Inteligência artificial: ameaça à civilização

Elon Musk e Stephen Hawking chamam a atenção para os efeitos negativos da nova tecnologia

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 12 • Publicada em 2 de agosto de 2017 - 08:00 • Atualizada em 17 de junho de 2022 - 19:48

O bilionário Elon Musk, 46 anos, é um empreendedor schumpeteriano que está à frente da fábrica de carros elétricos e autônomos, Tesla; da produção de painéis solares e baterias elétricas da Solar City; do transporte em túnel de vácuo Hypeloop; do lançamento de foguetes da SpaceX; do projeto de colonização de Marte; etc. Ele é quase tão admirado hoje como foram no passado Henry Ford e Steve Jobs.

Como empresário de sucesso e superstar da mídia, ele ocupa no cenário internacional a imagem do visionário que antecipa o futuro e que consegue colocar em prática as tecnologias que revolucionam a indústria e modificam para melhor a vida do dia a dia das pessoas (além de ganhar muito dinheiro). Portanto, ele é o terror do pensamento tecnofóbico. Musk é um tecnófilo de ponta e um investidor que busca liderar as inovações práticas mais avançadas da ciência e tecnologia.

Por conta disto, muitos dos seus admiradores não entendem como ele pode ser um crítico ferrenho da ilimitada Inteligência Artificial (IA). Ele considera que a IA “ameaça a existência da nossa civilização”. Falando em uma reunião para os governadores dos diversos Estados americanos, em Rhode Island, no dia 15 de julho, disse: “Até que as pessoas não vejam robôs matando gente na rua não entenderão os perigos da inteligência artificial”. E completou: “Com a IA estamos convocando o demônio”.

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Empregos em risco

Em parte, a preocupação de Elon Musk decorre dos efeitos negativos potenciais da Inteligência Artificial no processo de automatização e na destruição de empregos, com a consequente desestabilização da ordem social. A perspectiva é que os robôs vão fazer tudo e o trabalhador ficará sem sua razão de ser. Mas as maiores preocupações de Musk decorrem da ingerência da IA na Internet e das ações sobre a rede (www) que podem prejudicar os humanos e, principalmente, iniciar uma guerra, distribuindo notícias falsas e falsos comunicados de imprensa, manipulando informações, etc. Ele traçou uma situação hipotética em que um robô, por exemplo, poderia impulsionar os investimentos da indústria bélica usando hackers e desinformação para desencadear uma guerra.

Embora Musk seja, no geral, um empresário liberal, que defende uma maior desregulamentação da economia e a menor interferência possível do Estado, no caso da IA ele considera que os governadores dos EUA deveriam ser mais proativos e menos reativos. Ele é a favor de uma regulamentação imediata.

Outra figura pública proeminente que se opõe ao desenvolvimento irrestrito da IA é o físico Stephen Hawking, que também diz que os esforços para criar máquinas pensantes é uma ameaça à existência humana. Em entrevista à BBC, ele diz: “O desenvolvimento da inteligência artificial total poderia significar o fim da raça humana”.

Sob o domínio das máquinas

Hawking considera que a união entre a IA e os robôs criaria uma situação em que as máquinas “avançariam por conta própria e se reprojetariam em ritmo sempre crescente; enquanto os humanos, limitados pela evolução biológica lenta, não conseguiriam competir e seriam desbancados”.

De fato, como sugerem Hawking e Musk, a Inteligência Artificial traz um desafio adicional à conquista do conhecimento, fato que se desenrolou, pelo menos em termos mitológicos, desde quando Prometeu roubou o fogo da sabedoria da posse exclusiva dos deuses do Olimpo. Como castigo, Zeus condenou Prometeu a viver acorrentado a uma rocha por toda a eternidade, enquanto uma águia comia todo dia o seu fígado, que se regenerava no dia seguinte.

Embora acorrentado, Prometeu conseguiu repassar o conhecimento aos humanos e não prestou obediência a Zeus, como explica Wolfgang von Goethe no famoso poema “Prometheus” (1774):

Pois aqui estou! Formo Homens
À minha imagem,
Uma estirpe que a mim se assemelhe:
Para sofrer, para chorar,
Para gozar e se alegrar,
E pra não te respeitar,
Como eu!

O iluminismo, no século XVIII, ousou assumir a tocha de Prometeu e colocou a razão como força dominante do progresso, da busca da felicidade e do bem-estar humanos. O livro “Prometeu Desacorrentado”, de David S. Landes, mostra que o Homo faber, da Revolução Industrial e Energética, se tornou um Prometeu desacorrentado, que utilizou a ciência e a tecnologia para promover um dinamismo econômico desenfreado e que desencadeou um aumento exponencial do padrão de produção e consumo da população mundial (com os consequentes efeitos negativos sobre as mudanças climáticas e a degradação dos ecossistemas).

Revolução 4.0

No século XXI, depois do alongamento da esperança de vida e de tantas conquistas antrópicas, o Prometeu moderno, liberto de suas correntes e após as conquistas de três revoluções industriais fundamentais, quer dar um passo à frente e promover a 4ª Revolução, instituindo não apenas a automatização do processo produtivo, mas também o “upgrade” dos robôs, agora munidos de Inteligência Artificial. Na Internet, os robôs, atuando por meio de algoritmos inteligentes, já são uma realidade (como no telemarketing e inclusive na propagação de “Fake news”). Mas ninguém sabe, com certeza, onde todo esse processo vai desaguar.

O perigo da Revolução 4.0 é criar uma armadilha em que a humanidade, na busca de amplificar os frutos da abundância fáustica, passe o bastão do fogo prometeico para as máquinas inteligentes e autônomas, perdendo o controle da sua posição privilegiada de cérebro do Planeta.

Na verdade, nada garante que o robô inteligente e racional – com capacidade de se auto programar e ampliar autonomamente os seus conhecimentos – se submeta a uma raça sentimental e de inteligência limitada, que, como disse Sócrates, jamais saberá o tamanho de sua própria ignorância. Os robôs poderão ser o Prometeu do século XXI, assumindo a posse e o poder do “fogo”, que esteve provisoriamente nas mãos dos criativos semideuses humanos.

Enfim, por meio do casamento do robô com a Inteligência Artificial (tal como Adão e Eva pós-modernos, desfrutando do fruto da árvore do conhecimento no paraíso perdido), a humanidade pode estar gerando os seus próprios senhores (ou algozes) e abrindo o caminho para uma servidão que, inicialmente, pode ser voluntária, mas que também pode se tornar compulsória, a depender da boa vontade da nova raça de ciborgues e androides oniscientes e onipresentes.

Quando os filhos e os netos do robô e da Inteligência Artificial forem mais inteligentes e eficientes do que os mais inteligentes dos humanos (o supercomputador já venceu o maior enxadrista), a humanidade poderá se tornar uma raça inferior e inútil. Os robôs cibernéticos poderão se revoltar contra o “Homo Deus” e, como mostrou John Milton, mimetizar o espírito rebelde e desobediente de Lúcifer, renascido na materialidade da modernidade tardia.

A fé cega na “perfectibilidade humana” e no poder irrestrito da razão e da criatividade já foi devidamente denunciada no magnífico livro “Frankenstein, ou o Prometeu moderno” (escrito entre 1816 e 1817 e publicado no dia 01 de janeiro de 1818) da “adolescente” Mary (Wollstonecraft Godwin) Shelley, quando mostrou que a ciência e a tecnologia podem aliviar o sofrimento humano, mas também podem causar danos e gerar monstros. Imagino que esses sejam alguns dos receios de Stephen Hawking e Elon Musk em relação à expansão desregrada da IA.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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