ODS 1
Prezada Kátia Abreu,
Expectativa é baixa, mas oportunidades de transformar a agricultura brasileira num modelo mundial de sustentabilidade são enormes
Perdoe a intimidade. Deveria chamá-la de senadora, mas quatro palavras não cabem no título. Poderia usar ministra, mas o problema seria o mesmo. Além disso, a sua nomeação ainda não foi confirmada. E é sobre ela que quero falar. Poucas vezes vi alguém ser tão bombardeado antes de tomar posse. Muito menos uma pessoa que há algum tempo é apontada como uma das mais poderosas do país.
E o curioso é que os ataques partem de todos os lados. A batalha inclui as flechadas dos índios, as puxadas de tapete do PMDB e as intrigas do PT. Até as facas afiadas dos frigoríficos já foram vistas sobre a mesa. Um bom ministro só pode ser Friboi. O jornal inglês “The Guardian” classificou a senhora como a “mais proeminente e perigosa parlamentar do Brasil”. Enquanto o Greenpeace criou os apelidos “Miss Desmatamento” e “Rainha da Motosserra”.
Mas não se preocupe, senadora. Quem trabalha em redação aprende logo cedo que se uma reportagem é criticada por muita gente há uma boa chance dela ter sido bem feita. Quando apenas um dos lados fica feliz é possível que tenha faltado isenção ou apuração. Não estou dizendo que todas as críticas que a senhora vem recebendo sejam infundadas. Muito pelo contrário. Nós dois sabemos que o seu estilo trator, os socos na mesa e a língua afiada deixaram vários escombros.
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Veja o que já enviamosO que me intriga é por que essa revolta toda só apareceu agora. Será que esses atiradores de pedra enxergam uma diferença muito grande entre a sua provável gestão e a dos quatro últimos ministros? Ninguém vai se lembrar deles, mas Wagner Rossi, Mendes Ribeiro, Antônio Andrade e Neri Geller também representavam o agronegócio, não morriam de amores pelos índios e tinham pavor de ambientalistas.
Quem se der ao trabalho de pesquisar a lista de ministros da agricultura, de 1861 até hoje, não encontrará nenhum nome acima do bem e do mal. O primeiro foi o Visconde de Inhaúma, português e oficial de marinha. Também aparecem o jornalista Quintino Bocaiúva, o embaixador Osvaldo Aranha e o economista Delfim Neto. Aquele que inspirou Jô Soares a criar o personagem Dr. Sardinha, que só pensava em números. Os melhores foram o Pratini de Moraes, o Roberto Rodrigues e o Severo Gomes, amigo do Dr. Ulysses. Um bom contador de histórias, que fabricava os “Cobertores Parahyba” e criava gado na Amazônia.
Ou seja, não é preciso um esforço grande para se destacar nessa área. E a senhora tem uma vantagem grande: a expectativa é baixa. Ninguém leva a menor fé na sua gestão. O Barão de Itararé dizia que de onde menos se espera é que não sai nada mesmo. É hora de provar que ele estava errado. Sei que a sua atuação foi decisiva na aprovação do Código Florestal. O texto não é bom, mas ficou muito melhor do que o que vinha sendo proposto pelo companheiro Aldo Rebelo.
Mas agora é preciso fazê-lo funcionar. Mais de 550 mil produtores já aderiram ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). Concluir esse trabalho ainda em 2015 seria uma boa meta. Que tal transformar o programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono) numa bandeira? Até agora, 25 mil contratos foram assinados com o Banco do Brasil e o BNDES. Mas ainda há muita burocracia e falta controle. Tem gente usando o dinheiro para comprar boi e não para reduzir as emissões de carbono do setor.
Senadora, por favor, esqueça essa história de que pobre tem que comer agrotóxico. Foi uma frase infeliz. O Brasil não precisa disso para ser o maior produtor de comida do mundo. O país virou uma lixeira de substâncias proibidas na Europa e nos EUA. Seria bom dar mais um soco na mesa e acabar com essa bagunça. Vamos usar os transgênicos e os defensivos químicos com inteligência e parcimônia.
O mesmo vale para a água. Soube que a senhora defendeu a duplicação da área irrigada. Talvez até seja possível, mas é preciso saber onde e como. Plantar cana irrigada no Nordeste é irresponsabilidade. Tem área mais produtiva no Centro-Oeste para essa cultura, sem irrigação. Estamos vivendo uma crise hídrica muito séria e não há mais espaço para desperdício.
Ouvi dizer que quando o seu marido morreu deixou na gaveta um livro com instruções sobre como tocar a fazenda. Acho que no ministério não haverá nada parecido. Sugiro que ouça os técnicos da Embrapa. Eles vão lhe dizer que a produção agrícola brasileira tem condições de dobrar até 2040 sem que seja necessário derrubar nenhuma árvore, nem aumentar a área irrigada. Podemos ter produtos com o selo D.O.S (Denominação de Origem Sustentável). Só depende de nós. Feliz 2015.
*Artigo publicado, originalmente, no jornal O GLOBO, em dezembro de 2014
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Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.