A sustentabilidade nossa de cada dia

Em 2010, o Brasil já tinha quase 20 milhões de habitantes com idade superior a 60 anos, mais de 10% da população

Banco Mundial calcula que 29,7% dos brasileiros terão mais de 60 anos em 2050

Por Cristina Alves | ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 12 de novembro de 2015 - 06:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:54

Em 2010, o Brasil já tinha quase 20 milhões de habitantes com idade superior a 60 anos, mais de 10% da população
Em 2010, o Brasil já tinha quase 20 milhões de habitantes com idade superior a 60 anos, mais de 10% da população
Em 2010, o Brasil já tinha quase 20 milhões de habitantes com idade superior a 60 anos, mais de 10% da população

Você está se preparando para envelhecer? Não pergunto isso interessada em saber quantos dias por semana você frequenta a academia ou se comprou o remédio da pressão ontem. Longe de mim.

Pergunto, porque acredito que, para ser sustentável, não basta agir pelo bem do planeta, mas é preciso zelar pelo nosso próprio futuro. Melhor dizendo, pela nossa velhice. Sim, porque ela virá. E se não vier, tanto pior.

Estudo do Banco Mundial intitulado “Envelhecendo num Brasil mais Velho” estima que, em 2050, seremos 64 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais, ou 29,7% da população. Praticamente, um em cada três de nós. Hoje, o Japão, que tem a maior população de idosos do mundo, tem 24%.

O envelhecimento da nossa população tem vindo a galope. Pelos mesmos dados do Banco Mundial, em 1950, éramos 2,6 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais, o que representava 4,9% da população total. Em 2010, já éramos 19,6 milhões ou 10,2% da população total.

Estamos preparados para ter a população idosa do Japão sem sermos ricos como o Japão? Vamos dar conta de garantir vida digna para esse contingente de cabeças brancas? Aparentemente não, mesmo que estejamos entre as oito maiores economias do mundo, como estamos hoje.

Corremos para tentar tapar o buraco da Previdência Social que, só em 2015, consumirá R$ 424,5 bilhões, pelos cálculos do governo. Praticamente metade desse dinheiro é para honrar benefícios de quem ganha até um salário mínimo (dois terços do total, de 31 milhões de benefícios no país). Não tem dinheiro já hoje. Não é à toa que se torna necessário (re)criar impostos!

A expectativa de vida do brasileiro está em 74,9 anos, segundo levantamento do IBGE de 2013. Desde os anos 80, ganhamos mais 12,4 anos de vida. Nós, mulheres, então, vivemos em média 7,3 anos a mais. Muito por culpa da violência que atinge os jovens do sexo masculino.

O país passa por uma transição demográfica acelerada, num comportamento que, verdade se diga, afeta também outros países em desenvolvimento.

Por transição demográfica, entenda-se o processo de mudança da população de um estágio inicial de alta fecundidade e predomínio de jovens para um estágio caracterizado por baixa fecundidade, baixa taxa de mortalidade e preponderância de população idosa.

Entendido o conceito, vamos aos fatos: enquanto a França levou mais de um século para dobrar a parcela de pessoas com 65 anos ou mais (passando de 7% para 14% da população total), estamos fazendo isso em apenas duas décadas. Nos EUA, esse processo levou 60 anos. Na Espanha, 40 anos. Parte deste fenômeno tem a ver com o fato de que, no caso brasileiro, a queda da fecundidade foi muito expressiva. A mulher brasileira tinha seis filhos, em média, no início dos anos 1960. Agora tem menos de dois. Uma radical mudança de comportamento que, diga-se de passagem, não foi fruto de uma política pública específica, mas da significativa inserção da mulher no mercado de trabalho e de maior escolarização.

Diante dessa rápida transformação, pergunto: se já hoje não conseguimos fechar as contas para garantir uma renda digna para nossos velhos, como será no futuro?

Num outro recorte da pirâmide populacional, constatamos que, hoje, os brasileiros com 65 anos ou mais representam 8% da população total. Na faixa de zero a 14 anos, há 23% e, entre 15 e 64 anos, 69%. Dentro de 20 anos, pelas projeções do IBGE, dobraríamos a população na faixa de 65 anos ou mais, para 16% do total. Teríamos recuado para 16% o percentual de crianças até 14 anos e teríamos 68% dos brasileiros na faixa de 15 a 64 anos.

Como vamos ter dinheiro para bancar esse contingente de idosos que teremos se temos ainda o desafio permanente de cuidar de nossas crianças e jovens? Um cálculo oficial ajuda a dar a dimensão da questão.

Hoje, cada 1.000 pessoas em idade ativa no país se encarregam do sustento de 304 jovens. Em 2000, eram 421. Em 2060, o número cairá para 197. Os números são do Cenário Macroeconômico 2016-2019, apresentado pelo Ministério do Planejamento em setembro de 2015, no âmbito do Programa Plurianual (PPA).

E o que acontece em relação aos idosos? Hoje, cada 1.000 pessoas em idade ativa respondem pelo sustento de 112 idosos. Em 2000, esse número era de 84. Em 2060, serão 438.

Ou seja, a responsabilidade de cuidar financeiramente dos nossos velhos vai pesar cada vez mais nos ombros de filhos e netos se não começarmos a pensar numa estratégia desde agora.

Não me diga que basta fazer um gigante pé de meia para enfrentar o futuro. Não basta. Dá para imaginar quanto você precisaria para viver com dignidade até os 90? Difícil… Sem falar que, faltando poucos anos para a aposentadoria, muitos profissionais são forçados a deixar o mercado formal de trabalho.

Levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) aponta que, das 18,2 milhões de empresas que o Brasil tem hoje, mais da metade (9,9 milhões) é de empreendedores individuais. Gente que resolveu se virar por conta própria, se reinventar.  São jovens, não tão jovens e jovens de cabelos brancos. Será que esses empreendedores estão fazendo seu pé de meia para a velhice? Será que contribuem para o INSS?

São, portanto, dois desafios. Um, na esfera pública, de fechar as contas hoje e se preparar para um peso maior no pagamento de aposentadorias e pensões no futuro. Outro, na esfera individual, de perseguir sua microsustentabilidade, de fazer economia para o futuro e garantir um complemento para a renda que o governo promete pagar via INSS. Mas isso basta? Ou, ao contrário, estaremos todos fadados a receber um salário mínimo na aposentadoria, se tanto?

É preciso pensar, cada vez mais cedo, na solução futura para cada um de nós, na sustentabilidade nossa de cada dia. E aí não me refiro apenas ao desafio do planejamento financeiro para enfrentar o futuro incerto. Falo da necessidade de se viabilizar social e profissionalmente para além dos 60 anos. Para viver, quem sabe, até os 90.

São cada vez mais brasileiros grisalhos nas piscinas dos clubes, nas esteiras das academias. E nós, quando chegarmos lá, vamos ter dinheiro e saúde para isso? Quem vai garantir a renda da nossa aposentadoria se nascem menos brasileiros e os jovens encontram dificuldades de inserção no mercado formal de trabalho?

Toda essa discussão sobre longevidade _ muito ligada aos avanços da medicina e da ciência, com novos controles epidemiológicos _ conecta-se a outro tema extremamente relevante e que precisamos enfrentar como nação: estamos perdendo o bonde do bônus demográfico. E esse era um bonde que poderia, verdadeiramente, nos levar mais longe.

Trata-se de uma imensa vantagem termos uma população predominantemente (ainda) jovem apta ao mercado de trabalho. São eles que, bem preparados e produzindo, têm condições de levar o Brasil a outro patamar de desenvolvimento.

Em breve, em 2030, essa janela de oportunidade vai se fechar e teremos mais idosos do que jovens para arregaçar as mangas e produzir, para botar seus cérebros para funcionar. Em recente entrevista, o professor José Eustáquio Alves, demógrafo do IBGE, apresentava os números: o Brasil tem hoje 81% da sua população em idade de trabalhar. Ou seja, é um passaporte para um futuro digno, de qualidade. Mas, para atingir o patamar de economias desenvolvidas, seria preciso ter 70% desse contingente ocupado. Temos quanto? Metade. Estamos jogando fora uma chance ímpar. Diz o professor que precisaríamos abrir 22,7 milhões de postos de trabalho para dar conta de botar essa moçada para produzir um país melhor.

É verdade que, até há pouco tempo, o Brasil registrava as menores taxas de desemprego da sua história. Bingo! Mas esse quadro está mudando rapidamente. Nos últimos 12 meses, perdemos quase um milhão de postos de trabalho.

Repetindo as palavras do professor José Eustáquio: estamos ficando velhos antes de nos tornarmos ricos. Nós e o Brasil.

Torna-se imperioso entender o quanto todas essas questões estão intrinsecamente ligadas. E digo isso porque não cabe ao Estado apenas e tão somente arranjar dinheiro aqui ou acolá para pagar as aposentadorias em dia. É preciso estruturar uma rede de saúde decente e um sistema de transportes eficiente para que a população idosa possa embarcar num ônibus ou num metrô com segurança. É preciso até mesmo ter calçadas mais seguras para que os nossos idosos possam caminhar em seus passos lentos ou locomover-se numa cadeira de rodas.

Precisamos, enfim, de uma rota segura para não tropeçarmos nas pedras do caminho.

 

Cristina Alves

Cristina Alves é jornalista formada pela UFRJ, tem especialização em Políticas Públicas, Gestão e Liderança e está concluindo um MBA em Petróleo e Gás na Coppe. Com mais de 20 anos de experiência em redações, foi editora de Economia do GLOBO e hoje é sócia-diretora da empresa Nau Comunicação. Tem dois filhos e espera viver muito.

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