Moda reciclada e criativa

Artista plástica transforma roupas antigas e pedaços de tecidos em exemplos de estilo e sustentabilidade

Por Paula Autran e Reneé Rocha | ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 28 de março de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:50

A artista plástica Gabriela Mazepa, de 33 anos, anda lançando moda no Brasil. Mas na contramão, como define esta curitibana que morou na França (onde estudou três anos de arquitetura, mas se formou em Artes decorativas, com ênfase em ateliê de tecidos) e há sete anos esta radicada no Rio. Diferentemente dos famosos estilistas que criam o luxo que vai virar lixo, é no lixo (e nos fundos de armários) que ela encontra matéria-prima para dar vida nova a roupas que ganham sua etiqueta: a Re-­Roupa.

A moda está ali o tempo inteiro dizendo: compre roxo, compre azul, compre bolinhas, compre isso, compre aquilo… Sempre criando novas maneiras de você consumir. Na verdade, nossa proposta é uma nova maneira também, mas bem na contramão do que sempre aconteceu.

“Faz sete anos que desenvolvo esse projeto, mas o nome veio há dois anos. Como Re-Roupa sugere, buscamos transformar roupas que já existem. Reformar, reciclar, reaproveitar. Só que a reciclagem aqui é um pouco diferente, já que o termo significa destruir e transformar a matéria-prima através de processos químicos ou industriais. O que a gente faz é adaptar uma coisa que existia e era considerada resíduo (roupa que sobrou de coleção ou com defeito, fim de rolo de tecido, retalho). Muitas toneladas disso, diariamente, são jogadas fora ou queimadas. Então, adaptamos essa matéria-prima em uma nova modelagem e, com isso, estendemos o ciclo de vida do produto. Damos uma nova cara para ele”, explica ela, literalmente vestindo a camisa do que propõe. “Essa camisa, por exemplo, eu fiz com retalhos, pedaços de malha que foram colocados numa modelagem de blusa e viraram uma nova peça. Esses materiais são de super boa qualidade, mas tamanhos com que a indústria de confecção não está acostumada a trabalhar. E é muito mais difícil mesmo. Se eu, como estilista, posso dispor de metros e metros de tecido corrido, por que ficar encaixando pedacinhos de pano?”

Esse processo aparentemente simples tem um nome complicado, porque foi criado lá fora e ainda não encontrou tradução por aqui: upcycling. Mas significa pegar uma coisa considerada lixo, agregar valor –  o que, segundo Gabriela, inclui colocar nele criatividade e valor social, na medida em que você pode criar uma cooperativa para transformá-lo e recolocá-lo no mercado, como uma peça de design. Esta peça ganha um valor agregado e um preço diferente, claro.

“As pessoas muitas vezes não entendem. ‘Poxa, mas é retalho!’, dizem. No entanto, se você coloca lá um monte de retalho, faz com que eles se encaixem, combina cores e, dali, tira uma peça…”, argumenta a estilista de nova roupagem, observando que, apesar do nome em inglês, os brasileiros sabem bem o que é upcycling: “A gente sempre fez isso no Brasil, com latas de tinta que viram vasos, por exemplo”.

O Re-­Roupa funciona de duas maneiras: tem peças criadas por Gabriela e através de oficinas em que as pessoas trazem roupas que não usam mais e são convidadas a transformá­-las. “Elas aprendem, com nossa ajuda, o processo de transformar uma roupa. Eu acho legal, porque a gente nunca pensa ‘como minha roupa é feita?’ Alguém parou ali para costurá­-la, colocar cada botãozinho… e isso eu acredito que dá um valor diferente à relação que a pessoa tem com a própria roupa. Tem também o fato de ela não jogar fora para comprar uma peça nova. Tudo isso são coisas que têm a ver com esse conceito. O que propomos para o Re­-Roupa é esse novo olhar para o que as pessoas já têm, que é totalmente diferente do que a moda propõe.  A moda está ali o tempo inteiro dizendo: compre roxo, compre azul, compre bolinhas, compre isso, compre aquilo… Sempre criando novas maneiras de você consumir. Na verdade, nossa proposta é uma nova maneira também, mas bem na contramão do que sempre aconteceu”, diz ela, que foi vencedora do British Council Fashion Awards, em 2009, e fez uma parceria com uma das maiores confecções do Sri Lanka para dar cara nova a roupas com pequenos defeitos e coleções passadas.

As oficinas acontecem, em média, uma vez por mês. Não precisa saber costurar para participar.  Basta trazer uma peça de roupa. Algumas pessoas levam as que têm um valor afetivo para elas, que trazem alguma memória (pois a usavam em determinada época ou viveram alguma historia com ela…). Cada oficina custa cerca de R$ 150. São geralmente dez pessoas por turma, auxiliadas por Gabriela, uma assistente e uma costureira. Elas tiram mangas, descosturam coisas, fazem algumas costuras à mão, colocam um botão diferente…

“Quem participa, em geral, são pessoas que entendem o que é o serviço que a gente presta e que buscam maneiras diferentes de consumo. Que já se preocupam com isso, frequentam brechós, fazem feiras de trocas…Que têm esse tipo de relação com a compra e com o consumo de maneira geral. Mas tem estudante de moda também. É um público bem variado e eclético”, conta Gabriela, acrescentando: “Eu sempre digo, antes de a sua camisa ser uma camisa, ela era um pedaço de tecido. Então, se a gente abre ela inteira, ela vai voltar a ser um pedaço de tecido. E, a partir desse pedaço de tecido, a gente vai poder fazer quase qualquer coisa. Dá para saber quando não tem como sair uma calça a partir de uma outra peça por não haver tecido suficiente. Mas uma saia dá”.  

A matéria­-prima vem de empresas e parcerias que têm tecidos em excesso. Algumas confecções já procuraram Gabriela com sacos de retalhos. Por vezes, a estilista compra esse material a quilo, mais barato. E há também parcerias com marcas. Neste momento, a Re-Roupa está se associando à Farm para um projeto.  “A Farm, que é uma grande loja do Rio, tinha pecas com pequenos defeitos que não passavam pelo controle de qualidade e, então, não podiam ser vendidas.  Ficavam em estoque e, depois de bazares e outras alternativas, passamos a pegá-las para que os alunos do curso que ministro no IED pudessem, a partir dali, criar. Acho que o objetivo mesmo é que eles entendam este novo olhar que as pessoas podem ter criando roupas, diferente do que o estilista sempre fez com o tecido novo. As marcas estão entendendo isso cada vez mais”, finaliza ela, juntamente com a camisa que transformou em vestido em 40 minutos de conversa, corte e costura em seu ateliê, no Catete.

Paula Autran e Reneé Rocha

Paula Autran e Reneé Rocha se completam. No trabalho e na vida. Juntos, têm umas quatro décadas de jornalismo. Ela, no texto, trabalhou no Globo por 17 anos, depois de passar por Jornal do Brasil, O Dia e Revista Veja, sempre cobrindo a cidade do Rio. Ele, nas imagens (paradas ou em movimento), há 20 anos bate ponto no Globo. O melhor desta parceria nasceu no mesmo dia que o #Colabora: 3 de novembro de 2015. Chama-se Pedro, e veio fazer par com a irmã, Maria.

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