As vantagens de ser um ‘locávoro’

Busca por alimentos frescos, saudáveis e produzidos perto de casa cresce 20% ao ano

Por Trajano de Moraes | ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 21 de fevereiro de 2016 - 10:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:50

Consumidores no Circuito de Feiras Orgânicas do Rio
Consumidores no Circuito de Feiras Orgânicas do Rio
Consumidores no Circuito de Feiras Orgânicas do Rio

A busca de alimentos frescos e saudáveis tem feito o consumo de orgânicos crescer 20% ao ano no Brasil, segundo o pesquisador Mauro Pinto, da Embrapa Agroindústria de Alimentos, de Guaratiba, no Rio de Janeiro. A seu ver, o potencial de crescimento ainda é enorme, na medida em que aumenta a consciência das pessoas em relação ao meio ambiente e seu desejo de consumir com maior responsabilidade ecológica.

A tendência tem influído na forma de comercializar alimentos como frutas e hortaliças (verduras, tubérculos, raízes e leguminosas). De forma crescente, produtores e consumidores se aproximam com o intuito de baixar o custo de frete e transporte, armazenamento, distribuição e embalagem e diminuir perdas, ao mesmo tempo em que obtêm maior qualidade e reduzem a pegada ecológica, com menor gasto de combustível e emissão de gases estufa.

São os chamados circuitos curtos de comercialização, em que o destaque é a oferta de frutas e hortaliças cultivadas próximas aos centros consumidores. Especialistas cunharam a palavra “locávoro” para designar o consumidor que opta por comprar de agricultores locais e assim viabilizar formas sustentáveis de produção. As feiras orgânicas, que se multiplicam pelo estado e pelo país, são a face mais visível desse movimento. Que inclui ainda os grupos de consumidores que se organizam e negociam com os agricultores a compra de seus produtos, geralmente entregues a cada semana, em cestas, em empresas ou residências particulares.

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Ainda não se dispõem de estatísticas para calcular o peso dessa tendência no total da comercialização de alimentos no Brasil. Ele ainda é pequeno, mas em ampliação. Segundo Mauro Pinto, o Estado do Rio está entre aqueles em que o movimento é mais ativo, ao mobilizar grupos de consumidores, produtores, cooperativas e até os chamados ecochefs, cozinheiros que trabalham com a noção de sustentabilidade na cadeia produtiva. “A sociedade civil é quem provoca a mudança”, diz.

Evandro Pereira fatura R$ 800,00 por dia vendendo frutas e verduras em Niterói

Municípios fluminenses como Guapimirim, Magé, Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, Niterói e Nova Iguaçu estão entre os principais fornecedores para as feiras orgânicas, que já se popularizaram em bairros do Rio, como Santa Teresa, Glória, Laranjeiras, Flamengo, Botafogo, Copacabana, Ipanema, Jardim Botânico, Barra, Jacarepaguá, Campo Grande e Fundão. Em Niterói, há feiras em Icaraí e Santa Rosa.

O mapa de feiras orgânicas no site do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor lista 500 delas espalhadas pelo Brasil, com nomes tão sugestivos como Grupo de Consumo Consciente Instituto Giramundo, de Botucatu, SP; Nossa Horta, de Aracaju, Sergipe; Feira Orgânica com Suporte da Agricultura Local e longe dos meios de grande produção, de Brumado, Bahia, entre tantos outros.

Outra manifestação importante do consumo local de frutas e hortaliças são as hortas e pomares comunitários em grandes cidades, em espaços urbanos ociosos e degradados. Recife, por exemplo, tem um projeto neste sentido para “estimular a criação de novas ofertas de ocupação produtiva, aumento da oferta de alimentos a preços mais baixos, melhoria da qualidade de vida da população e fortalecimento da democracia e da participação social”.

Por trás de tudo isso há políticas públicas como a criação, em 1996, do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), destinado a financiar pequenos produtores. A ação foi complementada em 2003, com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal e do Programa Nacional de Alimentação Escolar, visando a entregar uma merenda escolar mais saudável. Outro passo importante foi o estabelecimento, em 2006, da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e da realização periódica das Conferências Nacionais, nas quais entidades públicas e privadas, produtores, consumidores e órgãos da sociedade civil discutem as demandas a serem levadas aos governos, em todos os níveis. A última, de número cinco, ocorreu em novembro, em Brasília.

A ação dos “locávoros” comporta o renascimento de antigas atividades, com nova roupagem. É o caso dos verdureiros montados em burros, que iam de casa em casa oferecendo hortaliças e frutas dos balaios que levavam na montaria, um de cada lado. Hoje, o verdureiro pode aparecer em sua porta empurrando um carrinho daqueles de obras, abarrotado de hortifrutigranjeiros.

É o caso de Evandro Pereira, um paraibano de 28 anos, casado e pai de três filhas, morador de Engenheiro Pedreira, a 64 quilômetros do Rio. Ele acorda às 7 da manhã, leva uma hora de trem até a Central do Brasil e mais uma hora, de van, até Rio Bonito, a 82 quilômetros do Rio. Lá sobe em um dos quatro caminhões que farão o sentido inverso, carregados de frutas, verduras e legumes comprados nas áreas rurais de Rio Bonito, Casimiro de Abreu, Silva Jardim e Miguel Pereira. O destino é o Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense. Os caminhões levam também cerca de 22 a 27 vendedores, ou verdureiros, com seus respectivos carrinhos.

Evandro é deixado com seu carrinho próximo ao bairro do Vital Brasil, em Niterói, de onde parte para vender sua carga, de porta em porta, por Jardim Icaraí e Santa Rosa. Ele diz faturar em média R$ 800 por dia, o que lhe permite tirar, por comissão, R$ 4 mil mensais. Ele está há quatro anos numa atividade pesadíssima, ainda mais com as elevadas temperaturas no Rio. Mas engana-se quem pensa que, encerrada a “feira”, ele rume para Japeri. Segue para uma choperia, na Barra da Tijuca, onde trabalha como garçom, de 23h às 4h da manhã, complementando a renda. Só então vai para a casa dormir de três a quatro horas e começar tudo de novo.

Viva o povo brasileiro!

Trajano de Moraes

Jornalista com longas passagens por Jornal do Brasil, na década de 1970, e O Globo (1987 a 2014), sempre tratando de temas de Política Internacional e/ou Economia. Estava posto em sossego quando foi irresistivelmente atraído pelos encantos do #Colabora. E resolveu sair da toca.

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