Nada muda se não mudarmos

Os vídeos exibem situações de racismo, de masplaining e de objetificação. Foto Divulgação

Agência americana investe em campanhas internas e externas para acabar com o preconceito nosso de cada dia

Por Mônica Medeiros | ODS 8 • Publicada em 14 de fevereiro de 2019 - 08:30 • Atualizada em 14 de fevereiro de 2019 - 13:26

Os vídeos exibem situações de racismo, de masplaining e de objetificação. Foto Divulgação
Manifestantes protestam na Alemanha contra a xenofobia e o preconceito na Europa. Foto Susann Prautsch/DPA
Manifestantes protestam na Alemanha contra a xenofobia e o preconceito na Europa. Foto Susann Prautsch/DPA

A proeminência de Donald Trump na política americana abriu uma ferida há muito esquecida: o preconceito. Nos últimos dois anos, movimentos como o #blacklivesmatter e #metoo expuseram as agressões “light”, e as explicações desdenhosas que às vezes ofendem mais do que a própria agressão. Mas nem todos justificam o machismo como conversa de vestiário ou racismo com o popular “eu tenho um amigo preto”, e reconhecem que estavam insensíveis ao preconceito sutil. Em Nova York, os donos da agência de publicidade Oberland – Bill Oberlander e Drew Train concluíram que não bastava querer mudar. Tomaram a iniciativa de procurar casos de microagressão e preconceito inconsciente dentro de sua própria agência para efetivamente mudar a cultura de ignorar as ações que não são casos típicos de preconceito e criaram a campanha “Nothing Changes If We Don’t” (Nada Muda se Não Mudarmos).

A nova geração de consumidores tem aversão ao capitalismo selvagem e querem que as empresas tenham responsabilidade social. Uma campanha aqui e ali não é mais suficiente. Ter uma causa é crítico para o desenvolvimento de uma marca que se afirmará no mercado

Oberlander – Diretor Executivo de Criação – e Train – Presidente – reconheceram que a mudança tinha que começar por eles, demonstrando que não só condenavam o preconceito em todas as suas formas, mas também estavam dispostos a atacar o problema na sua esfera de influência – sua própria agência e a indústria de publicidade e marketing, onde são reconhecidos e respeitados por sua liderança. Oberlander é um publicitário premiado e o idealizador de campanhas famosas nos Estados Unidos. Ele e Train acreditam que o sucesso das marcas, hoje, está na sua proposta social. A nova geração de consumidores tem aversão ao capitalismo selvagem e querem que as empresas tenham responsabilidade social. Uma campanha aqui e ali não é mais suficiente. Ter uma causa é crítico para o desenvolvimento de uma marca que se afirmará no mercado. Eles estão convictos de que se as empresas investirem parte do seu orçamento para publicidade em uma causa social ou cultural, o retorno em vendas será maior. Uma causa que traz mudança e tem impacto social cria um ciclo positivo permanente, criando consumidores fiéis à marca. Eles querem gastar o seu dinheiro em marcas que se importam genuinamente com o bem social.

Os vídeos exibem situações de racismo, de masplaining e de objetificação. Foto Divulgação
Os vídeos exibem situações de racismo, de masplaining e de objetificação. Foto Divulgação

O primeiro passo para a mudança foi começar a transformação da Oberland, que emprega 25 profissionais, contratando uma auditoria para examinar as práticas da agência e um especialista em recursos humanos. O objetivo é revisar seus procedimentos para garantir diversidade e inclusão, seu programa de apoio à saúde mental, suas políticas de paridade, assédio e abuso no trabalho e o impacto que a agência tem no meio ambiente. O segundo passo foi iniciar o projeto “Nothing Changes If We don’t” (Nada Muda se Não Mudarmos) para demonstrar o preconceito velado e como ele é ofensivo a quem é direcionado. Os vídeos retratam situações muito comuns na indústria, e eles esperam que aqueles em quem a carapuça servir, os bem-intencionados pelo menos, parem de agir dessa forma, contribuindo para um ambiente de trabalho mais saudável.

Bill Oberlander e Drew Train , sócios da agência de publicidade Oberland. Foto Divulgação
Bill Oberlander e Drew Train , sócios da agência de publicidade Oberland. Foto Divulgação

Em abril, os sócios planejam lançar o Manual do Empregado com as expectativas para comportamento de seus profissionais. Com treinamentos obrigatórios sobre assédio sexual, diversidade e inclusão, a Oberland espera acabar com os comportamentos que constituem microagressões. Além disso, a agência vai equiparar os salários para que não haja discrepância entre homens e mulheres, etnias, idade, raça ou orientação sexual. Mesmo trabalho, mesmo salário. Os sócios acreditam que se continuassem a ter medo de encarar o problema do preconceito e estereótipos negativos, evitando conversar abertamente sobre o assunto, a mudança seria muito lenta, se ocorresse. Por isso decidiram mergulhar de cabeça nesse projeto.

Os primeiros cinco vídeos produzidos são situações que seus empregados relataram. São exemplos que todos reconhecem porque já viram ou viveram, mas nunca pararam para pensar como esses comportamentos demonstram ignorância, falta de sensibilidade e respeito com os colegas e com seu público. O preconceito velado é refletido nas campanhas publicitárias que produzem, perpetuando-se. Na maioria dos casos, o comportamento preconceituoso não é intencional, mas sim resultado da influência que a cultura prevalecente tem em nós.

Os vídeos apresentam o cenário e em seguida um profissional da indústria que já passou por aquela situação dá o seu depoimento e explica porque o comportamento retratado não é aceitável. Num dos vídeos, um gerente aconselha uma mulher de sua equipe a “controlar suas emoções”, depois que ela falou mais alto em uma reunião, enquanto um homem grita e xinga colegas na sala ao lado, mas o mesmo gerente não diz nada. Esse não é um exemplo que normalmente ilustra o machismo, mas é um comportamento paternalista – como se a mulher fosse uma histérica e não profissional – que ofende as mulheres pela injustiça que expectativas diferentes para homem e mulher representam. Em um outro vídeo, um gerente jovem entrevistando um candidato para sua equipe, assume que ele não conhece mídia social porque é mais velho. Não reflete obviamente o preconceito de idade, como “você é muito velho para esse cargo”, mas deixa claro que o gerente não acha o candidato capacitado só por causa da sua idade. Os outros três exibem situações de racismo, de masplaining e de objetificação uso de uma mulher de origem chinesa para mostrar ao cliente – dono de um restaurante japonês –  que há diversidade na produção do trabalho. Quando a mulher diz que não é de origem japonesa, o colega desdenhosamente diz “É tudo a mesma coisa”.

O plano de Oberlander e Train é envolver outras agências no processo de mudança, para que compartilhem suas experiências, contribuam com outras perspectivas do problema, e coproduzindo conteúdo para a campanha. Eles vão disponibilizar os relatórios da auditoria de sua empresa, o custo, os processos de equiparação salarial e criação de treinamento para que possam ser usados por outras empresas como um guia para mudança. O manual do empregado poderá ser copiado integralmente por quem quiser. É um esforço para mudar o mundo da publicidade e marketing e, quem sabe, outras indústrias.

Mônica Medeiros

Mônica é carioca mas expatriada nos EUA, onde fez mestrado em Jornalismo e foi professora de teoria da comunicação. Cobriu política, cidade e meio ambiente para O Globo e Veja. É jornalista freelance com interesse especial por cidadania, feminismo, meio ambiente, e apaixonada pela ideia de lixo zero. É também tradutora e voluntária de Tradutores sem Fronteira.

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