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Visitantes nada inconvenientes
Em comportamento inédito, grupo de até 50 golfinhos-de-dentes-rugosos permanece na Baía de Guanabara e intriga pesquisadores
As dezenas de milhares de pessoas que passeavam pelo calçadão que circunda o Museu do Amanhã, na manhã de sábado de 22 de julho de 2017, ganharam um motivo a mais para registrarem a paisagem da Baía de Guanabara emoldurada por bairros da Zona Norte do Rio e pela Ponte Rio-Niterói. Em meio às águas escuras, um grupo de mais de dez golfinhos-de-dentes-rugosos (Steno bredanensis) evoluía calmamente a poucos metros da construção projetada pelo espanhol Santiago Calatrava. A cena causou espanto: como é possível esses animais resistirem num ambiente aquático tão degradado? Um grupo de biólogos que estuda o comportamento de golfinhos e outros mamíferos na costa fluminense também anda bastante empolgado com o acontecimento, considerado inédito há pelo menos dez anos. Os dentes-rugosos nunca estiveram tão presentes no cotidiano da baía cercada por 8,5 milhões de pessoas.
[g1_quote author_name=”José Lailson Júnior” author_description=”Coordenador do Maqua” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Era comum, em anos anteriores, a gente observar os dentes-rugosos bem na boca da baía, nos meses de maio e junho, ali permanecerem por um tempo, e depois irem embora. Mas dessa vez eles entraram em abril e ainda não saíram.
[/g1_quote]O que esses pesquisadores agora tentam entender melhor é o motivo pelo qual esses golfinhos estão permanecendo no interior da baía – em áreas como o Porto do Rio, praias do Flamengo e Botafogo e de Niterói – mais tempo do que o habitual. Já se sabe que a vinda dos cetáceos está associada ao período de reprodução da tainha, peixe favorito de sua dieta. Em anos pretéritos, eles já foram avistados em águas guanabarinas nos meses de maio a junho. Mas, em 2017, os dentes-rugosos extrapolaram: desde abril um grupo de até 50 animais permanece pescando na baía.
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Veja o que já enviamosJosé Lailson Júnior, coordenador do Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores (Maqua), da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), se diz surpreso com o novo comportamento dos bichos. “Era comum, em anos anteriores, a gente observar os dentes-rugosos bem na boca da baía, nos meses de maio e junho, ali permanecerem por um tempo, e depois irem embora. Mas dessa vez eles entraram em abril e ainda não saíram. Na quarta-feira (2 de agosto) avistamos 40 animais próximos a Boa Viagem, em Niteró), e depois no Leme. Em uma ocasião, registramos que eles inclusive passaram da Ponte Rio-Niterói. Achávamos que era só por causa da alimentação. Mas o estranho é eles permanecerem tanto tempo, mesmo após o fim do pico da tainha”, diz Lailson.
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Duas espécies que se evitam
O pesquisador ressalta que os golfinhos-de-dentes-rugosos vêm do alto-mar, e não são os mesmos botos que habitam a baía há décadas – e se concentram nas áreas do fundo da Guanabara, nas proximidades de Magé, Paquetá e Guapimirim. Uma das teorias é de que os dentes-rugosos possam estar ocupando justamente os espaços deixados pelos botos-cinza (Sotalia guianensis), estes cada vez mais “presos” a áreas do fundo da baía por conta da alta circulação de embarcações. “Os dentes-rugosos podem estar utilizando mais a Guanabara pelo fato de os botos estarem também mudando os seus hábitos. Os Sotalia, cuja população soma apenas 34 na baía, têm ficado mais tempo pela Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapi-Mirim, raramente se deslocando para a boca da baía. Os rugosos podem estar ganhando esses espaços deixados pelo boto-cinza”, explica.
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José Lailson associa o comportamento mais territorialista do boto a uma barreira de “alta poluição sonora” imposta por navios de apoio às atividades off-shore, nas proximidades da Ponte Rio-Niterói. Os bichos, que eventualmente saíam para o mar – e até iam passar um período na Baía de Sepetiba – acabam tendo seus mecanismos de localização prejudicados pelas embarcações. “Cada navio paga menos do que uma diária de hostel para estacionar ali. Alguns navios ficam meses, sem nenhuma regulação. Fomos ao Ministério Público pedir que a área de passagem dos botos fosse preservada. Mas nem o MP está conseguindo levar isso à frente. Então os botos-cinza estão ficando acuados no fundo da baía”.
O que a turma do Maqua Uerj já sabe é que as duas espécies, apesar de pertencerem à mesma família, não se bicam. Onde está um, o outro passa longe. Têm comportamentos bastante diferentes. Enquanto o boto-cinza é mais tímido, o golfinho-de-dentes-rugosos é mais exibido, atirado: “Os Steno e os Sotalia aparentemente se evitam mesmo. A Baía de Sepetiba tem muito Sotalia, mais de 800, e os dentes-rugosos nem entram. Mesma coisa acontece na Ilha Grande, onde há mais de mil botos-cinza, e os dentes-rugosos não costumam entrar”.
Baía não melhorou
Liliane Lodi, bióloga do Projeto Baleias e Golfinhos do Rio, tem feito registros constantes dos Steno bredanensis em praias oceânicas e na Guanabara. Ela destaca o comportamento dócil dos bichos, que gostam de acompanhar embarcações, e nadar em rasas profundidades. Ela, porém, não acredita que o comportamento esteja dissociado à simples caça a alimentos: “O grupo tem de 30 a 50 indivíduos. Estão aqui porque há muita fartura de alimento, principalmente de tainha, que faz parte da dieta básica desses golfinhos. Temos visto muitos dentes-rugosos ensinando seus filhotes a pescar. As condições estão favoráveis às tainhas, e consequentemente, à presença desses golfinhos. São ciclos biológicos. A natureza não tem um padrão”.
Há, entretanto, um consenso entre os pesquisadores. Eles são unânimes em afirmar que não há qualquer melhoria na qualidade ambiental da Baía de Guanabara que possa justificar a presença dos cetáceos. “De jeito nenhum. Eles estão utilizando a baía porque ela não está morta, mas em algumas áreas a poluição permanece a mesma, não houve melhoria. A troca de maré permite que a Guanabara continue produtiva”, afirma José Lailson.
De uma forma geral, as espécies de golfinho dão uma cria a cada três anos, com gestações que vão de 9 a 11 meses. Só dão à luz um filhote de cada vez. Os Steno bredanensis, conhecidos pelas ranhuras no topo dos dentes, podem chegar a 3 metros de comprimento quando adultos. São avistados em toda a costa Brasil, do Rio Grande do Sul ao Amapá, e vivem aproximadamente 30 anos.
O Maqua Uerj já identificou a presença de 170 golfinhos-de-dentes-rugosos no litoral fluminense, somente entre na faixa entre as baías de Guanabara e Ilha Grande. E chegaram a uma conclusão surpreendente: há um rodízio no entra-e-sai dos bichos na baía carioca. Entram 15 num período, depois mais 15 diferentes, e assim por diante. Em tempos de profusão de más notícias, que esses visitantes continuem nos surpreendendo.
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Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.
Impressionante a “resiliência” dessa fauna aquática na nossa latrina de Guanabara. Ao lado do Museu do Amanhã, encontra-se uma das galerias da CEDAE de saída de esgoto in natura, galeira esta que não é nada clandestina, é o meio operacional pela qual a CEDAE trata o nosso esgoto: jogando nos corpos hídricos mais próximos.
A galeria fica bem ao lado das gruas do antigo porto. Jorra esgoto 24hrs/7 dias na semana, e ao chegar ali na beira, já dá para ver a enorme mancha de esgoto se espalhando.
E os golfinhos estão nadando logo ali ao lado! Impressionante como a natureza resiste, as vezes muito duramente, e teima em sobreviver as nossas cagadas (literalmente!) e mostrar o quanto é importante equilibrarmos o progresso e o meio ambiente.
É verdade, essa galeria é conhecida por todos os frequentadores da Região Portuária.
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