ONU fala em beija-flor enquanto dois bilhões de pessoas estão sem água

Conferência Mundial da Água espera compromissos voluntários dos países para minimizar problemas hídricos que se arrastam ao longo do tempo

Por Agostinho Vieira | ODS 6 • Publicada em 22 de março de 2023 - 13:56 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 13:58

Mulheres paquistanesas enchem seus baldes de água limpa no Dia Mundial da Água. Foto Shakeel Armed/Anadolu Agency via AFP

Esta semana, em Nova York, está acontecendo a Conferência das Nações Unidas sobre a água. É a primeira vez, em quase 50 anos, que as principais lideranças mundiais voltam a falar sobre o tema. O último encontro com esta dimensão aconteceu em 1997, em Mar del Planta, na Argentina. Uma demora tão grande pode levar a crer que este não é um problema relevante, que precise de ação urgente. Não é o que mostram os números divulgados pela própria ONU: 2,3 bilhões de pessoas vivem hoje em países com algum tipo de estresse hídrico; quase dois bilhões não tinham acesso à água potável até 2020; cerca de 3,6 bilhões não contavam com instalações sanitárias e mais de 2,2 bilhões, em países da África, da Ásia e da América Latina, não tinham meios acessíveis de lavar as mãos. Aquela coisa que os especialistas insistiam para a gente fazer nos tempos da pandemia.

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Para solucionar esses problemas, que são históricos e nem um pouco triviais, as Nações Unidas apostam em dois caminhos: o compromisso voluntário dos países e a ação individual de cada habitante do planeta. A mensagem principal do evento deste ano é “Seja a Mudança que Você Quer Ver no Mundo”, inspirada na tradicional fábula do beija-flor que tenta fazer a sua parte para apagar um incêndio na floresta. Essa história do beija-flor era muito usada pelo sociólogo Betinho quando falava sobre a campanha Fome Zero no Brasil.

Cartaz da Conferência das Nações Unidas para a água incentiva as ações individuais. Foto Reprodução
Cartaz da Conferência das Nações Unidas para a água incentiva as ações individuais. Foto Reprodução

Hoje já existem vários acordos internacionais que tratam do tema da água, mas os avanços têm sido muito tímidos. Entre eles está a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que no seu Objetivo 6, fala em “assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos e todas”.  Entre as metas, algumas questões-chave, como “acabar com a defecção a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas”, “eliminar o despejo de produtos químicos e material perigosos na água”, “acabar com o desperdício”, “reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água”…

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Apesar disso, o principal resultado esperado para esta conferência é o lançamento da Agenda de Ação da Água, uma série de compromissos voluntários a serem assumidos em todos os níveis, governos, países, empresas, instituições e comunidades locais. Pelo menos é nisso que aposta o secretário-geral da ONU, António Guterres: “A Conferência da Água da ONU deve resultar em uma ousada Agenda de Ação pela Água que dê à força vital de nosso mundo o compromisso que ela merece”.

Seria bom que desse certo, pois até o momento, as projeções das Nações Unidas indicam que a população mundial sujeita à escassez hídrica tende a dobrar até 2050. No Brasil, estima-se que a demanda pelo uso da água deve crescer 30% até 2030, segundo projeção da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Hoje, a agropecuária responde por 61% dessa fatia, enquanto o setor de serviços, que inclui o abastecimento das famílias, fica com 24%. O restante entra na conta da indústria. Isso em um país que tem 35 milhões de pessoas sem acesso a água e 100 milhões estão sem coleta de esgoto. Parece muito trabalho para o pobre do beija-flor, que, diga-se de passagem, em tempos de crise climática, também anda ameaçado de extinção.

Para quem não conhece, aí vai a fábula do beija-flor

Era uma vez uma floresta, onde um incêndio teve início. Todos os animais fugiram para salvar suas vidas. Eles ficaram à beira do fogo, olhando para as chamas com terror e tristeza.

Acima de suas cabeças, um beija-flor voava de um lado para outro em direção ao incêndio, repetidamente. Os animais maiores perguntaram a ele o que estava fazendo:

– Estou voando até o lago para pegar e usá-la no combate ao fogo.

Os animais riram dele e disseram:

– Você é louco! Você não vai conseguir apagar o incêndio!

E o beija-flor replicou:

– Estou fazendo aquilo que posso.

O Beija-flor está ajudando a solucionar o problema, gota a gota. Ele está sendo a mudança que deseja ver no mundo.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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