ODS 1
Jovens, empreendedores e com propósito
Millennials brasileiros, com fluência digital, abrem seu próprio negócio em busca de autonomia, diversão e impacto social
Ter o próprio negócio é o maior sonho para 33% dos brasileiros entrevistados na pesquisa GEM Brasil 2018, conduzida pelo Sebrae em parceria com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade. A vontade de empreender vem depois apenas de comprar casa própria, viajar pelo país e ter um automóvel. Ter um diploma de ensino superior (22%), fazer carreira numa empresa (19%) ou no serviço público (9%), por exemplo, são desejos que estão bem atrás na lista.
E os jovens vêm puxando essas estatísticas cada vez mais para cima. De acordo com o estudo, a taxa de empreendedorismo inicial entre os jovens situa-se próximo a 21%, ou seja: de cada dez jovens entre 18 e 24 anos, dois já possuem um negócio ou estão fazendo alguma ação com isso em mente. São cerca de 5,4 milhões de jovens nessa situação. Já na faixa entre 25 e 34 anos, o índice é ainda mais alto: 28,3% em 2018.
Mas por que esse jovem está tão animado para empreender? O que busca com isso e que tipo de empresa quer criar?
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Veja o que já enviamos“Esta nova geração de pessoas foi educada para assumir mais risco, ser mais protagonistas de suas vidas e, principalmente, ir atrás dos seus sonhos, utilizando a tecnologia a seu favor. São jovens que empreendem em redes sociais (youtubers, influenciadores digitais); marketplaces de serviços, como Enjoei, Elo7 ou Mercado Livre; em negócios tradicionais, como alimentos, vestuário ou prestação de serviços; e negócios inovadores, tipo startups”, aposta Marcelo Nakagawa, professor de empreendedorismo do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), com sede em São Paulo. “As motivações para este jovem empreender, em geral, estão relacionadas à autonomia, diversão e fluência digital”.
[g1_quote author_name=”Marco Bedê” author_description=”Analista do Sebrae” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Os mais jovens constituem um dos segmentos mais informatizados da nossa sociedade, o que lhes confere uma rapidez maior para obter informações, controlar seus negócios e tomar decisões. Embora lhes falte experiência, a tecnologia compensa esse gap e pode permitir constituir negócios com maior chance de sobrevivência
[/g1_quote]Graças a tal fluência digital, Maicon Alves, que trabalhou por seis anos como representante comercial de equipamentos médicos, teve uma ideia para otimizar o processo de vendas e economizar as horas que passava nos consultórios. “Percebendo que estava sempre junto com vários representantes no mesmo local, todos gastando um bom tempo e dinheiro para prospectar, tive a ideia de juntar nossas pastas de produtos e criar o Portal do Médico, com todos os itens numa plataforma unificada. Assim, apenas um representante faria a visita e o comprador acessaria o catálogo quando tivesse tempo”, lembra Maicon, que lançou o portal em 2014, aos 28 anos.
Para apostar na empresa, o empresário trancou a faculdade de Direito em Porto Alegre, mas não se arrependeu. De lá para cá, já foram R$ 1,2 bilhão negociados na plataforma que tem mais de 70 mil produtos e 45 mil clientes. O site evoluiu para um esquema de marketplace — que reúne diversas marcas e lojas em um só lugar e, claro, não precisa de vendedor. “A principal diferença é a percepção do empreendedorismo como uma opção de carreira comparado às gerações passadas que eram programadas para a cultura do emprego”, acredita Nakagawa, ao ponderar sobre o que separa a atual leva de jovens empreendedores das turmas passadas.
Os números confirmam a teoria. Na faixa dos mais jovens, de 18 a 24 anos, dois em cada três donos de negócio empreendem por oportunidade, ou seja: quem opta por iniciar uma empresa, mesmo quando possui outras alternativas de emprego.
Empreender com propósito
Do presidente de uma empresa que movimenta milhões de reais por ano à fundadora de uma startup que está dando seus primeiros passos, uma das palavras que mais sai da boca dos empreendedores é: propósito. A ideia parece ser essencial especialmente para os mais jovens.
Quando cursava a faculdade de engenharia ambiental em Porto Alegre, Natália Pietzsch, hoje com 30 anos, percebeu que os grandes centros urbanos enfrentavam um grande problema com o acúmulo de lixo, e viu ali três oportunidades: ajudar a resolver uma questão da sua comunidade; trabalhar com uma de suas paixões; e, é claro, garantir seu sustento. Quase dez anos depois, Natália acaba de fundar sua segunda empresa de ações para reciclagem e compostagem, a Arco.
O negócio foi criado há cerca de 9 meses e já tem 27 clientes que contratam os serviços de coleta e destinação adequada de resíduos. “A Arco nasceu da vontade de fomentar o mercado de gestão de resíduos de uma forma responsável. Os propósitos ambiental e social já vieram intrínsecos à atividade”, conta Natália. “E o melhor é que a gente ajuda outros negócios que querem também ser sustentáveis”. Sua experiência de trabalho junto a outros empresários iniciantes confirma: causar impacto social positivo é uma vontade crescente dos donos de novos empreendimentos.
“Boa parte dos jovens que estão criando novos negócios por oportunidade têm empreendido por propósito e desenvolvido inovações para tornar o mundo melhor. Por mais romântico que isso possa parecer, os resultados são concretos”, ressalta o professor do Insper. “Estão sendo criados negócios mais conscientes e integrados às comunidades, e que geram impactos positivos na sociedade e no meio ambiente”. Por isso, muitos jovens empreendem hoje em saúde, educação e inclusão social, transformando problemas sociais em oportunidades.
Millennials em vantagem
Motivação não falta. Mas será que os novos negócios têm potencial para darem certo? Para Marco Bedê, analista do Sebrae, há muitos fatores que colocam o novo empresário em vantagem. O especialista aponta que o nível de escolaridade médio cresce a cada ano, e isso favorece a sobrevivência dos novos negócios. Além disso, o jovem de hoje já cogita ser empreendedor há muito mais tempo, o que faz com que ele tenda a ter um maior preparo na hora de abrir seu negócio.
Como Maicon demonstrou, os mais jovens dominam ainda outra ferramenta-chave para o sucesso: a tecnologia. “Eles constituem um dos segmentos mais informatizados da nossa sociedade, o que lhes confere uma rapidez maior para obter informações, controlar seus negócios e tomar decisões. Embora lhes falte experiência, a tecnologia compensa esse gap e pode permitir constituir negócios com maior chance de sobrevivência”, acredita Bedê.
[g1_quote author_name=”Marcelo Nakagawa” author_description=”Professor de empreendedorismo do Insper ” author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]A principal diferença para os jovens é a percepção do empreendedorismo como uma opção de carreira comparado às gerações passadas que eram programadas para a cultura do emprego
[/g1_quote]A verdade é que os jovens de hoje, os millennials, têm grandes vantagens sobre quem começou a empreender dez anos atrás. O acesso à internet com banda larga é uma delas: permite maior rede de contatos, qualificação à distância e acesso a informações mais atualizadas sobre o mercado. A cultura de se permitir fracassar antes de acertar também foi um hábito adquirido que, segundo o professor Nakagawa, traz maiores chances de sucesso. “Vivenciar o empreendedorismo como algo baseado na tentativa e erro é importante. A nova geração de empreendedores é mais inovadora, se arriscando em novos conceitos”, destaca.
Além de um fôlego para erros e acertos, um ambiente que favorece múltiplos testes de mercado tem sido essencial para transformar ideias em negócios viáveis. Nakagawa explica: o empreendedor hoje, quando tem uma ideia, faz um protótipo e testa com potenciais usuários e clientes. Com as opiniões recebidas, melhora o protótipo e faz uma segunda sessão de validações, e assim por diante, até achar que tem um conceito vencedor nas mãos.
É um modelo conhecido como lean startup — criação de protótipos rápidos, projetados para validar suposições de mercado, e que usam o feedback dos clientes para melhorar o produto de modo contínuo. “O uso das redes sociais, aplicativos móveis e outros serviços online ajudam o empreender a ter feedbacks mais rápidos e baratos”, observa o pesquisador.
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Marina Cohen
Jornalista formada pela PUC-Rio. Trabalhou no jornal O Globo, no Jornal do Brasil, no site I Hate Flash e na revista Vizoo. Hoje, escreve para o Projeto#Colabora. É uma carioca louca pelo universo jovem, por observar as tendências da web, e por histórias contadas e protagonizadas por mulheres.