ODS 1
Fim da escala 6×1: movimento VAT alcança assinaturas e Congresso terá que discutir proposta
Quase 200 parlamentares já assinaram PEC da deputada Erika Hilton, elaborada a partir da mobilização do vereador eleito Rick Azevedo
Após uma semana de agitação nas redes sociais, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece a jornada de trabalho de, no máximo, 36 horas semanais, acabando com a escala de 6×1 conseguiu o número de assinaturas necessárias para começar a tramitar no Congresso Nacional. Após ser eleito vereador no Rio de Janeiro, Rick Azevedo, líder do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), conseguiu esquentar o debate sobre o fim da escala 6×1 na última semana e levar o tema a ser o mais comentado do antigo Twitter (agora X). Nesta quarta (13/09), Azevedo e a deputada federal Erika Hilton (Psol/RJ) deram entrevista coletiva na Câmara dos Deputados para anunciar que a PEC alcançou o número de 171 assinaturas necessárias para sua apresentação.
A deputada Erika Hilton revelou que o número de assinaturas está perto de 200 parlamentares – eram 194 antes do início da coletiva. “Nós ainda não protocolamos a PEC porque ainda há deputados avisando que querem assinar. A partir do protocolo, vamos ampliar o diálogo dentro do Congresso e acredito que ela poderá ser aprovada. Mas o fim da escala 6×1 é uma pauta dos trabalhadores”, disse a deputada do Psol, na entrevista no Salão Verde da Câmara, com a presença de parlamentares de vários partidos. “Nós não podemos falar em direitos humanos e prosperidade num país em que as pessoas não têm vida além do trabalho. As pessoas não podem prosperar porque estão presas numa escala desumana”, disse o vereador eleito Rick Azevedo. “E quero denunciar: tem trabalhadores no Brasil que trabalham 14, 15 dias sem folga”, acrescentou.
O deputado federal Guilherme Boulos anunciou, durante a coletiva, que o líder do União Brasil, Elmar Nascimento, havia feito contato para informar que a maioria da bancada de seu partido ia assinar a PEC. “Temos sentido aqui no Congresso que a questão da jornada de trabalho excessiva é uma questão que faz parte da preocupação de parlamentares de quase todos os partidos. E, a partir dos debates, vamos avançar nas discussões de diferentes aspectos”, afirmou Boulos.
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Veja o que já enviamosE, para esta sexta (15/11), feriado da Proclamação da República, estão sendo convocadas manifestações em cinco capitais e no Distrito Federal para apoiar a proposta. “A nossa luta já tomou o Brasil. Avançamos nas ruas, nas redes e no Congresso, sem voltar atrás. Continuem cobrando o apoio dos deputados à nossa PEC. A classe trabalhadora está fazendo história”, escreveu o líder do VAT em suas redes sociais. Na Câmara, Rick Azevedo agradeceu a adesão de mais parlamentares. “Como é que esta Casa poderia achar normal que um trabalhador tivesse apenas um dia de folga para cada seis dias trabalhados?”, questionou.
Rick Azevedo, que completa 31 anos exatamente neste 15 de novembro, era um desconhecido balconista de farmácia até setembro de 2023 quando um vídeo na sua conta no tiktok atacando a escala 6×1 viralizou (já tem mais de dois milhões de views): “É uma escravidão moderna. Se a gente não se revoltar, colocar a boca no mundo, meter o pé na porta, as coisas não vão mudar”, desabafou. Na onda da repercussão, nasceu o Vida Além do Trabalho (VAT), movimento pelo fim da escala 6×1 e uma vida digna. “Percebo que todo mundo está exausto. Ninguém aguenta mais a escala e a carga horária. As pessoas estão doentes e querem mudanças, mas, em situação de tanto esgotamento mental e físico, não sabiam como fazer, como falar. O movimento foi como um norte”, disse Rick Azevedo em entrevista à repórter Ana Carolina Ferreira, do #Colabora, em fevereiro.
De lá para cá, o movimento só cresceu. A petição online pedindo à Câmara dos Deputados a “revisão da escala de trabalho 6×1 e a implementação de alternativas que promovam uma jornada de trabalho mais equilibrada” chegou rapidamente a um milhão de assinaturas – chega a este 15 de novembro com quase 2,8 milhões. Em maio, a deputada federal Erika Hilton começou a recolher assinaturas para apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para reduzir a jornada de trabalho e acabar com a escala 6×1. Em outubro, Rick Azevedo surpreendeu a classe política do Rio de Janeiro e o próprio Psol ao ser eleito para a Câmara Municipal com quase 30 mil votos – o candidato a vereador mais votado do partido.
Outras propostas no Congresso
Ao menos outras duas PEC tratam da redução de jornada no Congresso Nacional, mas não acabam com a jornada 6×1, que é a principal demanda do VAT. Apresentada em 2019 pelo deputado Reginaldo Lopes (PT/MG), a PEC 221/2019 propõe uma redução, em um prazo de dez anos, de 44 horas semanais por 36 horas semanais de trabalho sem redução de salário. A PEC aguarda a designação do relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) da Câmara. A PEC da deputada Erika Hilton deve ser apensada à proposta do deputado Reginaldo Lopes para tramitação em conjunto.
A PEC 221/2019 inclui um novo dispositivo no artigo 7º da Constituição definindo que o trabalho normal não deve ser “superior a oito horas diárias e trinta e seis semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Apesar de a proposta não vetar a escala 6×1, o parlamentar tem defendido uma jornada de até 5 por 2. “Já passou da hora de o país adotar uma redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas e esse deve ser o centro de um governo popular. O Brasil tem que adotar um modelo de 4×3 ou 5×2, sem redução de salário”, defendeu Lopes em entrevista à Agência Brasil.
Outra proposta que reduz a jornada de trabalho em tramitação no Congresso Nacional é a PEC 148, de 2015, de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS). A PEC define uma redução de 44 horas para 40 horas semanais no primeiro ano. Em seguida, a jornada seria reduzida uma hora por ano até chegar às 36 horas semanais. Em uma rede social, Paim comemorou que o tema tenha voltado ao debate. “É muito bom ver que novos parlamentares, como a deputada federal Erika Hilton, estão sintonizados com as demandas históricas dos trabalhadores. Uma luta antiga. Espero que a Câmara dos Deputados vote essa proposta e que o Senado também vote iniciativas com a mesma temática”, destacou o senador.
Críticas de parlamentares e de entidades empresariais
A proposta para o fim da escala 6×1 também já provocou críticas de parlamentares. O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), líder do partido e candidato favorito à sucessão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara, afirmou nesta terça-feira (12) que a PEC pelo fim da escala 6×1 “preocupa muito” e precisa ser discutida com cuidado. “É um tema que nós temos e vamos discutir, mas não ouvindo apenas um lado. Temos de ouvir também quem emprega”, disse Motta.
O deputado Nikolas Ferreira (PL/MG), barulhento parlamentar bolsonarista, chamou a proposta de “bizarrice” e argumentou que a PEC é uma medida populista que pode gerar inflação e aumentar os custos para empresas, especialmente em setores como supermercados e hospitais. Segundo ele, os mais pobres acabariam sendo prejudicados, com demissões e redução dos salários.
Outro bolsonarista, o deputado Zé Trovão (PL-SC), disse, na Câmara, que é preciso pensar nos impactos negativos da proposta para o Brasil, para quem produz e quem gera emprego. “É a turminha da ‘lacrolândia’! São os meninos e as meninas que querem fazer bonito para os seus eleitores e ouvintes, e isso vai destruindo o Brasil”, atacou.
O deputado Mauricio Marcon (Pode-RS), vice-líder da oposição ao Governo Lula na Câmara defendeu que cada pessoa tenha liberdade para trabalhar o quanto quiser e não ficar presa em um sistema de 1940, ao citar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Eu poderia apresentar uma PEC determinando que o Governo tem que colocar R$ 1 milhão na conta de cada trabalhador. Apresentar coisas que não deram certo em lugar nenhum do mundo não passa de proselitismo político”, disse.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), entidade patronal onde atuam boa parte dos trabalhadores que trabalham na escala 6×1 também critiou a PEC. “A imposição de uma redução da jornada de trabalho sem a correspondente redução de salários implicará diretamente no aumento dos custos operacionais das empresas. Esse aumento inevitável na folha de pagamento pressionará ainda mais o setor produtivo, já onerado com diversas obrigações trabalhistas e fiscais”, afirmou, em nota, a CNC.
A proposta também recebeu críticas da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). “É uma proposta estapafúrdia e que não reflete a realidade. As regulamentações estabelecidas pela Constituição e expressas na CLT são modernas e já trazem as ferramentas para garantir condições de trabalho dignas e justas aos colaboradores. A legislação atual permite que os trabalhadores escolham regimes de jornada adequados ao seu perfil, sem a necessidade de uma alteração constitucional que impacte a operação dos estabelecimentos em todo o Brasil, além de prejudicar os consumidores”, diz Paulo Solmucci, presidente da Abrasel.
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