o seu então ministro das Relações Exteriores, Simon Kofe, enviou um discurso em vídeo, gravado dentro do mar, com água quase na cintura, para alertar para o impacto da crise climática.
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Micael Olegário
Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.










































