ODS 1
Jugaad, o jeitinho indiano
A ideia é fazer mais com menos, ser flexível, simples e seguir o instinto
Uma máquina de lavar que se transforma em um gigantesco liquidificador de lassi (uma espécie de shake de iogurte), uma bicileta de bambu, um refrigerador de barro que não precisa de energia, um ferro elétrico que se transforma em boca de fogão. Se o Brasil tem o seu jeitinho, a China tem o “zizhu chuangxim”, a Índia tem o “jugaad”.
Os príncipios do jugaad são procurar a oportunidade na adversidade, fazer mais com menos, pensar e agir de forma flexível, ser simples e seguir o instinto. Este conceito é mais arraigado na cultura indiana do que o nosso jeitinho no Brasil. Jugaad, para alguns, é uma adaptação ou uma solução prática. Para os mais necessitados, é uma questão de sobrevivência.
[g1_quote author_name=”Aryan Singh” author_description=”Dono do Bar Jugaad” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Na Índia, gostamos de ter um espaço que serve para tudo, que é café de manhã, coworking de tarde e bar de noite. Quem entra aqui se sente em parte em um restaurante, em parte em uma garagem.
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Veja o que já enviamosO jugaad encontrou a sua plataforma de ação na Índia do século XXI: espaços de criatividade se multiplicaram pelo país nos últimos anos, formando comunidades de inovadores em pequenas e grandes cidades. Pessoas de várias profissões (e até crianças) se unem para exercitar a capacidade inovadora com o objetivo de criar objetos úteis à sociedade. Nesses espaços, os novos criadores de jugaad exploram robótica, drones, impressão 3D etc.
Um elemento chave nesses espaços de criação é o senso de comunidade. Nos últimos quatro anos, cerca de 26 espaços deste tipo surgiram na Índia. Alguns deles são de graça, outros cobram uma taxa para serem utilizados.
“Esses espaços adicionam nova dimensão à inovação. Qualquer um poder entrar com uma ideia e sair com um protótipo ou um produto”, diz Pavan Kumar, da Workbench, com oito mil membros. A Workbench Projects, instalada na cidade de Bengaluru (como é chamada hoje Bangalore), tem entre suas iniciativas o trabalho com gerenciamento de lixo tornando os objetos plásticos em filamentos de impressoras 3D.
Um dos mais famosos espaços de criação é o Nuts and Boltz, criado há dois anos pelo engenheiro de computação Varun Heta, 27 anos. A ideia surgiu depois que ele viu estudantes oferencendo seus projetos criativos a comerciantes em uma famosa rua de venda de eletrônicos em Nova Delhi. O escritório do Nuts and Boltz, no norte da capital indiana, se transformou em um ponto de referência para quem quer unir criatividade com tecnologia e baixo custo para fazer drones, robôs entre outros objetos.
“Há muito talento no nosso país e muitos fazem inovação individualmente. Na maioria das vezes a inovação é de baixo custo e casual. É o que chamamos de jugaad”, contou Heta.
Ele explicou que estes espaços permitem às pessoas criativas, muitas vezes sem recursos, terem condições de colocar em prática as inovações hi-tech e até organizar eventos para expô-las a potenciais clientes. Uma delas criou um drone que ajuda a monitorar o tráfego. “Criamos objetos úteis. E essas ideias vieram, na maioria, de pessoas que não tiveram chances de estudar nas melhores escolas”, afirmou.
A bicicleta de bambu foi criada no Makers Loft em Kolkata (antiga Calcutá). Lá, há muitas crianças que são encorajadas a fazer robôs, tinturas orgânicas e brinquedos saídos de impressoras 3D. O local foi aberto pela executiva de marketing Meghna Bhutoria, que voltou dos EUA em 2015 e ficou surpresa em constatar que a sua cidade não tinha nenhum espaço deste tipo. Há até crianças de cinco anos entre seus frequentadores.Entre um dos projetos tocados pelo espaço é o de um robô de lixo metálico para manter as cidades limpas.
Os indianos, em geral, têm orgulho do jugaad: é a prova de sua criatividade. Mas, assim como o jeitinho brasileiro, o jugaad também tem uma conotação negativa. Exageradamente, o jugaad seria uma forma mais fácil de arrumar as coisas, a prova da preguiça, o improviso em excesso.
Mas, no geral o jugaad é visto de forma positivia, uma forma de driblar as dificuldades econômicas. “Eu não vejo o Juggad como negativo”, opinou Varun Heta. A Índia é o país de todos os tipos de inovação: hi-tech, software e custo baixo, lembrou ele. “Somos capazes de fazer isso porque estamos acostumados a fazer as coisas de forma mais barata possível e tentamos fazer uso de tudo que temos. Nesse sentido, o Jugaad não é negativo”, afirmou. Para ele, os melhores inovadores estão em países como Índia e China.
Faça uma pesquisa no Google com esta palavra e você encontrará pelo menos 20 invenções indianas. O jugaad pode ser amado ou odiado. Mas a sua mágica nunca é ignorada.
O tema é tão explorado na Índia que já inspirou livros e filmes. O livro “Jugaad Innovation (“A inovação do jugaad”) explica que o termo é uma palavra em hindi que não tem tradução exata para o inglês porque pertence à experiência comum indiana de inovação frugal, caseira. Refere-se a soluções simples para uma série de problemas do dia a dia do país. Os autores – Navi Radjou, Jaideep Prabhu e Simone Ahujan, todos consultores em empreendedorismo e inovação – observam que as empresas devem adaptar seu modelo caro de pesquisa a um mais flexivel e frugal que a mentalidade jugaad apresenta.
Um dos exemplos mais famosos do jugaad é a geladeira Mitticool, feita de barro e sem fios elétricos, nem baterias. A Mitticool (“mitti” significa terra e “cool”, frio) consegue manter os alimentos frios devido a um sistema que infiltra água pelas paredes laterais, mantendo-a fria. Na Índia, onde 70% dos 1,2 bilhão vive nas empobrecidas zonas rurais, esta invenção, que custa cerca de US$ 40, ajuda muita gente. Mais de 600 milhões dos 1,2 bilhão de indianos vivem sem fornecimento confiável de eletricidade (sendo que 300 milhões não tem nenhum acesso à energia).
O charme do Jugaad inspira outras iniciativas também. O Café e Bar Jugaad, no bairro de Defence Colony, da classe média alta de Delhi, está fazendo sucesso. As maçanetas são colheres. As pias dos banheiros são pneus de riquixás, o balcão do bar é feito de dormentes de madeira das estradas de ferro indianas, os aros de bicicleta funcionam como lustres. “Tudo na Índia é Jugaad. Então, nós pegamos coisas de uma garagem e montamos nosso cafe”, disse o dono Aryan Singh, 29 anos, que viveu em Londres por quatro anos, onde estudou turismo e hotelaria.
“Na Índia, gostamos de ter um espaço que serve para tudo, que é café de manhã, coworking de tarde e bar de noite. Quem entra aqui se sente em parte em um restaurante, em parte em uma garagem”, afirmou. A atmosfera jugaad faz com que os clientes indianos se sintam em casa.
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Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).
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