‘Gerações futuras sofrerão impactos terríveis’, diz Dex Barton

Inteligência artificial: o que a tecnologia trará ao futuro ( Foto AFP Fabrice Coffrini)

Depois de trabalhar em Google, Facebook e ONU, britânico afirma que governos precisam levar a sério a tecnologia para evitar catástrofe

Por José Eduardo Mendonça | ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 19 de julho de 2017 - 10:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:37

Inteligência artificial: o que a tecnologia trará ao futuro ( Foto AFP Fabrice Coffrini)
Dex Barton: palestra no evento Teia (Foto de divulgação/GNT)
Dex Barton: palestra no evento Teia (Foto de divulgação/GNT)

Aos 31 anos, o inglês Dex Torricke-Barton já foi redator de discursos na ONU, onde começou como estagiário sua vida profissional. Passou pelo Google, onde também trabalhou como redator, e no Facebook, onde se reportava diretamente a seu fundador e CEO, Mark Zuckerberg. Recentemente, deixou a SpaceX, quando o diretor-executivo, o visionário Elon Musk, apoiou a candidatura de Donald Trump. Hoje é dono da consultoria Onwards, que pretende ajudar comunidades e empresas a promover a paz mundial por meio da tecnologia. Filho de imigrante, que deixou Mianmar rumo à Índia na Segunda Guerra, ele é um ativista da causa dos refugiados. Barton participou do evento Teia, do canal por assinatura GNT, no dia 13 de julho, com uma discussão sobre o problema da convivência no mundo dominado pelas redes sociais. No dia anterior, participou do programa Saia Justa, no qual falou sobre o mesmo tema. Em São Paulo, concedeu entrevista ao Projeto #Colabora.

#COLABORA: Como avalia o impacto da tecnologia na sociedade hoje?

Dex Torricke-Barton: A tecnologia está causando um imenso impacto social. Sempre foi assim, mas o ritmo vem se acelerando, com muitas consequências, que acho que legisladores não entendem com clareza. No momento estou trabalhando em um livro para falar delas, e sobre como líderes mundiais deveriam levá-las mais a sério. Trabalho para governos, para as Nações Unidas, e sou pessimista sobre possibilidades deste entendimento, e se não conseguirem fazer isso muito rapidamente, minha geração e as futuras sofreremos impactos terríveis.

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Acredito que temos escolhas. As coisas que estamos desenvolvendo agora, como inteligência artificial, vão transformar a economia. Segundo estudos, até meados dos anos 2040 cerca de 47% de todos os empregos serão substituídos por ela. Mas se fizermos isso, quais serão os novos empregos?

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Que políticas precisam ser implementadas e como se conectam com a preocupação com o meio ambiente?

Acho que está tudo conectado. Não se pode ter proteção ambiental sem olharmos a economia. E não se pode construir uma economia que seja funcional, ou justa, sem olhar para as consequências sociais de tudo que estamos fazendo. E tudo isso depende de entendermos a tecnologia, e que tipo dela precisamos. Muita gente no Vale do Silício pensa que inovação é apenas a construir invenções e espalhá-las no mundo, e tudo que acontecer a partir disso será inevitável. Eu discordo fundamentalmente disso. Acredito que temos escolhas. As coisas que estamos desenvolvendo agora, como inteligência artificial, vão transformar completamente a economia. Segundo estudos, até meados dos anos 2040 cerca de 47% de todos os empregos serão substituídos por ela. Mas se fizermos isso, quais serão os novos empregos? Como vamos permitir que estas pessoas consigam um lugar na sociedade? Do ponto de vista puramente capitalista, podemos nem precisar mais delas.

Há muitas mudanças nas relações nos locais de trabalho e nos lares. E as relações pessoais estão muito fluidas. Quais as consequências disso?

Acho que isso é de alguma forma verdadeiro. As relações estão muito mais fluidas hoje, mas isto também significa que as pessoas têm enormes redes sociais. Pesquisas mostram que estas redes de laços fortes e fracos que as pessoas têm são muito mais amplas hoje. Mesmo que não se tenha mais um amigo por toda vida, o que acontecia com gerações anteriores, você pode ter cinco ou seis pessoas que considera melhores amigas, e elas entram e saem de sua vida. Anteriormente, quando se tinham relações sociais uma vida inteira, com um número muito menor de amigos e colegas, isso poderia se tornar uma prisão. Se você tinha uma comunidade com apenas cem pessoas, incluindo as que você não gostava muito, tinha da mesma forma que interagir com elas todos os dias. Mas no mundo fluido temos a chance de substituir isso, de reconstruir as redes com muita velocidade e encontrarmos pessoas melhores. Acho que hoje temos mais chances. É claro que isto traz insegurança para muitas pessoas, e a realidade vive se transformando, porque as escolhas também estão sendo feitas pelos outros . Não sei se isso é bom ou ruim.

Inteligência artificial: o que a tecnologia trará ao futuro ( Foto AFP Fabrice Coffrini)

O que ter trabalhado em gigantes da tecnologia, como Google e Facebook, trouxe para você, em termos da compreensão destes impactos sociais?

Estas empresas têm em comum a forte dependência de comunidades de pessoas. Elas não existiriam sem ter construído estas comunidades para compartilhar conhecimento. Tudo no Google é uma amostra do coletivo. É uma massa de inteligência e dados entre pessoas. Quando se monta comunidades assim, que podem não ter existido no passado, temos de nos conduzir de maneira diferente do que em organizações anteriores. Basicamente, chegamos a algo que é quase um bem público, uma infraestrutura pública. Todos os dias temos de fazer escolhas que vão afetar o modo como comunidades interagem umas com as outras. No Facebook, por exemplo, temos uma tremenda diversidade de opinião política e, talvez, algumas pessoas que fizeram o Facebook partilhem alguns desses pontos de vista. Ao mesmo tempo, você tem pessoas que não partilham quaisquer destas opiniões. É com isso que agências reguladoras podem estar preocupadas, mas os próprios funcionários da empresa têm de tomar milhares de microdecisões diariamente.

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Milhões de pessoas em todo mundo lutam agora pela sobrevivência, e milhões de pessoas tanto de direita quanto de esquerda resolveram coletivamente fazer absolutamente nada quanto à questão. Estão cuidando de problemas como o da saúde pública universal, educação, resolver a pobreza em seus países, enquanto ao mesmo tempo tem gente que não tem nada disso, ou nada próximo disso. Eu não entendo como, moralmente, podemos botar nossa própria casa em ordem sem nos dedicarmos a cuidar dessa tragédia.

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O que você acha que as empresas de mídia social podem fazer para evitar o que parece estar acontecendo, uma amplificação das inseguranças e de incerteza nas relações?

Pessoas sempre tiveram problemas em suas relações, e eles não são necessariamente criados pela tecnologia. Alguém diz ‘meu amigo ficou deprimido ou se tornou obeso e solitário por causa da tecnologia’. Eu não concordo com isso. Há pessoas deprimidas que dependem de tecnologia e escolhem usá-la por conta de sua condição, é uma situação de causa e efeito. Há também um tremendo poder da tecnologia de se fazer novos amigos, novas relações. E mesmo relacionamentos amorosos. Há dez, quinze anos, pessoas zombariam de você se dissesse que começou a sair com alguém que conheceu on-line. Agora milhões de pessoas fazem isso em todo o mundo.

Quem influenciou sua maneira de pensar?

Trabalhei com altos executivos de grandes empresas privadas, mas comecei minha carreira como interno nas Nações Unidas. Trabalhando em muitos círculos e não sendo alguém que construiu uma companhia e se tornou um bilionário, consegui chegar a uma visão bem equilibrada de como as comunidades se desenvolverem, para o bem ou para o mal. Eu diria que minhas maiores influências foram as pessoas comuns com as quais trabalhei durante este período. Minha experiência na ONU me fez sentir que trabalharia com política algum dia, envolvido com os impactos sociais que estas companhias estavam causando. Passei a maior parte de meu tempo em universidades. Fiz graduação na Inglaterra, e lá também fiz meu mestrado, em Oxford, sempre trabalhando com organizações de estudantes. Este período de minha vida, antes de me mudar para os Estados Unidos, teve uma grande influência no meu jeito de ver o mundo.

Você saiu de seu trabalho como diretor de comunicação da SpaceX para se dedicar mais à questão dos refugiados no mundo. Por que tomou essa decisão?

A questão dos refugiados é a maior catástrofe humanitária de nosso tempo. Um maior número de pessoas pessoas foi atingido por esta razão do que todos os mortos da Segunda Guerra. E se você teve amigos ou pessoas da família envolvidos nessa situação, isto pode destruir sua vida. Milhões de pessoas em todo mundo lutam agora pela sobrevivência, e milhões de pessoas tanto de direita quanto de esquerda resolveram coletivamente fazer absolutamente nada quanto à questão. Estão cuidando de problemas como o da saúde pública universal, educação, resolver a pobreza em seus países, enquanto ao mesmo tempo tem gente que não tem nada disso, ou nada próximo disso. Eu não entendo como, moralmente, podemos botar nossa própria casa em ordem sem nos dedicarmos a cuidar dessa tragédia.

Por que mais gente não olha para a questão dos refugiados?

Mais de 65 milhões de pessoas são refugiadas. Movimentos nacionalistas estão em ascensão em toda a Europa. Brexit, uma tragédia britânica, se encontra em risco de se tornar um fracasso geral europeu. A eleição de Trump foi ainda uma enorme derrota. Há, como nos Estados Unidos, um fosso social entre elites costeira e comunidades que foram deixadas para trás pela globalização, entre aqueles que buscam mais diversidade e aqueles que as temem, entre os ‘vencedores’ e ‘perdedores’ em um mundo em mudança.

 

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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