Futebol de Cegas: Brasil disputa Copa do Mundo pela primeira vez

Segunda edição da competição será realizada na Índia a partir de 5 de outubro; estreante seleção brasileira comemora momento histórico

Por Micael Olegário | ODS 10ODS 5
Publicada em 3 de outubro de 2025 - 09:06  -  Atualizada em 3 de outubro de 2025 - 10:12
Tempo de leitura: 10 min

Atletas da seleção brasileira de futebol de cegas durante fase de treinamento para a Copa do Mundo na Índia (Foto: Renan Cacioli/CBDV)

Mesmo antes da partida de estreia contra a equipe da Índia no domingo (05/10), as atletas da seleção brasileira de futebol de cegas já são pioneiras. Pela primeira vez na história, o Brasil vai participar da Copa do Mundo da modalidade. Potência mundial no futebol de cegos, o país disputa a competição com outras sete seleções entre os dias 5 a 11 de outubro, em Kochi, na Índia.

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“Treinamos muito e queremos muito estar aqui. É muito importante para a gente tudo isso que está acontecendo com o nosso esporte no Brasil. Vamos dar o nosso melhor”, afirma Eliane Gonçalves Silva, 39 anos. A moradora de Goiânia (GO) é a mais experiente do grupo de dez jogadoras da seleção brasileira de futebol de cegas, a primeira organizada pela Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV).

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“Não vou mentir que é um susto. Foram apenas quatro fases de treinamentos e já vem o Mundial, algo que eu esperei durante minha vida inteira”, conta Sarah Santana, 22 anos. A jovem de São Paulo (SP) já praticava outros esportes paralímpicos, como o atletismo e o goalball, mas o futebol de cegas é sua paixão. A ansiedade de Eliane e Sarah também tem a ver também com o fato de ser a primeira vez que vão competir na modalidade.

Apesar do futebol de cegos ter surgido em meados de 1950 e a primeira Copa do Brasil ter sido disputada em 1984, até pouco tempo, a modalidade era praticada apenas pelos homens, reflexo da soma do capacitismo – que afeta pessoas com deficiência – com a desigualdade de gênero. Somente em 2022, a CBDV organizou o I Festival de Futebol de Cegas e a modalidade começou a receber mais incentivos.

Está sendo um momento histórico e incrível para mim. Estou muito feliz mesmo. É um esporte onde eu realmente me encontrei

Sarah Santana
Ala ofensiva da seleção brasileira de futebol de cegas

A Copa do Mundo de Futebol de Cegas 2025 será a segunda edição da competição, organizada pela Federação Internacional de Esportes para Cegos (IBSA, na sigla em inglês). A primeira foi disputada em 2023 na cidade de Birmingham, na Inglaterra. Na ocasião, também foram oito seleções que participaram e a Argentina, então única da América Latina, foi campeã.

Além de Brasil e Índia, as outras seleções que disputam a competição são Inglaterra, Polônia, Argentina, Canadá, Japão e Turquia. Na primeira fase, as brasileiras estão no Grupo A, ao lado de Índia, Polônia e Inglaterra. Depois da estréia contra as anfitriãs, o Brasil enfrenta a Inglaterra na terça-feira (07) e a Polônia na quarta-feira (08). A classificação dos grupos determina os confrontos da próxima fase entre as oito seleções. Todas as partidas serão transmitidas pelo YouTube da IBSA e a final será no sábado (11).

Foto colorida de três atletas da seleção brasileira de futebol de cegas disputando a bola em treinamento em quadra de São Paulo. Elas usam vendas nos olhos e um colete amarelo e azul. Uma delas está com a perna levantada e a bola está na sua frente
Eliane (de chuteira rosa), Geisa (disputando a bola com a perna direita levantada) e outra atleta da seleção brasileira de futebol de cegas; primeira vez que atletas irão competir (Foto: Renan Cacioli/CBDV)

Em busca de mais recursos

Assim como no futebol convencional, as mulheres cegas enfrentam diversos desafios para praticar a modalidade. “Sempre gostei de esporte, mas nunca fui de alto rendimento e me tornei uma atleta com cobranças e treinos mais intensos”, menciona Geisa Farini, 37 anos. Carioca e apaixonada pelo Vasco da Gama, ela relata a luta das atletas por condições para praticar o futebol de cegas.

Diferente do que acontece em outros esportes paralímpicos, as atletas do futebol de cegas não recebem a Bolsa Atleta do governo federal. Assim, boa parte dos custos para participar da Copa do Mundo e mesmo dos treinamentos no Brasil, precisa sair do bolso das próprias jogadoras. Em alguns casos, como no de Sarah, ela recebe incentivo apenas pelo atletismo.

A CBDV admite as dificuldades para trabalhar com o futebol feminino, principalmente, em relação à captação de recursos. “Todo o processo ainda é muito novo, mas estamos indo para a Índia com uma expectativa muito positiva nessas meninas. Existem outros países já com histórico de muitos anos no futebol feminino, como Argentina e Japão”, explica Helder Maciel Araújo, presidente da entidade. 

No caso da participação brasileira na Copa do Mundo da Índia, a CBDV conta com apoio do Comitê Paralímpico e do Ministério do Esporte. Segundo Helder, a intenção é que esse seja um pontapé para o crescimento do futebol de cegas e a criação de um Campeonato Brasileiro de Clubes, assim como ocorre no masculino. 

Foto colorida de atletas da seleção brasileira de futebol de cegas. Em primeiro plano, aparece Sarah Santana com a venda levantada e correndo. Ela é branca e tem cabelo preto curto. Ao fundo outra atleta com a venda levantada. Elas usam camisetas amarelas com detalhes azuis
Sarah (primeira plano) também pratica o atletismo para receber bolsa, mas o futebol é seu esporte favorito (Foto: Renan Cacioli/CBDV)

Seleção de expectativas

Sarah começou a praticar o goalball (esporte voltado para pessoas cegas) em 2019, no Colégio Vicentino de Cegos Padre Chico, instituição filantrópica que atua com a inclusão e educação. Devido a um glaucoma congênito, ela perdeu a visão do olho esquerdo e possui limitações severas na visão do olho direito. O contato com o futebol começou em 2021 após a pandemia e se intensificou depois de participar do Festival de Futebol de Cegas, no ano seguinte.

“Está sendo um momento histórico e incrível para mim. Estou muito feliz mesmo. É um esporte onde eu realmente me encontrei”, enfatiza Sarah. Segundo ela, a adaptação ao futebol de cegas foi bastante natural. Na modalidade, as atletas jogam com uma venda nos olhos e a bola possui um guizo que orienta a sua posição. “Meu foco mesmo é o futebol, só estou no atletismo para manter a bolsa mesmo”, complementa a ala ofensiva/pivô da seleção brasileira.

Estou muito confiante de que não vai parar por aqui, pelas conversas e reuniões que tivemos – de que estão investindo mesmo no esporte

Eliane Gonçalves Silva
Ala ofensiva da seleção brasileira de futebol de cegas

Para Eliane, o futebol de cegas surgiu durante a reabilitação e como uma forma de recuperar uma paixão da infância e adolescência. Casada e mãe de uma jovem de 16 anos, ela perdeu a visão há cerca de 1 ano e meio, por conta de uma retinose pigmentar. O contato com o paradesporto ocorreu na Associação Paralímpica do Estado de Goiás (Aspaego).

“As pessoas não têm noção da dificuldade que é jogar um futebol de cegas: você tem que ter muita noção de espaço e de domínio com a bola. Comecei por querer aprender e a convivência com outras pessoas com deficiência também me ajudou demais na fase da reabilitação”, relembra Eliane. A ala ofensiva não esconde a ansiedade em disputar a Copa do Mundo, mas ressalta a confiança e a união das jogadoras como pontos fortes da equipe.

Também integram a seleção brasileira de futebol de cegas, as goleiras Bruna Almeida de Oliveira e Ligia Nogueira (ambas videntes). As demais jogadoras de linha convocadas para a Copa do Mundo são: Andreza Lima da Silva, Beatriz da Rocha Silva, Erivanha de Moura Sousa, Rafaela Paulino Silva e Tamiris Silva Souza.

Foto de dez mulheres com camisetas azuis com o logotipo da CBDV e a palavra “BRASIL”. Elas estão divididas em duas fileiras, cinco em cima e cinco embaixo, posando para a foto, algumas sorrindo. Acima, fundo degradê em amarelo e verde. No meio, uma faixa central com texto e logos. O texto diz: “Convocadas COPA DO MUNDO futebol de cegas | ÍNDIA 2025”. Aparecem também os logos do evento, da IBSA e da CBDV. Abaixo da faixa, o fundo é azul esverdeado, lembrando a bandeira do Brasil. Essas mulheres são as convocadas brasileiras para o Mundial de Futebol de Cegas que acontecerá na Índia em 2025.
Atletas convocadas para representar o Brasil na Índia; será a primeira vez que o país participa da competição (Foto: Divulgação/CBDV)

Futuro do futebol de cegas

“Para o futuro, pensamos em promover clínicas em vários estados para atrair mais mulheres a praticar o futebol e fortalecer cada vez mais a modalidade”, afirma Helder Araújo, da CBDV. A preparação faz parte de uma caminhada para participar dos Jogos Paralímpicos de 2032, quando o futebol de cegas passará a fazer parte da principal competição paralímpica mundial.

Como a atleta mais experiente da seleção convocada para a Índia, Eliane também orienta as colegas para aproveitar ao máximo as oportunidades e seguir na modalidade. “Estou muito confiante de que não vai parar por aqui, pelas conversas e reuniões que tivemos – de que estão investindo mesmo no esporte”, acrescenta, sobre o futuro do futebol de cegas no Brasil. 

“Imagino o futebol de cegas sendo algo visto igual o futebol de cegos e o futebol convencional. Somos muito esperançosas para que isso aconteça e que a gente possa ser incluída em diversos campeonatos”, aponta Sarah. E por que não sonhar com esse futuro? Afinal de contas, o Brasil é o país de Marta, Pelé e Ricardinho (três vezes melhor do mundo no futebol de cegos).

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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