O treino do eu sozinho

Na academia, tanto as bonitas como as feias, os fortes, os fracos, ninguém fala com ninguém

Entre uma série e outra, a descoberta de que interação engorda

Por Leo Aversa | ArtigoODS 15Vida Sustentável • Publicada em 13 de julho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:47

Na academia, tanto as bonitas como as feias, os fortes, os fracos, ninguém fala com ninguém
Na academia, tanto as bonitas como as feias, os fortes, os fracos, ninguém fala com ninguém
Na academia, tanto as bonitas como as feias, os fortes, os fracos, ninguém fala com ninguém

Academia cheia. Deixo a mochila no armário, pego a ficha e entro na selva da aparelhagem. Vinte repetições, três séries. Passa para o outro. Mais repetições, mais séries, mais aparelhos, mais esteira, mais transport e  finalmente o alongamento. Salvo o “oi” para a recepcionista, não troquei nenhuma palavra com ninguém. Mesmo para os meus padrões de misantropo patológico, é algo além da conta. Um autismo anabolizado.

Nas primeiras vezes achei que o problema era comigo. Com o meu já clássico outfit esportivo, camiseta Hering furada e short Canalonga vintage, talvez os outros achassem que eu ia pedir esmolas.

Antes fazia ginástica/malhava/treinava (escolha o termo de acordo com sua idade) numa academia pequena, de clube. Perto da atual, uma festa, quase um bloco de carnaval. Tinha o rubro negro roxo, o botafoguense deprimido, o exaltado que defendia o Lula, a perua que vivia falando mal da Dilma e todo aquele elenco de apoio que só existe em academia de clube, como as simpáticas senhorinhas que faziam aula ao som de Volare, Volare e o aposentado que trotava na esteira de calça comprida e cinto.

Mas essa academia era um pouco na contramão e eu, indolente, abandonei o barco. Depois de um longo período de vadiagem, alguns kilos a mais e um esporro do médico, fui obrigado a voltar para o estranho mundo da malhação. Desta vez escolhi uma que fica quase do lado de casa, pra não dar asas para a preguiça.

Nas primeiras vezes achei que o problema era comigo. Com o meu já clássico outfit esportivo, camiseta Hering furada e short Canalonga vintage, talvez os outros achassem que eu ia pedir esmolas. Mesmo assim nem se dignavam a olhar. Todo mundo de fone no ouvido e olhar para o além. Consultei minha amiga guru da boa forma, que me explicou que interação é coisa do século passado e que quanto mais gostosa(o) você é menos papo tem que dar ao resto da humanidade. Como estou no subsolo dessa pirâmide do sex-appeal, tentei puxar papo com a mulher barbada e o esquisitão que fala sozinho mas nem estes me deram trela. Rolou um cão sarnento feelings.

No entanto reparei que na academia tanto as bonitas como as feias, os fortes, os fracos, ninguém fala com ninguém. Não tem bom dia, não tem comentário sobre o tempo e muito menos opiniões sobre a renúncia do Cunha. Nem um pio. Tipo biblioteca alemã. Fechada. Não fosse o bate estaca no som ambiente haveria mais silêncio do que em enterro de ditador.

Até pra revezar nos aparelhos o jeito zumbi surdo mudo dá as cartas. Quem quer usar fica do lado, parado feito estátua, esperando que quem está usando perceba. Como essa pessoa está com os fones enterrados nos ouvidos e só olha para a frente, a situação pode se arrastar por horas, o que não parece incomodar a ninguém. Não é para principiantes. Como sou pato novo só posso olhar para a ficha e as TVs, qualquer outra atitude pode ser encarada como assédio ou provocação. Tem que seguir a filosofia do ônibus, fale somente o indispensável. Se for possível, nem isso.

O bom desse isolamento compulsivo é que fico o tempo todo concentrado no supino e no leg press. Os kilos ganhos já estão indo embora. Em compensação tive que dobrar as sessões de psicanálise, para acomodar na cabeça toda essa rejeição em grupo. Deveria ter dado atenção ao conselho da guru da boa forma:

– Mistura um prozac no whey e deixa de frescura. Já era hora de aprender que interação engorda.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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3 comentários “O treino do eu sozinho

  1. Renata Fernandes disse:

    Boa noite!
    Talvez vivemos em outra realidade, pois em todas as academias que frequento, as pessoas socializam, interagem, sim.
    Que tristeza ter que treinar em um ambiente assim. Procura outro.
    Abraço.

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