ODS 1
Os sem-museus
Das 128 instituições públicas e privadas do Rio de Janeiro, só 40 ficam fora da Zona Sul e do Centro
Das 128 instituições públicas e privadas do Rio de Janeiro, só 40 ficam fora da Zona Sul e do Centro
Entre as pessoas que circulavam pela Praça Mauá em uma manhã de sábado, Sandra Oliveira, moradora de Campo Grande, e Maria da Cruz Viana, de Jacarepaguá, estavam ali para visitar pela terceira vez o Museu do Amanhã. Mas, desta vez, era diferente: as duas amigas resolveram se hospedar na Rua do Senado durante o fim de semana para conhecerem os museus do Centro do Rio de Janeiro. O motivo? A falta de referências culturais perto de casa. “Adoro ir a museus, mas em Campo Grande não tem nenhum. Durante a semana, trabalhamos e não temos como vir para cá; então resolvemos aproveitar o sábado e o domingo”, conta Sandra. “Hoje também vamos ao Centro Cultural Banco do Brasil.”
[g1_quote author_name=”Sandra Oliveira” author_description=”Moradora de Campo Grande” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Adoro ir a museus, mas em Campo Grande não tem nenhum. Durante a semana trabalhamos e não temos como vir para cá (Museu do Amanhã), então resolvemos aproveitar o sábado e o domingo
[/g1_quote]Dos 128 museus públicos e privados em funcionamento na cidade e cadastrados na Rede Nacional de Identificação de Museus, do Ibram, 88 estão localizados na Zona Sul e no Centro – regiões de planejamento delimitadas pela Prefeitura. Logo, apenas 40 museus do município estão fora dessas áreas, menos de 32% do total. O cenário ainda piora se levarmos em consideração somente as instituições públicas: das 75, só 17 não estão nas duas regiões de planejamento, ou seja, 22,6%.
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Essa concentração não leva em conta a distribuição demográfica. Somados, os moradores da Zona Sul e do Centro equivalem a apenas 14,78% da população total do Rio de Janeiro, segundo o Censo de 2010 do IBGE. Dados de 2018 do Instituto Pereira Passos mostram que, em termos de extensão territorial, essas duas regiões correspondem a cerca de 6,61% da área total do município. Madureira e Campo Grande, por exemplo, que juntos reúnem mais de 1 milhão de habitantes, não sediam museu algum.
A equipe do #Colabora conversou com 20 moradores do município do Rio que visitavam o Museu do Amanhã naquele sábado. Nenhum deles morava nas proximidades do Centro, e apenas dois viviam na Zona Sul. A bióloga Simone e o advogado Alexandre Oliveira vieram de Realengo, na Zona Oeste, para trazer o filho de 5 anos para conhecer o museu. Perto de casa, só conhecem o Centro Cultural Arlindo Cruz. “Costumamos vir para o Centro porque tem mais museus, o acesso é mais fácil, e, às vezes é de graça”, explica Alexandre, que elege como seu preferido a Casa da Tia Ciata, próximo ao Cais do Valongo. “É o meu preferido. Antes de ir lá, eu não conhecia a história dos meus antepassados negros. Foi um choque de cultura.”. O museu preferido de Simone era o Museu Nacional: “Sou bióloga, então, ali eu achava muito material. Foi uma perda muito grande de patrimônio científico”.
[g1_quote author_name=”Alexandre Oliveira” author_description=”Advogado” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Costumamos vir para o Centro porque tem mais museus, o acesso é mais fácil, e, às vezes é de graça. O meu preferido é a Casa da Tia Ciata, próximo ao Cais do Valongo. Antes de ir lá eu não conhecia a história dos meus antepassados negros. Foi um choque de cultura
[/g1_quote]A estatística Daisy Gentil também frequentava o Museu Nacional. Por conta do incêndio no museu, na Quinta da Boa Vista, o passeio do fim de semana passou a ser feito na Praça Mauá:. “Não gosto do Museu do Amanhã, apesar de estar visitando pela quarta vez. É lindo por fora, mas, às vezes, não tem nenhuma exposição nova e fica vazio por dentro. Só volto para trazer amigos ou parentes que nunca vieram.”. Moradora do Méier, ela comenta que perto de casa só conhece o Museu do Trem, mas não costuma visitá-lo: “Está caindo aos pedaços. Tenho medo até de andar ali dentro”.
Claudia Rodrigues, arquivista e moradora de Guadalupe, gosta de museus que tenham natureza por perto. “Onde moro não tem muito disso, tem mais colégios e residências ali perto da Vila Militar e do Campo dos Afonsos”, comenta. “Tenho que correr para onde tem cultura.”
Mas nem todo mundo tem condições de se deslocar para conhecer as instituições culturais do eixo Zona Sul e Centro. Para Ivanilda de Oliveira, empregada doméstica, a falta de oportunidade é o motivo de nunca ter ido a um museu. Paraibana, ela parou de estudar no ensino fundamental. Começou a trabalhar com 13 anos e se mudou para o Rio de Janeiro aos 20, com o sonho de ter um salário melhor e buscar um futuro para os filhos na cidade. Hoje vive com a família na Nova Holanda, no conjunto de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio, e trabalha em Botafogo, na Zona Sul. Conta que tem vontade de conhecer o Museu da Maré. Este é o primeiro que ela cita quando perguntamos se tem vontade de conhecer algum museu:. “Ainda não consegui ir porque tenho medo de atravessar para o Morro do Timbau, onde ele fica. É muito perigoso porque essa área fica sob o comando de outra facção”, explica.
Ela não está sozinha. A pesquisa Cultura nas Capitais, realizada pelo Ministério da Cultura em 2017, mostra que cerca de um terço da população carioca nunca foi a um museu. Os piores índices são de quem só tem ensino fundamental (49%), e das classes D e E (55%) e tem mais de 60 anos (36%). É o caso da doméstica Ivanilda. Uma de suas netas, de 12 anos, já visitou o Museu Nacional de Belas Artes, no Centro, em um passeio da escola. A outra, de 9, ainda não quis participar do passeio. “Eu também queria conhecer o Museu do Amanhã, o das Belas Artes… Mas trabalho desde cedo todos os dias e costumo trabalhar como babá no fim de semana, então quando tenho tempo livre fico em casa cuidando das minhas netas, não quero ir para longe”, justifica Ivanilda. Além do Museu da Maré, só existem mais dois museus na região de planejamento de Ramos, onde ela mora.
[g1_quote author_name=”Ivanilda de Oliveira” author_description=”Empregada Doméstica” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Eu também queria conhecer o Museu do Amanhã, o de Belas Artes… Mas trabalho desde cedo todos os dias e costumo trabalhar como babá no fim de semana, então quando tenho tempo livre fico em casa cuidando das minhas netas, não quero ir para longe
[/g1_quote]Para lutar por uma democratização do acesso aos museus e pelo direito à memória, estudantes de Museologia da UniRio criaram em setembro do ano passado o movimento Museus para Todos. Lucas Willian, representante do grupo, afirma que essa distribuição geográfica excludente contribui para que os espaços culturais continuem como lugares da elite: “Os museus participam de um projeto de construção de um ideal nacional. O período da Ditadura Militar foi responsável em grande parte por essas construções, concentradas quase que exclusivamente no Centro e na Zona Sul por serem áreas mais elitizadas, entendendo que museus também são símbolos de poder”.
Willian defende que os museus podem ser “espaços para ruptura de determinismos e estigmas, que podem dar protagonismo, ser políticos e estratégicos”. Por isso, segundo o estudante, é importante que eles sejam espaços de fala e afirmação de todos os grupos. Ele acredita que o cenário de exclusão cultural melhorou desde a redemocratização, mas ainda há muito o que mudar: “Apesar de termos vivido uma certa expansão, devido a políticas culturais como o Plano Museológico e os Pontos de Cultura, essa expansão ainda é pequena. Se aumentarmos o alcance do nosso olhar, vemos que existe um verdadeiro apagão, com raras áreas de penumbra”.
Vera Lúcia Mangas Silva, representante regional do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), no Rio de Janeiro, aponta a importância de ações de integração entre os museus da esfera municipal, estadual e federal para aumentar a visibilidade das instituições que ficam fora do eixo Zona Sul e Centro. “Muitas vezes, momentos como a Primavera dos Museus e a Semana Nacional dos Museus são chances de museus não tão conhecidos ampliarem o público. Já tivemos casos de museus cujo número de visitantes aumentou em 100% depois dessas ações”, ressalta.
A museóloga disse desconhecer a pesquisa do Ministério da Cultura que mostrou que um terço da população do município nunca visitou um museu, mas acredita que esse cenário já mudou. Para Vera, a criação do Museu do Amanhã incentivou os cariocas a frequentarem mais instituições culturais. Ainda assim, a representante do Ibram destaca dois desafios para aumentar a arrecadação e a visitação desses espaços: a dificuldade do poder público de manter a estrutura e o acervo e a necessidade da sociedade civil de se conscientizar da importância de visitar museus como ação de valorização do patrimônio. “Muita gente viaja e conhece museus em outros estados e países. Precisamos consolidar a posição dos museus cariocas como espaço de conhecimento e reflexão”, comenta.
A luta por investimentos
A desigualdade entre os museus não está apenas no mapa da cidade, mas também na arrecadação. Dois anos depois da inauguração do Museu do Amanhã, o diretor-presidente da instituição, Ricardo Piquet, afirmou em entrevista à Folha de S.ão Paulo que o orçamento previsto para o museu era de R$ 32 milhões. Enquanto isso, o Museu do Açude, no Alto da Boa Vista –– o mais antigo fora do eixo Zona Sul e Centro –– divide uma verba anual de apenas R$ 2 milhões com o Museu Chácara do Céu, sob administração da instituição Museus Castro Maya.
O Museu do Açude foi fundado em 1964, como propriedade da família Castro Maya, e foi incorporado pela União em 1983. A dificuldade de acesso pode ser um dos motivos do baixo número de visitantes, já que a instituição fica na Estrada do Açude e o ponto de ônibus mais próximo está a 15 minutos de distância, caminhando ladeira acima. Quem consegue chegar ao museu vê problemas de conservação, como mofo nas paredes, locais de água parada, pisos quebrados e falta de limpeza. A adega do empresário Castro Maya, que era exposta ao público, cedeu há dois anos por conta da umidade e nunca foi recuperada.
A luta por investimentos para reformas também passa por questões legais. A Lei Nacional de Incentivo à Cultura (Lei 8.313/91), também conhecida como Lei Rouanet, é o principal mecanismo de fomento à cultura do país. A partir dela, pessoas físicas ou jurídicas que tenham a área cultural como foco de atuação podem enviar projetos para serem avaliados pelo Ministério da Cultura. Se aprovados, os titulares desses projetos são autorizados a captar recursos pela iniciativa privada –– que, em contrapartida, recebe incentivos fiscais do governo pelo investimento. Em dezembro de 2018, a Lei Rouanet completou 27 anos, mas foi somente no ano anterior que ela passou a incluir um segmento cultural específico para Museu e Memórias.
O problema é que, apesar dos projetos de arrecadação serem aprovados pelo Ministério da Cultura, na prática muitos museus não conseguem atrair o investimento privado. Segundo o Portal de Visualização do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura, entre 2010 e 2018, o Museu Nacional teve seis projetos aprovados para captação de recursos via Lei Rouanet, o que significaria uma arrecadação de mais de R$ 17 milhões. No entanto, só conseguiu, de fato, uma verba de R$ 1 milhão. O Museu do Amanhã, mais uma vez, foi o projeto que mais captou verba pela Lei Rouanet em 2017: foram mais R$ 16 milhões. O Ministério da Cultura autorizou a Associação Cultural dos Amigos dos Museus Castro Maya a captar R$ 6 milhões para obras nas instituições. A questão é se a Associação conseguirá atrair o interesse da iniciativa privada para o projeto.
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Fernanda e Júlia estão cursando o último ano de Jornalismo na PUC-Rio. Fernanda Iniciou a vida profissional no setor impresso do Comunicar, responsável pela comunicação institucional da PUC-Rio. Atualmente, é estagiária de Customer Success e Inteligência de Mercado na Cortex Intelligence. Júlia se interessa por arte, educação e audiovisual. Já trabalhou no CTAv da PUC-Rio e atualmente é estagiária na Mongeral Aegon.
Essa matéria, interessante, falhou na sua premissa inicial ou, até, como e comum, por não saber distinguir o MUSEU dos demais instrumentos culturais. Museus se formam, ou deveriam se formar, a partir de uma coleção de interesse para a sociedade. De.modo tradicional, nos prédios ligados a essas coleções. Esse e especificamente o caso das casas museus.
A cidade cresceu enormemente. Portanto museus centrais ou estão nos seus prédios originais, escolhidos à época da criação de cada museu ou instalados nas residências. Casa de Benjamin Constant, de Rui Barbosa, Eva Klabin, de Oliveira Viana, museus Castro Maia ou, por exemplo, Museu histórico Nacional, museu do Catete, Belas Artes….e os prédios construídos para.museus, MAM , Mac, Museu do Amanhã, Mar…foram construídos em locais centrais para atender a população como um todo.
Ressalvo se que MAc e Museu dao Amanhã não se constituem efetivamente em museus pois não têm acervos. São instalações culturais.
Já os museus distantes do centro como o. Ex. Aa Casa do Pontal, o sítio Burle Marx, os museus da Fiocruz, de astronomia entre outros respeitam a mesma ideia de instalação nos prédios já existentes.
Há duas soluções para a questão cultura deslocada da centro da cidade.
1. Manifestação das comunidades junto aos órgãos de cultura para que sejam levados eventos culturais a esses pontos. Não me refiro a shows de música e espetáculos, mas eventos centrados em manifestações de artes visuais, literatura,poesia, mídia digital
, história e elementos históricos, folclóricos etc. Um bom exemplo e o que se faz no museu da Maré.
Manifestação para a reativação dos museus já existentes, como o citado museu do trem, o aeroespacial….
2. Exposições itinerantes que levassem acervo dos museus centrais para a periferia.
Aprecio muito as matérias do Aydano, pois surpreende pelos temas pesquisados, além da forma clara que escreve e transmite suas análises estimulando a reflexão do leitor.
Claudia Lessa