Quase metade das moradias no Brasil possuem alguma privação de saneamento

Estudo do Trata Brasil traça um desenho da desigualdade sanitária no país: jovens, pretos e pardos seguem sendo os mais afetados

Por Agostinho Vieira | ODS 6 • Publicada em 17 de novembro de 2023 - 10:23 • Atualizada em 10 de dezembro de 2023 - 13:43

Esgoto a céu aberto no Complexo de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio. Quase metade das moradias do país possuem algum tipo de privação de saneamento básico. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Não há surpresa. Os números são alarmantes, como quase todos os dados relacionados ao saneamento básico no Brasil. Das 74 milhões de moradias do país, 46,3% possuem algum tipo de privação de saneamento básico. A pesquisa divulgada nesta quinta-feira, 16 de novembro, pelo Instituto Trata Brasil considera cinco categorias de privações: a falta de acesso à rede geral de água, a baixa frequência com que a água potável chega à casa das pessoas, a disponibilidade de um reservatório de água, a inexistência de um banheiro e a falta de coleta de esgoto. Com base nesses critérios, é esse o tamanho da desigualdade:

9 milhões de moradias não possuem acesso à rede geral de água;

17 milhões sofrem com uma frequência insuficiente no abastecimento. Ou seja, falta água.

11 milhões não possuem um reservatório de água;

1 milhão de casas continuam sem banheiro;

22 milhões não contam com coleta de esgoto;

Em resumo, o estudo feito pelo Trata Brasil, em parceria com a EX ANTE Consultoria Econômica e o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), revelou que uma a cada duas moradias no Brasil convive diariamente com algum tipo de privação no saneamento. O trabalho foi feito com base nos dados de 2013 a 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada Anual (PNADCA), produzida pelo IBGE. As estatísticas revelaram que 8,916 milhões de moradias não estavam ligadas à rede geral de água tratada em 2022, o que corresponde a 12% do total, afetando 27,270 milhões de pessoas. A maior parte delas, cerca de 35%, vivia nos estados do Nordeste, especialmente na Bahia, em Pernambuco e no Maranhão.

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A privação de acesso à rede geral de água foi mais ou menos constante nas diversas faixas etárias. No entanto, mais de 30% das pessoas morando em habitações sem acesso à rede geral de água tratada tinham menos de 20 anos de idade, o que significa dizer que é um problema fortemente concentrado na população jovem do país e nas famílias com um número maior de filhos. As pessoas autodeclaradas pardas prevaleceram no total da população em privação de acesso à rede geral de abastecimento de água, respondendo por 56,7% do total em 2022. A população autodeclarada branca respondeu por 32,8% e a autodeclarada preta, por outros 9,2%. Em termos relativos, contudo, a maior frequência ocorreu na população indígena, onde 19 a cada 100 pessoas estavam na condição de privação de acesso à água tratada.

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Do ponto de vista educacional, a grande maioria da população em estado de privação de acesso à rede de água tratada não tinha instrução formal (12%) ou não tinha completado o ensino fundamental (45,8%). O peso da população que chegou ao ensino superior, tendo ou não completado esse ciclo, foi relativamente pequeno, de 6,6%. A distribuição da população com este tipo de privação apresenta uma forte concentração nos domicílios de baixa renda. Em 2022, 46,9% das pessoas com essa privação moravam em domicílios em que a renda total foi de, no máximo, R$ 2.400,00 por mês. Outros 31,9% das pessoas em privação moravam em residências cuja renda mensal domiciliar variava entre R$ 2.400,01 e R$ 4.400,00. Essas duas classes de renda totalizaram quase 80% da população em estado de privação de acesso à rede geral de distribuição de água tratada.

A água não chega nas casas

Em 2022, havia 16,896 milhões de moradias que, a despeito de estarem ligadas à rede geral de distribuição, não recebiam água diariamente. Esse número correspondeu a 22,8% do total de residências no país. Aos moldes do que se observa nas outras dimensões da privação de saneamento, a maior parte das moradias com este tipo de problema estava localizada nos estados do Nordeste brasileiro, totalizando 7,730 milhões de residências em 2022, ou seja, 45,8% de todas as moradias brasileiras com este tipo de privação estão localizadas na região. No Nordeste, cerca de 23 a cada 100 moradias não recebiam água diariamente. Em três estados, contudo, essa proporção estava bem próxima ou passava a marca de 40 a cada 100, como foi o caso de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Maranhão.

Falta banheiro e reservatórios de água

Os recortes de renda, região e raça se repetem em todos os critérios de privação de saneamento. Segundo as estatísticas do IBGE, 10,856 milhões de moradias não tinham reservatórios de água em 2022, o que representa 14,7% do total de residências no país. Já os que não possuem banheiro de uso exclusivo chegam a 1,332 milhões de moradias, o equivalente a 1,8% do total de residências no país. Tanto num caso quanto no outro, as pessoas prejudicadas vivem, em sua maioria, no Nordeste, são jovens, têm baixa renda e se autodeclaram pardos ou pretos.

Para Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, o estudo deixa claros os enormes desafios que ainda temos para universalizar essas modalidades de infraestrutura no país: “O problema afeta de maneira contundente as jovens famílias brasileiras, muitas das quais vivendo abaixo da linha da pobreza, que além de tudo adoece mais graças a essa falta de infraestrutura Quase a metade do país viver com ao menos uma privação de saneamento básico é algo inaceitável e que gera um imenso impacto negativo para todos, afetando a saúde, educação e qualidade de vida de milhões de brasileiros”, explica a executiva.

Coleta de esgoto

A falta de coleta e tratamento de esgoto continua sendo um dos grandes flagelos nacionais. De acordo com a pesquisa, quase 23 milhões de moradias ou 31% não tinham acesso à rede geral de coleta de esgoto em 2022. A falta de água tratada e a carência de serviços de coleta e tratamento de esgoto têm um impacto direto sobre a saúde da população, principalmente nas crianças e nos idosos, pois eleva a incidência de infecções gastrointestinais e doenças respiratórias, dado que a higiene das mãos é uma forma muito eficaz de reduzir a probabilidade de transmissão dessas enfermidades. Além dos impactos para o bem-estar da população, a falta de saneamento básico, ao aumentar a incidência de infecções, provoca o afastamento das pessoas do trabalho, acarretando custos para a sociedade com horas não trabalhadas, além de incorrer em despesas públicas e privadas com o tratamento das pessoas infectadas.

Segundo Marina Grossi, presidente do CEBDS, “o cenário do saneamento básico no Brasil é de uma discrepância inaceitável. A baixa cobertura de saneamento atual reflete impactos negativos em áreas vitais para qualquer sociedade, como saúde, educação, produtividade, geração de renda e qualidade ambiental. Ou seja, interfere de forma direta e concreta nas três principais dimensões da sustentabilidade – econômica, social e ambiental. Precisamos, portanto, de um trabalho conjunto entre governos, empresas e sociedade civil para lidar com esse problema e garantir a universalização do saneamento, para finalmente mudar esta realidade que nos envergonha em pleno século 21”, concluiu.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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