O que faz alguém fundar um bloco?

O pessoal do bloco “Que pena, amor”, criado em homenagem à banda Raça Negra. Foto Leo Nakamura

Os sonhos e as agruras de quem está por trás da alegria do Carnaval de rua

Por Bibiana Maia | ODS 9 • Publicada em 13 de fevereiro de 2018 - 10:31 • Atualizada em 13 de fevereiro de 2018 - 13:12

O pessoal do bloco “Que pena, amor”, criado em homenagem à banda Raça Negra. Foto Leo Nakamura
O pessoal do bloco "Que pena, amor", criado em homenagem à banda Raça Negra. Foto Leo Nakamura
O pessoal do bloco “Que pena, amor”, criado em homenagem à banda Raça Negra. Foto Leo Nakamura

Há mais ou menos um ano, um grupo de amigos que fiz na oficina do bloco “Terreirada Cearense” me veio com um convite inusitado: criar um bloco que fizesse uma homenagem à banda Raça Negra. Fundamos o “Que pena, amor”, com um bando de músicos amadores, e assim abriu-se um longo e árduo caminho de trabalho para o nosso ápice: a apresentação na segunda-feira de carnaval. Entre choros e sorrisos, a gente se agarrou ao objetivo final, que era reunir os amigos e levar alegria para centenas de desconhecidos.

A gente já pensou várias vezes em desistir porque não quer lucrar com isso, não tem nenhum interesse de se profissionalizar desta forma. Nosso bloco é militância. Dá vontade de desistir por falta de pessoas, por falta de apoio, mas no fim acaba dando tudo certo

Assim como eu, muitos outros antes já encararam esse desafio que é ajudar a construir o carnaval de rua. No “Que pena, amor” o foco é entreter e homenagear uma banda da qual somos fãs, misturando uma série de ritmos populares, da marchinha ao funk. Mas há grupos que agregam também outras mensagens aos seus desfiles. No “Bloco D’águas”, que faz seu terceiro carnaval, este ano na Penha, Zona Norte do Rio, a proposta é revitalizar o carnaval suburbano e falar da importância da água para a nossa sobrevivência.

O "Bloco D'águas” pediu instrumentos emprestados e buscou editais para viabilizar a ideia. Foto Divulgação
O “Bloco D’águas” pediu instrumentos emprestados e buscou editais para viabilizar a ideia. Foto Divulgação

“O carnaval da região estava sofrendo um esvaziamento pela violência e a mesmice. Quisemos colocar a juventude para fazer o carnaval, que está muito concentrado no Centro e na Zona Sul. E colocar em pauta a questão da água. Temos músicas sobre mar, rio, cachoeira, Oxum… Pretendemos resgatar clássicos da música brasileira e falar da importância deste recurso que está tão escasso”, conta o biólogo Rafael Carvalho, de 29 anos, um dos fundadores.

Em São Paulo, o “FrancisKryshna” surgiu em 2016 para passar mensagens de amor, inspirado no bloco mineiro “Pena de Pavão de Krishna”. Quando a jornalista Phydia de Athayde viu, quis levar a ideia para a sua cidade e criou o bloco que toca mantras indianos, “Andar com Fé”, de Gilberto Gil, “Santa Clara”, de Jorge Ben, e até uma versão própria da oração de São Francisco em ritmo de xote.

“A mensagem de São Francisco de Assis diz ‘Fazei-me instrumento de vossa paz’. Todo mundo conhece, não tem quem não goste desse santo, que é alegre, ligado à natureza e ao trabalho em prol de um mundo melhor. Krishna e São Francisco são representantes diferentes de uma mesma mensagem de amor universal. Juntar tudo isso com carnaval é que é a graça da coisa! A batucada atrai as pessoas, é muito poderosa e pode ser usada para reverberar mensagens assim”, conta.

O “FrancisKryshna” surgiu em 2016, em São Paulo, para passar mensagens de amor. Foto Divulgação
O “FrancisKryshna” surgiu em 2016, em São Paulo, para passar mensagens de amor. Foto Divulgação

Mas nem tudo são flores neste processo de colocar o bloco na rua. No caso de blocos oficiais, como o “Que pena, amor”, existe uma série de demandas burocráticas e custosas a serem cumpridas, e para levantar dinheiro foi preciso fazer várias iniciativas entre elas pedir contribuições dos integrantes, vender rifa, buscar apoio de marcas, e fazer ensaios abertos cobrando entrada. E ainda é preciso ter serenidade para gerenciar um grupo muito grande e diverso de pessoas. Às vezes a vontade que dá é de jogar tudo para o alto.

No caso do “Bloco D’águas”, eles tiveram que pedir instrumentos emprestados e buscar editais para viabilizar a ideia. “A gente já pensou várias vezes em desistir porque não quer lucrar com isso, não tem nenhum interesse de se profissionalizar desta forma. Nosso bloco é militância. Dá vontade de desistir por falta de pessoas, por falta de apoio, mas no fim acaba dando tudo certo”, conta Rafael.

Phydia conta que, quando teve a ideia do “FrancisKryshna”, conversou com amigos e amigos de amigos que foram somando para cantar, comandar a bateria e tocar. A saída para pagar o som e as fantasias foi fazer uma campanha de financiamento coletivo. Quando as coisas ficam difíceis ela lembra do propósito inicial: “Quando as coisas não saem como eu planejei, eu me lembro que o bloco não é meu: é de São Francisco, é de Krishna, é de algo muito maior. Se o que eu planejei não saiu exatamente daquele jeito, é porque não era para ser”.

Antes de tudo, a alegria de estar com os amigos. Foto Leo Nakamura
Antes de tudo, a alegria de estar com os amigos. Foto Leo Nakamura

E o que esta jornada traz é uma sensação de estar compartilhando e ajudando a construir, através do carnaval, um mundo melhor. Cada um do seu jeito. “A gente tem muito orgulho do nosso bloco ser popular, de várias favelas, com mulheres e negros. A gente está feliz de mostrar a cultura popular de verdade, periférica”, conta Rafael. “Organizar um bloco é ter a experiência mágica de se reunir pra batucar desde meados do ano anterior, é ter a alegria de aprender a tocar um instrumento, fazer amigos novos, dar risada e de estar junto simplesmente porque se quer estar ali”, acrescenta Phydia.

O que faz um bando de loucos, como nós, criar um projeto que tem um ano de trabalho até se concretizar no carnaval é isso, é a alegria de estar com os amigos, conhecer outros, tocar, aprender coisas novas, como fazer arranjos, e ver que a gente ajudou a fazer a alegria de outras pessoas também. Somos gratos a todos que ajudam a construir o carnaval, seja formando o bloco, ou como folião.

Para acompanhar o Que pena, amor, o Bloco D’águas e o FrancisKryshna é só curtir as páginas nas redes sociais.

Bibiana Maia

Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.

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