E o saneamento, agora vai?

Enchente na Maré, Zona Norte do Rio, agravada por falta de saneamento e de coleta de lixo: concessão a empresas privadas impõe novos desafios ao Poder Público (Foto: Elisângela Leite / Casa Fluminense – 30/10/2020)

Concessão do serviço a empresas privadas no Rio impõe ao poder público responsabilidades no planejamento e na fiscalização

Por Casa Fluminense | ArtigoODS 6 • Publicada em 16 de setembro de 2022 - 08:42 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:05

Enchente na Maré, Zona Norte do Rio, agravada por falta de saneamento e de coleta de lixo: concessão a empresas privadas impõe novos desafios ao Poder Público (Foto: Elisângela Leite / Casa Fluminense – 30/10/2020)

(Henrique Silveira*) – A julgar pelo histórico de descontinuidades de obras e programas anteriores, a baixa capacidade de planejamento, coordenação e investimento do poder público, a resposta não é boa. A novidade no Rio de Janeiro é a concessão do serviço para empresas privadas, com a promessa de 32 bilhões de investimento nos próximos 35 anos e garantia de saneamento básico para 13 milhões de pessoas no estado. Se vai dar certo ou não, somente o tempo dirá. Cabe à sociedade aprofundar o debate sobre o que precisa ser feito para que haja avanços concretos e não seja mais uma frustração para cariocas e fluminenses.

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Em primeiro lugar, é necessário destacar que a concessão do serviço para operadores privados não significa ausência de responsabilidades do poder público. Por exemplo, quando uma prefeitura concede o serviço de transporte público para empresas, um contrato deve definir as responsabilidades, os investimentos previstos, a qualidade do serviço, a quantidade de viagens por dia, a inclusão de ar-condicionado nos ônibus e outros indicadores. Caso o serviço não seja prestado conforme o contrato, o poder público deve trocar a empresa ou assumir a operação, como fez a prefeitura do Rio de Janeiro no caso do sistema de BRT em 2021. O mesmo raciocínio vale para a concessão do saneamento no Rio de Janeiro, pois conceder não é abandonar.

No caso do saneamento, o poder concedente responsável pela concessão é a autoridade metropolitana do Rio de Janeiro. Portanto, cabe a ela fiscalizar e garantir a aplicação dos investimentos previstos nos contratos. Em 2021, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou e o governador sancionou, a Lei Complementar 9370 que define procedimentos para a divulgação e avaliação das metas dos serviços públicos de saneamento básico previstos nos contratos de concessão. A lei determina que as empresas de saneamento básico deverão disponibilizar no seu site, anualmente no mês de fevereiro, um relatório simplificado, apoiado em mapas e gráficos de fácil compreensão, que apresente de forma clara as metas para os serviços de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário, definidas no contrato de concessão.

Na Região Metropolitana, a lei recomenda que o Instituto Rio Metrópole (IRM), em cooperação com a Agência Reguladora da Energia e Saneamento Básico no Rio de Janeiro (Agenersa), as entidades reguladoras municipais e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), produzam o Relatório Anual de Avaliação das Metas de Saneamento (RAMS), que poderá ser publicado no sítio eletrônico do IRM, até maio do ano subsequente. O RAMS poderá ser feito de forma concisa e objetiva, contendo informações básicas sobre a qualidade da água dos rios, lagoas e baías; aferição da potabilidade da água distribuída pelos empresas; cumprimento das metas dos serviços de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário, com explicações sobre eventuais atrasos e providências adotadas em caso de descumprimento; cumprimento de metas de redução do desperdício de água pelos usuários e pelas concessionárias; e outros. Ou seja, o monitoramento e a transparência são fundamentais para o alcance das metas.

Outro componente necessário é o fortalecimento da regulação, realizado pela Agenersa, com definição de normas para a prestação do serviço e fiscalização do contrato de concessão. Historicamente, a Agenersa é percebida como um órgão com baixa capacidade de cumprir sua tarefa de regulação, tanto por não ter o número de funcionários suficientes, quanto pela prática de loteamento político dos cargos, o que reduz sua capacidade técnica para executar suas atribuições. Como resposta parcial ao desafio, está previsto para o segundo semestre de 2022 a realização do primeiro concurso público da história da Agenersa, com previsão de 50 vagas distribuídas para especialistas em regulação, analista técnico e assistente. Essa medida não resolve todos os problemas da Agenersa, mas será um passo importante no seu fortalecimento.

Por último, mas não menos importante, é fundamental fortalecer e aperfeiçoar mecanismos de controle social. De um lado, valorizar os espaços formais de participação como os comitês de bacias e os, recentemente criado, comitês de monitoramento das áreas de concessão. Mas também é fundamental incluir os fóruns independentes de fiscalização e monitoramento cidadão, como o movimento “Água Boa para todos”, que tem defendido a implantação da cota mínima de água para a população mais pobre. Iniciativas de geração cidadã de dados, como o CocôZap no Complexo da Maré, e a Visão Coop em Queimados, são exemplos de tecnologias sociais desenvolvidas por jovens de periferia voltadas para acompanhar as políticas públicas de saneamento básico e de adaptação climática em seus territórios. São experiências que devem ser valorizadas.

Isto posto, o saneamento básico vai avançar na medida em que o poder público atue com qualidade na coordenação, planejamento e fiscalização dos contratos de concessão, proporcionando transparência e controle social para todos os atores interessados na construção de um poderoso movimento de monitoramento das metas. Somente assim teremos avanço real na distribuição de água e na coleta e tratamento de esgoto na região metropolitana do Rio de Janeiro.

*Henrique Silveira é geógrafo e coordenador-geral da Casa Fluminense

Casa Fluminense

A Casa Fluminense é um espaço permanente para a construção coletiva de políticas e ações públicas por um Rio mais justo, democrático e sustentável. Formada em 2013 por ativistas, pesquisadores e cidadãos identificados com a visão de um Rio mais integrado, acredita que a realização deste horizonte passa pela afirmação de uma agenda pública aberta à participação de todos os fluminenses e destinada universalmente a todo o seu território e população e não apenas - ou prioritariamente - para as áreas centrais da capital.

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