Não há surpresa. Os números são alarmantes, como quase todos os dados relacionados ao saneamento básico no Brasil. Das 74 milhões de moradias do país, 46,3% possuem algum tipo de privação de saneamento básico. A pesquisa divulgada nesta quinta-feira, 16 de novembro, pelo Instituto Trata Brasil considera cinco categorias de privações: a falta de acesso à rede geral de água, a baixa frequência com que a água potável chega à casa das pessoas, a disponibilidade de um reservatório de água, a inexistência de um banheiro e a falta de coleta de esgoto. Com base nesses critérios, é esse o tamanho da desigualdade:
9 milhões de moradias não possuem acesso à rede geral de água;
17 milhões sofrem com uma frequência insuficiente no abastecimento. Ou seja, falta água.
11 milhões não possuem um reservatório de água;
1 milhão de casas continuam sem banheiro;
22 milhões não contam com coleta de esgoto;
Em resumo, o estudo feito pelo Trata Brasil, em parceria com a EX ANTE Consultoria Econômica e o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), revelou que uma a cada duas moradias no Brasil convive diariamente com algum tipo de privação no saneamento. O trabalho foi feito com base nos dados de 2013 a 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada Anual (PNADCA), produzida pelo IBGE. As estatísticas revelaram que 8,916 milhões de moradias não estavam ligadas à rede geral de água tratada em 2022, o que corresponde a 12% do total, afetando 27,270 milhões de pessoas. A maior parte delas, cerca de 35%, vivia nos estados do Nordeste, especialmente na Bahia, em Pernambuco e no Maranhão.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosA privação de acesso à rede geral de água foi mais ou menos constante nas diversas faixas etárias. No entanto, mais de 30% das pessoas morando em habitações sem acesso à rede geral de água tratada tinham menos de 20 anos de idade, o que significa dizer que é um problema fortemente concentrado na população jovem do país e nas famílias com um número maior de filhos. As pessoas autodeclaradas pardas prevaleceram no total da população em privação de acesso à rede geral de abastecimento de água, respondendo por 56,7% do total em 2022. A população autodeclarada branca respondeu por 32,8% e a autodeclarada preta, por outros 9,2%. Em termos relativos, contudo, a maior frequência ocorreu na população indígena, onde 19 a cada 100 pessoas estavam na condição de privação de acesso à água tratada.
Leu essa? Baixada completa 10 anos entre os piores índices de saneamento do país
Do ponto de vista educacional, a grande maioria da população em estado de privação de acesso à rede de água tratada não tinha instrução formal (12%) ou não tinha completado o ensino fundamental (45,8%). O peso da população que chegou ao ensino superior, tendo ou não completado esse ciclo, foi relativamente pequeno, de 6,6%. A distribuição da população com este tipo de privação apresenta uma forte concentração nos domicílios de baixa renda. Em 2022, 46,9% das pessoas com essa privação moravam em domicílios em que a renda total foi de, no máximo, R$ 2.400,00 por mês. Outros 31,9% das pessoas em privação moravam em residências cuja renda mensal domiciliar variava entre R$ 2.400,01 e R$ 4.400,00. Essas duas classes de renda totalizaram quase 80% da população em estado de privação de acesso à rede geral de distribuição de água tratada.
A água não chega nas casas
Em 2022, havia 16,896 milhões de moradias que, a despeito de estarem ligadas à rede geral de distribuição, não recebiam água diariamente. Esse número correspondeu a 22,8% do total de residências no país. Aos moldes do que se observa nas outras dimensões da privação de saneamento, a maior parte das moradias com este tipo de problema estava localizada nos estados do Nordeste brasileiro, totalizando 7,730 milhões de residências em 2022, ou seja, 45,8% de todas as moradias brasileiras com este tipo de privação estão localizadas na região. No Nordeste, cerca de 23 a cada 100 moradias não recebiam água diariamente. Em três estados, contudo, essa proporção estava bem próxima ou passava a marca de 40 a cada 100, como foi o caso de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Maranhão.
Falta banheiro e reservatórios de água
Os recortes de renda, região e raça se repetem em todos os critérios de privação de saneamento. Segundo as estatísticas do IBGE, 10,856 milhões de moradias não tinham reservatórios de água em 2022, o que representa 14,7% do total de residências no país. Já os que não possuem banheiro de uso exclusivo chegam a 1,332 milhões de moradias, o equivalente a 1,8% do total de residências no país. Tanto num caso quanto no outro, as pessoas prejudicadas vivem, em sua maioria, no Nordeste, são jovens, têm baixa renda e se autodeclaram pardos ou pretos.
Para Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, o estudo deixa claros os enormes desafios que ainda temos para universalizar essas modalidades de infraestrutura no país: “O problema afeta de maneira contundente as jovens famílias brasileiras, muitas das quais vivendo abaixo da linha da pobreza, que além de tudo adoece mais graças a essa falta de infraestrutura Quase a metade do país viver com ao menos uma privação de saneamento básico é algo inaceitável e que gera um imenso impacto negativo para todos, afetando a saúde, educação e qualidade de vida de milhões de brasileiros”, explica a executiva.
Coleta de esgoto
A falta de coleta e tratamento de esgoto continua sendo um dos grandes flagelos nacionais. De acordo com a pesquisa, quase 23 milhões de moradias ou 31% não tinham acesso à rede geral de coleta de esgoto em 2022. A falta de água tratada e a carência de serviços de coleta e tratamento de esgoto têm um impacto direto sobre a saúde da população, principalmente nas crianças e nos idosos, pois eleva a incidência de infecções gastrointestinais e doenças respiratórias, dado que a higiene das mãos é uma forma muito eficaz de reduzir a probabilidade de transmissão dessas enfermidades. Além dos impactos para o bem-estar da população, a falta de saneamento básico, ao aumentar a incidência de infecções, provoca o afastamento das pessoas do trabalho, acarretando custos para a sociedade com horas não trabalhadas, além de incorrer em despesas públicas e privadas com o tratamento das pessoas infectadas.
Segundo Marina Grossi, presidente do CEBDS, “o cenário do saneamento básico no Brasil é de uma discrepância inaceitável. A baixa cobertura de saneamento atual reflete impactos negativos em áreas vitais para qualquer sociedade, como saúde, educação, produtividade, geração de renda e qualidade ambiental. Ou seja, interfere de forma direta e concreta nas três principais dimensões da sustentabilidade – econômica, social e ambiental. Precisamos, portanto, de um trabalho conjunto entre governos, empresas e sociedade civil para lidar com esse problema e garantir a universalização do saneamento, para finalmente mudar esta realidade que nos envergonha em pleno século 21”, concluiu.