Amazônia tem mais de 84 mil estabelecimentos extrativistas sem energia elétrica

Mapeamento do Iema em nove estados revela exclusão elétrica e desafios para a sociobioeconomia na região

Por Oscar Valporto | ODS 7
Publicada em 5 de novembro de 2025 - 10:00  -  Atualizada em 5 de novembro de 2025 - 12:11
Tempo de leitura: 9 min

Trabalhador em colheita de açaí plantado no Pará: Amazônia Legal tem mais de 84 mil estabelecimentos extrativistas ainda sem energia elétrica (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil – 02/10/2025)

O estudo “Mapeamento da sociobioeconomia: bases para políticas de inclusão energética na Amazônia Legal”, produzido pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), lançado nesta quarta-feira (5), mostra que mais de 84 mil estabelecimentos extrativistas nos estados da Amazônia Legal estão sem acesso algum à energia elétrica. O estudo sistematizou os dados dos nove estados da Amazônia Legal avaliando produção vegetal, atividades agroextrativistas e acesso à energia elétrica das milhares de famílias que vivem da floresta como extrativistas, agricultores familiares e comunidades tradicionais.

O objetivo do estudo é subsidiar decisões governamentais e estratégias de inclusão produtiva, promovendo desenvolvimento sustentável, preservação ambiental e valorização da sociobioeconomia. “Para manter a floresta em pé, é preciso construir uma nova economia para a Amazônia, muito baseada nos produtos da sociobiodiversidade. A agricultura familiar já apresenta um modelo concreto para essa nova economia. Mas essa economia não se sustenta sem infraestrutura adequada. A Amazônia precisa de energia e potência, só levar luz não é suficiente para apoiar esse desenvolvimento. É necessário uma energia elétrica de qualidade e suficiente para garantir acesso a direitos básicos”, ressalta André Luis Ferreira, diretor-executivo do Iema.

O mapeamento apontou que Roraima, Amazonas e Pará concentram os maiores índices de exclusão elétrica entre estabelecimentos extrativistas, com 74%, 66% e 45% sem acesso, respectivamente; São Gabriel da Cachoeira (AM) e Cametá (PA) apresentam os maiores núcleos de não eletrificação, com mais de quatro mil unidades cada; a Amazônia Legal possui 685 mil estabelecimentos agropecuários, sendo 170 mil vinculados ao extrativismo vegetal; 85% são pequenas propriedades familiares; e açaí lidera a produção com 450 mil toneladas por ano (75% do total), seguido de babaçu (77 mil t) e castanha-do-brasil (27 mil t).

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A produção extrativista vegetal na Amazônia Legal chega a cerca de 600 mil toneladas por ano, representando 73% da produção nacional do setor. As lavouras permanentes somam aproximadamente 1,8 milhão de toneladas, ou cerca de 3% da produção nacional, enquanto as lavouras temporárias correspondem a 11%, com 98,2 milhões de toneladas.

O número de estabelecimentos sem acesso à energia elétrica varia significativamente entre os tipos de produção na Amazônia. O açaí lidera com 33.663 unidades, seguido pela castanha-do-pará, com 10.087 estabelecimentos. Produtos como babaçu (amêndoa) registram 7.339 estabelecimentos, babaçu (coco), 4.094, bacaba, 3.968, e buriti, 3.810. Outros produtos, como tucumã e pupunha (coco), contam com 2.686 e 2.163 estabelecimentos, respectivamente. Já palmito (açaí, pupunha etc.) apresenta 1.690 estabelecimentos, seguido de pequi com 1.477, cupuaçu com 1.378 e bacuri com 1.018 estabelecimentos sem energia elétrica. Esses dados evidenciam a predominância de pequenas propriedades produtoras de espécies nativas que enfrentam desafios significativos de acesso à infraestrutura energética.

Grande parte dessa produção está concentrada em áreas ribeirinhas, destacando a importância da logística fluvial para o escoamento e abastecimento das comunidades. Além disso, os dados apontam baixa diversidade produtiva em diversos municípios: 113 núcleos concentram-se na produção de apenas um produto e 118 produzem dois, com maior incidência nos estados do Maranhão, Pará e Tocantins. Essa realidade reforça a importância de investimentos em infraestrutura, apoio técnico e políticas voltadas para o fortalecimento da sociobiodiversidade.

Mapeamento da exclusão elétrica na Amazônia Legal (Infografia: Iema)
Mapeamento da exclusão elétrica na Amazônia Legal (Infografia: Iema)

Produtores da floresta

As quatro principais formas de produção rural na Amazônia Legal são: extrativismo vegetal; produção agrícola em lavouras permanentes e temporárias; e silvicultura. “A partir desse grande estudo, é possível compreender que a correlação entre produção extrativista e exclusão energética é essencial para propor políticas públicas baseadas em dados, fortalecendo a economia da floresta em pé e garantindo a permanência e os direitos constitucionais das populações nos seus territórios”, explica o pesquisador Vinicius Oliveira da Silva, engenheiro elétrico, doutor em Ciências, professor da USP e um dos autores do mapeamento.

A análise utilizou principalmente dados do Censo Agropecuário de 2017, do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), disponibilizados em 2024, tratados e complementados pelo IEMA, e integra informações atualizadas até 2021 sobre a exclusão energética na região, também realizada pelo Instituto.

A região tem cerca de 865 mil estabelecimentos agropecuários, dos quais 170 mil estão diretamente associados ao extrativismo vegetal. Cerca de 85% dessas unidades são pequenas propriedades familiares, responsáveis pela extração e cultivo de produtos como açaí (450 mil toneladas/ano), babaçu (77 mil toneladas) e castanha-do-brasil (27 mil toneladas). Notavelmente, 43% da produção ocorre em áreas menores que cinco hectares, e 54 mil toneladas são extraídas por extrativistas sem posse formal da terra, muitas vezes em áreas públicas ou protegidas.

Um retrato da produção na floresta revela que a grande maioria dos estabelecimentos é de pequeno porte: 74% ocupam menos de 20 hectares, e aproximadamente 50% possuem até 5 hectares. Por outro lado, os estabelecimentos com mais de 100 hectares representam apenas 0,5% do total. Entre os produtores extrativistas, 9% não têm terra própria. Esses dados evidenciam a predominância de pequenas propriedades e a situação de extrativistas sem posse de terra, ressaltando os desafios relacionados ao acesso à terra, à infraestrutura e à sustentabilidade das atividades produtivas na região.

Políticas públicas para a Amazônia

O mapeamento mostra que o fortalecimento da sociobioeconomia pode gerar efeitos multiplicadores: a preservação da floresta, o aumento da renda local, a segurança alimentar e a redução de desigualdades regionais. A correlação entre proximidade de rios e densidade produtiva reforça a necessidade de planejamento hidroviário integrado, garantindo escoamento seguro e sustentável da produção. “O acesso inadequado à energia compromete o beneficiamento de produtos perecíveis, a utilização de maquinário, a agregação de valor e a inclusão produtiva dos povos e comunidades historicamente excluídos das políticas públicas nacionais”, conta o gestor ambiental Fabio Galdino dos Santos, assistente de projetos do Iema e também autor do estudo.

Além da falta de energia, o estudo evidencia limitações nos instrumentos censitários. O Censo Agropecuário verifica apenas a presença ou ausência de eletricidade, sem qualificar potência, regularidade ou finalidade do uso. A ausência de dados detalhados dificulta o planejamento de políticas públicas eficazes voltadas à sociobioeconomia. Os pesquisadores ressaltam que a análise mostra os principais núcleos produtivos desconectados da malha rodoviária e ferroviária federal, voltada principalmente ao escoamento de commodities, reforçando desigualdades históricas.

O levantamento identifica oportunidades claras de intervenção. Entre elas estão a reformulação do Censo Agropecuário entre 2025 e 2026, a integração de dados territoriais com planejamento energético, e a ampliação do Programa Luz para Todos para atender demandas produtivas. Também são recomendados investimentos em infraestrutura logística, inclusão digital, assistência técnica e suporte às cadeias produtivas extrativistas.

A concentração da produção em núcleos estratégicos, especialmente no Pará, Amazonas e Maranhão, aponta oportunidades para o fomento de Arranjos Produtivos Locais (APLs), que podem se beneficiar de políticas públicas voltadas à inclusão energética e produtiva.

Com dados desagregados e políticas estruturadas, é possível transformar a Amazônia Legal em um modelo de desenvolvimento sustentável baseado na sociobioeconomia, conciliando conservação ambiental, renda e bem-estar social. “Reconhecer o acesso à energia elétrica como vetor central da sociobioeconomia é essencial para reduzir desigualdades, promover cadeias produtivas sustentáveis e garantir que as políticas públicas sejam orientadas por evidências, fortalecendo a economia da floresta em pé e assegurando o bem-estar das comunidades locais”, completa Santos.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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